Em 2006, todo mundo riria de você se você dissesse que os filmes de “Velozes e Furiosos” são a franquia definitiva do cinema americano. Aquele foi o ano em que saiu o terceiro filme, “Desafio em Tóquio”, um fracasso de bilheteria e alvo fácil para a crítica.
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Mas o diretor e sua equipe não desistiram, no melhor estilo “nunca diga nunca”. Neste fim de semana, o oitavo filme, “O Destino dos Furiosos”, venceu “Star Wars: o Despertar da Força” como o campeão atual de bilheteria global, arrecadando estimados US$532,5 milhões no mundo inteiro em sua abertura.
Muito chão já foi percorrido desde 2001, quando saiu o primeiro filme, que tinha como seu público-alvo fãs automobilísticos que adoram um carro turbinado. Na época, era tudo só corrida, minissaias e sentimentos de amizade masculina, com um enredo que seguia a fórmula já batida de policiais sob disfarce caçando ladrões viciados em adrenalina e que lhe rendeu resenhas medianas.
A franquia acabou se tornando entretenimento obrigatório não só para quem gosta de carro, mas para qualquer um que tenha um coração
Mesmo assim, “Velozes e Furiosos” demorou um pouco para ter sucesso e poderia ter se tornado um clássico “cult” facilmente. Em vez disso, a franquia acabou se tornando entretenimento obrigatório não só para quem gosta de carro, mas para qualquer um que tenha um coração – que seja capaz de simplesmente assistir e apreciar a mensagem central do filme: A família deve permanecer unida. As sequências de ação bem coreografadas também não fizeram mal.
Nesses tempos de hoje, em que estamos todos divididos, não existe muitas coisas sobre as quais se possa concordar. No entanto, neste fim de semana, no mundo todo pessoas de todas as partes vieram assistir ao mesmo filme. A série arrecadou até agora mais de 4 bilhões de dólares, mas essa popularidade não veio da noite para o dia.
Demorou um tempo para as pessoas se darem conta. E, como tudo nos grandes relacionamentos, foi necessário um comprometimento: A série também precisava mudar. “Velozes e Furiosos” saiu bem numa época de virada na mania hollywoodiana de fazer filmes em sequência – “quando ninguém sabia ainda o que era ‘um Vin Diesel’”, como diz Paul Dergarabedian, analista de mídia veterano da ComScore. O público à época ainda não estava cansado de filmes em sequência, e o sucesso doméstico do primeiro filme, que fez o equivalente a quase US$ 221 milhões nos dólares de hoje, ajudou a deixar a máquina bem azeitada para os filmes futuros.
Era um tipo de filme B de corrida, reminiscente daqueles de moto e carro dos anos 50 e começo dos anos 60 – mais ou menos como ‘Meu ódio será tua herança’, mas sobre quatro rodas
“Era um tipo de filme B de corrida, reminiscente daqueles de moto e carro dos anos 50 e começo dos anos 60 – mais ou menos como ‘Meu ódio será tua herança’, mas sobre quatro rodas”, disse Dergarabedian. “A princípio, ele foi marginalizado, como se fosse só um filme meio frívolo. Ninguém ia imaginar que seria o começo de uma franquia james-bondiana de proporções épicas”.
Houve algumas derrapadas a princípio. A sequência, “+ Velozes + Furiosos” não só tinha um título medonho como ainda faltava nele o protagonista do primeiro filme, Dom Toretto (Vin Diesel), que é o coração e a alma da série. O terceiro foi pior ainda. “Velozes e Furiosos 3: Desafio em Tóquio” acabou sendo um filme de nicho, em sua tentativa de atrair principalmente o público de entusiastas de automobilismo. Que erro.
As coisas começaram a engrenar de novo com “Velozes e Furiosos 4” em 2009, que reuniu outra vez o elenco original com uma retomada direta do enredo do primeiro filme. E ele saiu numa época auspiciosa também, segundo Daniel Loria, do boxoffice.com – justo quando a projeção digital possibilitou que os filmes pudessem chegar a todo o globo instantaneamente, sem correr o risco de passar por problemas de transporte.
Mas foi “Velozes e Furiosos 5: Operação Rio” que decididamente mudou as coisas. De repente, as corridas ficaram como pano de fundo de um filme de assalto ambientado no Brasil. Carro era o que não faltava, mas o seu brilho cromado foi utilizado como acessório para cenas de ação muitíssimo elaboradas.
“Essa é a história de como ‘Velozes e Furiosos’ se tornou um fenômeno mundial”, ele disse.
Mas foi “Velozes e Furiosos 5: Operação Rio” que decididamente mudou as coisas. De repente, as corridas ficaram como pano de fundo de um filme de assalto ambientado no Brasil. Carro era o que não faltava, mas o seu brilho cromado foi utilizado como acessório para cenas de ação muitíssimo elaboradas. As leis da gravidade e a verossimilhança ficaram em segundo plano também, para dar lugar a algumas das cenas mais espetaculares possíveis. E ainda teve o fato de que eles somaram ao elenco o nome de um ator universalmente adorado – Dwayne “The Rock” Johnson.
