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Daniel Filmus, Argentina
Daniel Filmus, atual ministro da Ciência e Tecnologia da Argentina, em foto de 2020. Ele anunciou com entusiasmo a Arvac, vacina de Covid-19 do país em segunda fase de testes. Só o tempo dirá se é uma boa aposta.| Foto: EFE/Juan Ignacio Roncoroni

O ministro da Ciência e Tecnologia da Argentina, Daniel Filmus, anunciou nesta segunda-feira (10) que o país está chamando voluntários para testar uma vacina própria da Covid-19, a “Arvac”.

“É importante que a Argentina tenha esta capacidade, porque não a tinha antes”, disse Filmus em coletiva de imprensa. “Ao ter sua própria vacina, o país poupará recursos por não ter que importá-la de outros países como temos feito”.

A Arvac está na fase 2 de desenvolvimento, que vem após grandes riscos serem descartados pela observação de uma pequena quantidade de pacientes e a dosagem apropriada ser estabelecida. Nessa fase, centenas de pacientes são divididos em grupos, um que recebe e até dois que não recebem a inoculação, para comparação e teste de eficácia. A Organização Mundial da saúde indica como última fase a 3, na qual o número de pacientes sob teste é expandido para milhares para que haja mais certeza da eficácia e baixo risco. Alguns cientistas também incluem uma fase 4 de acompanhamento da inoculação e potenciais efeitos colaterais após a vacina ser aprovada.

Nos planos do desenvolvimento da Arvac, 1.782 voluntários maiores de 18 anos foram chamados a participar. O governo argentino acredita que será possível lançar a vacina até a metade do ano, após a aprovação da Anmat (Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica).

Até 400 funcionários técnicos e científicos de mais de 20 instituições públicas e privadas da Argentina estão trabalhando no desenvolvimento da vacina desde 2020, entre elas a UNSAM (Universidade nacional de San Martín, pública) e o Conicet (Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica). Alguns arriscaram até uma previsão de “até 30 vezes os anticorpos contra as diferentes variantes”.

O imunizante será testado em três versões: uma monovalente, tendo como alvo a variante gama, também conhecida como P1, que fez muitas vítimas em Manaus no começo de 2021 e agora é incomum; a versão bivalente, ou seja, que terá como alvos simultâneos a variante gama e a variante ômicron, dominante há mais de um ano; e outra monovalente para a ômicron. O teste completo dos três tipos, contudo, está previsto para a fase 3, ainda sem recrutamento.

É uma promessa, mas pode ter chegado tarde demais

Como a Gazeta do Povo noticiou, há ceticismo de especialistas em vacinas como o americano Paul Offit a respeito da utilidade de vacinas bivalentes contra a Covid a esta altura, em que maiorias já foram infectadas com Covid-19 e obtiveram imunidade natural, que parece duradoura e eficaz em níveis comparáveis às doses duplas e reforços de vacinas mais convencionais como o imunizante de nanopartículas de mRNA da Pfizer-BioNTech. “A experiência do último ano nos ensinou que perseguir essas [sub]variantes da ômicron com uma vacina bivalente é um jogo perdido”, disse Offit em janeiro.

Há dois registros para estudos científicos de desenvolvimento da Arvac no site Clinical Trials (“Ensaios Clínicos”), mantido pelo governo americano e usado por pesquisadores médicos do mundo todo. Um registro está ativo, mas sem recrutamento de voluntários, o outro está em fase de recrutamento, como dito pelo governo argentino. Apesar da data de início dos trabalhos ser 2020, o estudo com recrutamento foi iniciado em fevereiro deste ano. Há uma previsão de término em julho, mas o término completo está previsto para outubro, o que vai além do prazo discutido pelo ministro Filmus.

A tecnologia usada na Arvac é a da proteína recombinante. Para produzi-la, um gene do vírus, que contém a instrução para uma célula montar uma proteína que será reconhecida pelo sistema imunológico do organismo humano, é inserido em bactérias ou leveduras de laboratório. Esses organismos produzem grandes quantidades da proteína, que então é purificada e usada como o principal componente da vacina.

Outras vacinas para Covid-19 aprovadas para uso emergencial no mundo usam a mesma tecnologia. A mais famosa é a Novavax, americana, seguida pela francesa Sanofi-GSK, autorizadas em mais de dez países. Autorizadas em menos de dez países há também as vacinas Abdala e Soberana Plus (Cuba), EpiVacCorona (Rússia), Zifivax (China), Soberana 02 (Parceria Cuba-Irã), Medigen (Taiwan) e Corbevax (Índia e EUA). Há também sete outras vacinas de proteína recombinante aprovadas apenas para um país em lugares como Austrália, Irã, China, Coreia do Sul e Indonésia. Muitas delas, como a Arvac, são ainda meras promessas. Em novembro de 2021, a revista Nature, em sua seção de notícias, comentou que as vacinas de proteína poderiam mudar a pandemia. O que se viu depois foi que esse tipo de vacina não foi o favorito de governos a redor do mundo.

As estrelas da proteína recombinante

A Novavax, que combina a tecnologia da proteína recombinante com nanopartículas similares a vírus (sem mRNA), mostrou ter uma eficácia de 86% contra Covid grave e 82% contra infecção para a variante gama, mas, no caso da variante ômicron, a eficácia foi de 65% e 43%, respectivamente, o que está abaixo do desempenho das vacinas de mRNA da Pfizer e da Moderna. Os números são curados pelo IHME, Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de Washington.

Já a Sanofi-GSK, que é bivalente, testada contra a ômicron, mostrou uma eficácia contra novas infecções com Covid de 75% nas pessoas que já tiveram Covid, mas de apenas 31% em quem nunca teve a doença. Os números são de um estudo preliminar com quase 13 mil participantes, ainda não submetido à revisão por pares. A vacina está em desenvolvimento desde 2020 e começou a fase 2 em fevereiro de 2021.

Em julho de 2022, a revista Frontiers in Microbiology publicou uma revisão sobre esse tipo de vacina. Foram considerados 16 imunizantes em fase 3 ou 4. Os autores, que viram promessa maior na Novavax, concluíram que os eventos adversos para os produtos foram “incomuns ou mínimos”. Ao menos uma das vacinas, a iraniana Razi Cov, uma uma terceira dose em spray, em vez de injeção, o que poderia ser conveniente. As vacinas cubanas pareceram eficazes, porém a revisão não considerou dados para a variante ômicron e os números estão desatualizados.

Em suma, as vacinas de proteína recombinante como a Arvac podem representar uma boa opção, mas ainda não sabemos se são necessárias em um momento em que tantas pessoas já se infectaram. A Argentina, que passa por problemas econômicos, pode economizar produzindo a sua própria. Para quem quer um mercado mais diversificado e se preocupa com a tendência das vacinas de mRNA de gerar eventos adversos, podem ser uma boa notícia. Com o fim dos estados de emergência, com liderança já lançada pelos Estados Unidos, as farmacêuticas terão de voltar aos protocolos anteriores e mais lentos de aprovação.

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