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Tunisianos comemorando aniversário da Primavera Árabe, em 2011: movimento inspirou outros árabes a se rebelarem contra governantes autoritários | Arquivo Gazeta do Povo
Tunisianos comemorando aniversário da Primavera Árabe, em 2011: movimento inspirou outros árabes a se rebelarem contra governantes autoritários| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Há sete anos, um vendedor ambulante na Tunísia ateou fogo a si mesmo em defesa da sua dignidade, provocando sem querer uma avalanche de manifestações no Oriente Médio. As pessoas daquela região queriam o que lhes foi negado por quase um século – uma situação justa, melhores condições de vida e um pouco de alívio.

Sete anos depois, o que o povo conseguiu foi um despotismo melhorado e caos. 

As fofocas de taxistas não são um guia totalmente infalível para as questões mundiais. Mas há algumas semanas em Istambul, um taxista tagarela disse: “Dizem que haverá uma guerra. É isso que todos os meus passageiros estão comentando”. 

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A especulação acerca de uma “guerra regional” está se espalhando e, em grande parte, tem a ver com o fim de uma ideia. Podemos chamar de progresso ou democracia, mas as pessoas da região não têm mais motivos para acreditar em uma progressão linear da história – acreditar que com o tempo todas as nações se tornarão mais livres, mais prósperas e mais democráticas. Qualquer noção de que turcos, árabes ou persas poderiam viver em regimes de liberdade está morta há muito tempo – tanto nas ruas de Cairo quanto na comunidade internacional. 

Sete anos depois do começo da Primavera Árabe, o Oriente Médio não tem o que almejar. As exigências democráticas em países como Bahrein, Turquia e Egito foram reprimidas há muito tempo pelos seus governos. Reforma econômica se transformou em corrupção. O liberalismo está morto; a secularidade não tem apoio; o baathismo, o nacionalismo árabe e, segundo algumas opiniões, o islamismo fracassaram. As ideologias não existem mais – mas a esperança por mudanças também não. 

Até mesmo países que um dia tiveram uma chance real de estabelecer uma ordem democrática, como a Turquia, estão retrocedendo. Com a exceção parcial da Tunísia, há uma aceitação estoica do que o finado Fouad Ajami definiu como a excepcionalidade da região – a ideia de que o alcance global da democracia e da prosperidade ignorou o Oriente Médio por várias gerações. A liberdade provavelmente também ignorará esta geração. 

Obviamente, esse senso de desesperança não leva diretamente a uma guerra. Mas significa que há muito menos a perder – e que déspotas populistas podem usar o fervor nacionalista para compensar a sua falta de legitimidade. 

“Eu realmente não sei o que vai acontecer”, eu falei para o taxista em Istambul. A repressão interna do príncipe herdeiro saudita poderia ser um precursor de uma guerra contra o Irã? Israel está se preparando para outro confronto com o Hezbollah? Bagdá continuará a lutar contra os curdos iraquianos – ou a guerra curda na Turquia atingirá a Síria? 

Ou todas as opções anteriores podem acontecer simultaneamente, depois de um pequeno gatilho como foi o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo em 1914, levando o Oriente Médio a uma armadilha hobbesiana nunca vista desde a queda do Império Otomano? 

É possível. 

O Oriente Médio não foi sempre tão desolador. Em 2011, quando o mundo todo acreditou – por cerca de dez minutos – que a região estava na iminência de uma revolução democrática, eu estava na Conferência de Segurança de Munique escutando um discurso de Hillary Clinton. A então Secretária de Estado fez um pedido apaixonado de reforma para os líderes da região: “No Oriente Médio, nós ainda não vimos uma convergência entre democracia e desenvolvimento democrático”, ela disse.

“Por décadas (...) os governos não buscaram o tipo de reforma política e econômica que os tornaria mais democráticos, responsáveis e confiáveis (...) A situação atual simplesmente não é sustentável. Então para todos os nossos amigos, para os amigos na região incluindo os governos e o povo, o desafio é ajudar os nossos parceiros a dar passos sistemáticos na direção de um futuro melhor onde a voz do povo é ouvida, seus direitos são respeitados e os seus anseios são alcançados. Isso não é apenas uma questão de idealismo. É uma questão de necessidade.” 

Mas em algum momento, após uma contrarrevolução bem-sucedida no Egito, a confusão na Líbia e no Iraque, e as guerras civis na Síria e no Iêmen, a Primavera Árabe se transformou em uma piada. Surgiu um consenso tácito no ocidente de que é inútil lutar pela democratização no Oriente Médio. Nenhum líder ocidental faria o tipo de discurso que Clinton fez em 2011, incluindo a própria Clinton. Os déspotas estão firmemente arraigados e muito dispostos a fazer negócios transacionais com o ocidente. Os líderes ocidentais não têm mais motivação ou fé para incentivar a democracia. 

Em se tratando do Oriente Médio de hoje, a palavra-chave na comunidade internacional é “estabilização”, em oposição a “transição”. Ninguém está apostando em democracia. 

Mas a equação que Clinton descreveu em 2011, que ditaduras são inerentemente instáveis, mudou? Na verdade, não. Monarquias e regimes repressivos são estabelecidos para produzir instabilidade. A lacuna entre o povo e o governo ainda é grande. Os déspotas da região continuam não oferecendo um bom governo. As sociedades continuam profundamente divididas e desiguais. 

Pior do que isso, o Oriente Médio não tem mais uma rede de segurança. A ideia de que conflitos armados não são novidade na região, mas essa nova rodada de tensões está ocorrendo com um pano de fundo de uma ordem mundial liberal cada vez mais desgastada – com pouca autoconfiança acerca da sua capacidade de transformar o mundo. Um Estados Unidos egoísta e cacofônico não vê mais um papel para si mesmo em promover estabilidade regional ou elevar os árabes do final do índice de desenvolvimento humano da ONU. A Rússia está no Oriente Médio apenas para incentivar o regime sírio e a sua própria noção de orgulho nacional. A Turquia está muito vulnerável domesticamente para cumprir a sua promessa de ser um “modelo” regional, e o Irã está essencialmente interessado em expandir o poder das suas políticas sectárias. 

Nada de bom pode sair dessa combinação. 

Então voltemos à ideia de uma guerra. Infelizmente, todas as condições existem. Fronteiras podem mudar, países podem se tornar ingovernáveis e agentes não estatais podem prejudicar o poder da autoridade central em países como Iraque, Síria e Líbano. Guerras sectárias podem desestabilizar a região na próxima década com o mundo assistindo a destruição de alguns dos habitats humanos mais antigos do mundo. 

Quando a ideia de democracia está morta, o que há a perder? 


(*) Aydintasbas é associado sênior no Conselho Europeu de Relações Internacionais e colunista do jornal turco Cumhuriyet.

Tradução de Andressa Muniz
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