A franquia tem feito sucesso desde então, conforme cada filme subsequente acompanha a turma de Dom numa missão diferente. “Velozes & Furiosos 7” – o último filme, estrelando Paul Walker, que morreu inesperadamente quando as filmagens estavam 50% concluídas – chegou a fazer um bilhão de dólares no mundo inteiro em tempo recorde. Globalmente, ele fez mais dinheiro naquele ano do que “Vingadores: Era de Ultron”. Nesse meio tempo, os filmes também foram assumindo um humor mais leve.
Eles mostram um forte contraste, por exemplo, com a trilogia do ‘Batman’ de Christopher Nolan, que é tensa e sombria
“Eles mostram um forte contraste, por exemplo, com a trilogia do ‘Batman’ de Christopher Nolan, que é tensa e sombria”, disse Loria. Porém, em cada filme também há cada vez mais coisas em jogo. Na última iteração da série, a turma se vê encarregada de enfrentar uma supervilã antes que ela consiga roubar armas nucleares.
Por acaso, essa adversária é interpretada por Charlize Theron, que não é a única ganhadora do Oscar em “Destino dos Furiosos”. Helen Mirren também faz uma pontinha. A dúvida que fica é se a sua presença nesse filme é uma vantagem para a franquia ou para os atores. “O interessante é que só recentemente que tem acontecido de os atores nos procurarem”, disse o produtor Neal Moritz para o podcast de Bill Simmons. “Eu fico com a impressão de que nós não recebíamos muito respeito antes, mas parece que o jogo virou”.
Uma arrecadação de bilhões de dólares costuma ter esse efeito.
Em contraste, o “Velozes e Furiosos” original não tinha nenhum ator famoso à época. É possível que o maior nome fosse Ja Rule (o rapper que virou ator cometeu o erro imenso que foi recusar um papel no segundo filme). Hollywood continua colocando atores não brancos em papéis estereotipados, mas a franquia foi se tornando mais progressista, em vez disso. Walker, com seu cabelo loiro e olhos azuis, sempre foi a exceção no meio de um elenco que incluía Tyrese Gibson, Michelle Rodriguez, Chris “Ludacris” Bridges, Jordana Brewster e Sung Kang. Por trás das câmeras, a equipe de filmagem era igualmente diversificada, com Justin Lin, James Wan, John Singleton e F. Gary Gray na direção.
O interessante é que só recentemente que tem acontecido de os atores nos procurarem. Eu fico com a impressão de que nós não recebíamos muito respeito antes, mas parece que o jogo virou
O elenco multicultural em parte explica o sucesso incrível da franquia no estrangeiro. “Destino” teve a maior bilheteria de estreia em fim de semana de todos os tempos na China. Filmes de alta octanagem, pelo visto, também não têm problemas de tradução. Dergarabedian disse que a ação é a linguagem universal, e os filmes vêm ficando cada vez mais imaginativos quando se trata de executar cenas impressionantes.
Em “Destino”, o grand finale tem uma perseguição de carro sobre um campo de gelo que envolve um submarino operado remotamente e um míssil termo-guiado. Em certo ponto, o personagem de “The Rock” – dirigindo um caminhão – pede para que o seu passageiro tome o volante para que ele possa sair lá fora, para seguir deslizando em cima do gelo, pendurado na porta do lado do motorista, e redirecionar um torpedo que o acompanha ao seu lado – tudo isso usando nada além das próprias mãos.
Mas o apelo do filme não são só as cenas maravilhosas de ação. Experimente tomar uma dose a cada vez que alguém disser a palavra “família” nos filmes da série. É uma coisa sagrada. É certo que isso já começou a ficar meio brega, especialmente no último filme, que tem algumas reviravoltas dignas de novelão. Mas há uma certa ternura, que é bem única à franquia, no modo como tantos personagens com passados tão distintos foram capazes de criar laços entre si.
Mas o apelo do filme não são só as cenas maravilhosas de ação. Experimente tomar uma dose a cada vez que alguém disser a palavra “família” nos filmes da série. É uma coisa sagrada
Na vida real talvez isso não seja tão fácil assim. O marketing do último filme acabou comprometido de leve pelo que parece ser uma briga entre Diesel e Johnson, que ficou conhecida quando Johnson lavou a roupa suja em público no seu perfil no Instagram. Mas os laços de família continuam sendo uma bela fantasia na telona.
Mesmo personagens que já foram vilões são bem-vindos no grupo. Em “Velozes & Furiosos 7”, Deckard Shaw (Jason Statham) foi implacável em suas tentativas de assassinar os membros da turma de Dom, perseguindo-os em L.A., Abu Dhabi e pelas montanhas do Cáucaso (para um assassino treinado, ele parece que não consegue fazer o seu trabalho direito). Mas eles têm um inimigo em comum em “Destino”, o que significa que Deckard se torna parte da família. Quanto vocês querem apostar que ele acaba bebendo uma Corona com eles nas cenas obrigatórias de churrasco no quintal que encerram o filme?
Em nossa era de atritos, quem imaginaria que seria a franquia de “Velozes e Furiosos” que nos ensinaria a lição de como se dar bem com os seus inimigos?
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