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O rei está nu: livro debate por que é tão difícil escapar do pensamento de manada

Individualidade, conformismo, nazismo, resiliência
Homem se recusa a fazer a saudação nazista na Alemanha, 1936. Em novo livro, britânicos Laura Dodsworth, jornalista, e Patrick Fagan, psicólogo, ensinam como lutar contra as crescentes técnicas de manipulação psicológica usadas para fazerem os indivíduos se conformarem. (Foto: Domínio público/ Edição de Eli Vieira)

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'A Roupa Nova do Imperador' é um conto que levanta questões sobre autoengano, conformidade e obediência à autoridade. Como todos os bons contos de fadas, transmite um guia para o comportamento humano — aprender a ser o primeiro a se manifestar, como o menino, é uma boa prática e ajudará você a desenvolver resiliência psicológica contra o conformismo sem sentido.

E ainda assim, para a maioria de nós, é difícil ser o primeiro a falar. Muitas vezes, gostamos da segurança da multidão.

Os seres humanos são animais muito sociais, tendo evoluído em tribos. Faz sentido evolutivo seguir a multidão: não temos tempo ou energia para pensar em cada decisão em detalhes e, se todos os demais estão fazendo algo, provavelmente é correto. Se todos estão gritando e fugindo, você provavelmente deveria fazer o mesmo.

Nós buscamos outras pessoas que consideramos mais bem informadas, e gostamos de ficar bem com os outros. A conformidade tem suas vantagens. Identificar-se com o grupo pode parecer mais seguro e até ser literalmente mais seguro em um sentido físico — não comemos as frutas do arbusto que todos os demais evitam. Contamos com a cooperação social. Você poderia até dizer que nossa necessidade mais básica e fundamental é pertencer.

Mas existem perigos.

O pensamento de grupo pode sufocar o pensamento independente. Gustave Le Bon apresentou uma das primeiras e mais influentes teorias do pensamento de manada em 'A Multidão: Um Estudo da Mente Popular'. Ele acreditava que os indivíduos podem perder seu senso de si mesmos em um grupo e se tornar ao mesmo tempo anônimos e mais poderosos. Uma vez que um indivíduo está submerso em um grupo, as ideias e sentimentos são contagiosos; pense em peixes individuais se movendo como um cardume. Nossa poderosa tendência ao conformismo é apoiada por inúmeros experimentos científicos — e é impiedosamente explorada por manipuladores.

Existem exemplos de uso de conformidade e “teste social” em toda a publicidade (“8 de cada 10 gatos preferem Whiskas”), compras online (o onipresente “clientes que compraram este item também compraram...”), em comunicações governamentais (“a maioria das pessoas paga seus impostos em dia”) e na propaganda (“um estudo afirmou 99% de consenso entre acadêmicos sobre as mudanças climáticas causadas pelo homem”). A teoria do “nudge” [literalmente “empurrãozinho”, teoria usada pelo governo britânico para causar medo na população e ganhar obediência nos lockdowns da pandemia] — usada em publicidade, redes sociais, saúde pública, governo, basicamente em todos os lugares — é fortemente baseada na conformidade.

Multidões podem ser perigosamente usadas como arma. Aldous Huxley escreveu sobre como Hitler reuniu pessoas aos milhares para fazê-las formar massa, perder sua identidade pessoal e se tornar açuláveis. Ele chamou isso de envenenamento de rebanho. Vemos o “nós contra eles” explorado por políticos e na mídia partidária semanalmente.

Há muitos exemplos na história provando que o grupo estava errado, enquanto a voz solitária, o “menino que se manifestou”, estava certa. Galileu estava certo sobre a Terra se movendo em torno do sol, não o contrário, mas foi julgado como herege e colocado em prisão domiciliar pelo resto de sua vida. Como Steve Jobs disse, os desajustados, rebeldes e causadores de problemas são os que mudam as coisas e impulsionam a raça humana. No entanto, desde então, passamos a valorizar a homogeneidade e a conformidade.

Então, como é que podemos observar nossa própria conformidade, nos apartar da multidão e falar primeiro?

Os delatores (“whistleblowers”) são a vanguarda. Um psicólogo experiente nos contou sobre como denunciou o racismo institucional na parte do NHS (Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido) em que trabalhava. Isso trouxe a ira do sistema contra ele. Houve alegações maliciosas feitas contra ele em resposta. O grupo nem sempre reage bem ao desertor. No final, os desafios passaram, ele foi inocentado das acusações falsas e trouxe mudanças positivas para o sistema. Ele se orgulha de suas ações e encorajaria outros a fazer o mesmo. O delator aprendeu que há uma integridade nas pessoas que são excluídas do grupo, você pode contar com elas.

Lee era um policial voluntário, o que é conhecido como “guarda especial”. Ele denunciou um comportamento fraudulento a oficiais superiores dentro de sua própria força policial. Eles não levaram a denúncia a sério, então em seguida ele a levou ao Ministério do Interior britânico, que teve outra postura. Ele foi suspenso e investigado por alegações de má conduta grave. No final, após uma longa investigação, nenhuma dessas alegações contra ele foi comprovada. No entanto, a equipe de investigação mais tarde fez uma nova acusação de racismo e má conduta grave.

Ele entrou para a polícia para ajudar as pessoas e protegê-las dos criminosos. Ele ficou chocado ao descobrir a corrupção em um nível superior. Como o psicólogo, foi uma experiência difícil: “Quando fui suspenso, fiquei arrasado. Quando fui considerado culpado [da acusação subsequente], foi publicado na mídia. Você não tem ideia do que isso é. Parece que o mundo está chegando ao fim.”

