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Opinião

O que um taxista e um historiador têm em comum

Táxi
Se os motoristas de aplicativo não existissem, a opção de transporte de muitos brasileiros remediados seria não o táxi, mas o ônibus (Foto: BigStock)

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A celeuma do Uber repetiu um quadro por todo o país: tão logo o aplicativo se tornava disponível numa cidade, alguns taxistas preparavam emboscadas contra motoristas de aplicativo para dar-lhes umas pauladas; depois, um grupo se empenhava em pressionar prefeituras para agir contra motoristas de Uber. O sentido de suas ações é muito simples: limitar o trabalho dos motoristas de aplicativo para ficar sem concorrência, e ter acesso exclusivo àquilo que enxergam como fonte de renda a que têm direito. Essa é a lógica sindical.

É claro que os sindicatos têm, e devem ter mesmo, o direito de fazer pressão e negociação dentro de limites legais. A sociedade cresceu com isso, e ninguém quer voltar às condições de trabalho da Inglaterra da Revolução Industrial. Mas achar que sindicalistas são planejadores altruístas e competentes são outros quinhentos. Sindicatos atuam em favor de uma corporação; logo, não primam, nem têm que primar, pelo espírito público.

Sua lógica é muitas vezes antieconômica. Se um sindicato patronal passa uma lei de informática proibindo o Brasil de importar até desenvolver a informática nacional, os brasileiros simplesmente ficam sem computador.

Se os motoristas de aplicativo não existissem, a opção de transporte de muitos brasileiros remediados seria não o táxi, mas o ônibus. Do ponto de vista dos sindicalistas, porém, não importa o público: sem concorrência, a vida deles é mesmo mais fácil e confortável.

O sindicato dos historiadores

O Brasil deve produzir centenas de pós-graduados em história anualmente. Com 69 universidades federais (cinco delas criadas por Weintraub), e trocentas estaduais espalhadas por aí, fora as privadas, é razoável concluir que historiador, no Brasil, não falta.

Por isso, quando um iutúber que faz vídeos sobre história anunciou que foi contratado pela Netflix para fazer uma série, logo a celeuma se instalou no Twitter: um não-diplomado em história não poderia fazer uma série na Netflix sobre história, segundo os historiadores.

Isto é lógica de sindicalista. Enquanto o rapaz esteve fazendo sucesso no Youtube com os seus vídeos sem um diploma, não era um problema. Na hora de colher os frutos mais polpudos do trabalho com um contrato importante, aí sim, aparecem os sindicalistas da história. E eis o que têm em comum com os taxistas: enxergam o outro como um ladrão da fonte de renda a que julgam tem direito. “Tirem ele, me deem o seu contrato!”

O iutúber, Felipe Castanhari, até se saiu bem, dentro da lógica sindicalista: “Estou há nove anos no Youtube produzindo esse tipo de conteúdo mesmo não sendo historiador ou cientista. Entendam que eu sou um apresentador e diretor que se uniu a especialistas para trazer esses temas de uma forma mais simples e didática para o grande público.” Trocando em miúdos, ele pode gerar renda para historiadores diplomados.

E se só existissem os acadêmicos?

Se só existissem os taxistas, muita gente faria com transporte público o que faz de Uber, o que é problema para o prefeito, mas não é verdade que todos os clientes do Uber tenham sido roubados dos taxistas. O Uber criou usuários de transporte individual.

Se não existissem iutúberes como Felipe Castanhari, não tinha contrato de Netflix. Dê-se uma olhada no canal dele. Os temas são variados. Não há, numa federal ou estadual, nenhum acadêmico que pesquise Mussolini e Egito Antigo ao mesmo tempo!

Se dependesse dos acadêmicos, a Netflix teria que contatar programas de pós-graduação Brasil afora, xeretar Lattes (torcendo para não serem falsos) para encontrar um especialista para tratar de um tema a cada episódio. E, dado o grau de especialização dos nossos cursos, amiúde ouviria respostas como: “Sinto muito, estudo Período Regencial, sim, mas sou especialista em Sabinada, não sei absolutamente nada de Cabanada.” Outras respostas factíveis seriam: “Sinto muito, não posso colaborar porque a CAPES me proíbe de aceitar trabalho remunerado” ou “Sai daqui, porco capitalista!!!”.

Felipe Castanhari criou público interessado em história. Os historiadores deveriam apreciá-lo por isso.

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