No entanto, ele defende sua experiência de denúncia e se orgulha de suas ações. Curiosamente, como o psicólogo, parece que a experiência anterior de estar fora do grupo pode tê-lo preparado para tomar uma posição:

“Acredito que, porque nasci no exterior e sou abertamente gay, não pareço me encaixar. Isso faz parte de quem eu sou. Acho que isso é parte do motivo pelo qual eles se fecharam contra mim. Entrei para a polícia como um homem gay nos anos 1990. Se eu tivesse me assumido como gay, eles teriam encontrado maneiras de me dispensar. Vi isso em primeira mão com colegas que se assumiram. Também fiquei surpreso com o quão racista a força policial era naquela época. Tenho que dizer que, felizmente, isso mudou muito agora. Mas ser um estranho e fazer as coisas de maneira diferente me deu a resiliência psicológica para ser um denunciante.”

Quando Sócrates estava sendo julgado, em sua defesa, ele apontou que a dissidência, como uma mosca irritante picando e perturbando o cavalo da opinião pública, era fácil de matar, mas o custo para a sociedade de silenciar os indivíduos poderia ser muito alto: “Se vocês matam um homem como eu, vão se ferir mais do que a mim.”

De fato, são essas moscas, as pessoas que têm um nível menor de agradabilidade [traço de personalidade relacionado ao quão bem quista é uma pessoa e o quanto ela se importa com a harmonia social] — os não cooperativos, os desconfiados, os beligerantes — que são menos conformistas, de acordo com as pesquisas.

Mesmo que não seja tão dramático quanto denunciar, você pode querer apresentar uma ideia nova, defender uma posição impopular, defender uma minoria ou promover uma criação incomum.

Você pode optar por ser um ponto fora da curva e praticar isso. Observe conscientemente qualquer emoção desconfortável sua em relação a se manifestar ou se desviar do grupo. Perceba o desconforto e o medo. Pause e recolha-se, ou siga em frente. Embora inicialmente você possa enfrentar a desaprovação social, o benefício é a autenticidade e o crescimento, ser verdadeiro consigo mesmo e ter princípios. Como disse o psicanalista holandês Joost Meerloo em 'O Estupro da Mente' (1956): “Quer saibamos disso ou não, não há nada de que tenhamos mais vergonha do que de não sermos nós mesmos, e não há nada que nos dê mais orgulho e felicidade do que pensar, sentir e dizer o que é nosso.”

Agora, e o imperador? O conto de fadas não nos diz o que aconteceu na cidade depois. Sua autoridade foi murchada? O imperador caiu na mentira e, por meio de sua autoridade, implicitamente obrigou as pessoas ao seu redor a participar da mentira. Ele poderia ter dado um exemplo totalmente diferente. Com que frequência nossos líderes são fracos, faltam com a coragem, convicção e inteligência? Frequência suficiente, parece, para justificar contos de fadas atemporais e caricaturas políticas diárias zombando de seus absurdos.

Muitas vezes, os manipuladores tiram o poder da ilusão do poder: eles podem nos controlar, paradoxalmente, justamente porque pensamos que eles podem. Uma vez que percebemos que o poder deles é uma ilusão, ele evapora. O poderoso Mágico de Oz é apenas um pequeno homem atrás de uma cortina. Os manipuladores muitas vezes tentam se retratar como oniscientes e todo-poderosos. Você tende a se conformar, se acha que o “Grande Irmão está te observando”. Na psicologia, é conhecido como “o efeito dos olhos que observam” — exiba um pôster de um par de olhos e as pessoas são mais propensas a lavar as mãos e menos propensas a roubar uma bicicleta. O princípio surgiu primeiro como uma ferramenta de controle social a partir do conceito de panóptico (que significa “ver tudo”): os prisioneiros se comportavam se uma torre de guarda fosse colocada no meio da prisão, de modo que se sentissem como se estivessem sempre sendo observados, mesmo que não estivessem.

Durante os lockdowns da Covid, cada novo decreto autoritário era acompanhado por histórias de pessoas sendo pegas e punidas por infrações. A impressão era que não havia escapatória do olho onisciente do estado; a resistência era inútil. Na realidade, a probabilidade de punição era muito pequena. Apenas 5% dos furtos e roubos são resolvidos no Reino Unido, por exemplo.

Em ambas as Guerras Mundiais, tanques infláveis foram usados como engodos para criar uma ilusão de força. A chave para desempoderar os manipuladores é desinflar seu poder ilusório como se estourassem esses tanques infláveis. Como a paródia de Charlie Chaplin de Hitler, o Mágico de Oz deve ser revelado como nada mais do que um pequeno homem. Devemos apontar e rir de sua inadequação.

“Para ver que nossos imperadores estão nus, realmente temos que esperar que uma criança diga isso? Ou pior, esperar que a criança rebelde interna de alguém se manifeste?”, perguntou a escritora Ursula K. Le Guin. “Se for esse o caso, teremos muitos políticos nus.”

Esta é uma tradução autorizada de um trecho do novo livro “Free Your Mind: The new world of manipulation and how to resist it” (“Liberte Sua Mente: O novo mundo da manipulação e como resistir”, em tradução livre, ainda sem edição brasileira) de Laura Dodsworth e Patrick Fagan, lançado em 20 de julho de 2023. Está disponível internacionalmente na Amazon.

Laura Dodsworth é escritora, jornalista e fotógrafa. Em maio de 2021, ela publicou o bestseller “A State of Fear” (“Um Estado de Medo”, trad. livre), que denunciou o uso de teorias do comportamento de psicólogos e economistas por parte do governo britânico para causar medo na própria população durante a pandemia.

Patrick Fagan é cientista do comportamento com mais de uma década de experiência, atuando como consultor e palestrante. Foi psicólogo-chefe da empresa Cambridge Analytica.

Conteúdo editado por: Eli Vieira

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