Manifestantes protestam contra vacinação obrigatória e medidas de bloqueio em Melbourne, Austrália, em 20 de novembro de 2021.| Foto: EFE / EPA / JAMES ROSS
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O mês de novembro termina com o advento de uma nova variante do novo coronavírus declarada preocupante pela OMS, a ômicron, que se espalha pelo sul da África. Ela se mostra geneticamente diferenciada em relação às outras linhagens preocupantes — delta, alfa, beta e gama; acumulando muitas mutações. Primeiro identificada no começo do mês em Botswana, monitorada com mais rigor pela África do Sul, onde já domina a região de Johannesburgo, já foram encontrados casos em Hong Kong, Escócia, Alemanha, Austrália, Itália, Canadá e Israel.

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As mutações são cerca de 30 na proteína S, que é muito importante na capacidade de infecção do vírus. Esta é a proteína do vírus que é produzida nas células humanas com o RNA mensageiro contido nas vacinas da Pfizer e da Moderna, e apresentada ao sistema imune, que cria defesas tendo a proteína como alvo. Como essas vacinas são baseadas em uma versão da proteína S de variantes anteriores, pode ser que essas defesas adquiridas não sejam suficientes contra a proteína S da variante ômicron, que deixaria de ser um alvo reconhecível por causa dessas mutações. Contudo, é importante destacar que, neste momento, não se pode afirmar que a ômicron escapou das defesas adquiridas pelas vacinas ou infecção anterior. Algumas dessas mutações estavam presentes em outras variantes como a delta, que no fim das contas não foi capaz de romper as defesas de vacinas e imunidade natural.

Falando à revista Nature, pesquisadores da linha de frente como a virologista Penny Moore, da Universidade de Witwatersrand em Johannesburgo, deixam claro que ainda não sabem se a ômicron é realmente mais transmissível ou que realmente escapa das defesas imunológicas. No momento o que se tem são modelos em computador. Para saber se a variante escapa das defesas e causa uma doença mais ou menos severa, no mínimo duas semanas de trabalho serão necessárias.

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Na opinião do especialista em evolução viral Trevor Bedford, do Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, como a ômicron não partilha algumas das mutações fora da proteína S que ajudaram na alta transmissibilidade da delta, pode ser que a primeira seja menos transmissível que a última, similar neste aspecto à variante gama. Porém, ele enfatiza que está especulando. O biólogo evolutivo Jesse Bloom, do mesmo centro, disse à revista Science que acha improvável que os imunizados percam completamente sua capacidade de resistir à ômicron, mas que sua combinação específica de mutações sugere que ela escapará mais da neutralização dos anticorpos que as outras grandes variantes.

Variantes: de onde surgem, de quem é a culpa

A interpretação progressista que já aparece em grandes veículos midiáticos é que a “desigualdade vacinal” e a vacinação insuficiente configuram causas diretas no surgimento da variante ômicron. Em Botswana, de onde ela parece ter surgido, a proporção da população que tomou ao menos uma dose das vacinas é 37%. A opinião política até de muitos líderes científicos é que o surgimento de variantes como a delta na Índia e a ômicron na África é karma porque os países ricos não doaram o que poderiam em doses para regiões mais pobres do mundo.

Não está claro se esta interpretação progressista sobrevive a escrutínio científico. A CNN afirma que “os cientistas sabem que o vírus tem muito mais chance de passar por mutações em lugares onde a vacinação é baixa e a transmissão é alta”. A afirmação é tecnicamente incorreta: mutações são erros de cópia do material genético, e esses erros podem ser induzidos por fatores ambientais — o medicamento antiviral Molnupiravir, por exemplo, induz esses erros de cópia nos vírus. A luz ultravioleta também tem essa capacidade. Esses erros de cópia acontecem mesmo sem qualquer fator ambiental que os acelere, pois as moléculas enzimáticas que copiam o RNA ou o DNA cometem erros a taxas baixas. Porém, não-vacinação não é um fator ambiental mutagênico.

O que acontece é que, em populações não vacinadas e sem imunidade natural, um vírus se reproduz mais, faz mais cópias de si mesmo. A chance de um dado cair com a face de seis pontos para cima é sempre a mesma a cada vez que ele é jogado: uma em seis ou 16,7%. A chance de observar ao menos uma face com seis pontos cresce com o número de jogadas. Analogamente, a chance de novas mutações a cada cópia do vírus, na ausência de substâncias mutagênicas, é sempre a mesma. Alguns erros de cópia dificultam o próprio processo de copiar, e por isso logo desaparecem. Outros ajudam o processo, e ficam, prontos para uma nova rodada de cópias, que terão erros que poderão ajudar ou dificultar o processo de cópia, e assim por diante. Esse é o processo da seleção natural, e é isso o que acontece com variantes cheias de novas mutações como a ômicron.

Uma questão de evolução

A seleção natural é imposta por qualquer dificuldade ambiental que uma determinada cópia do vírus enfrentar: se é mais ou menos eficiente no mecanismo de chave e fechadura que permite que entre nas células, se é mais ou menos capaz de se espalhar no ar dentro de gotículas de muco, se é sensível à estação do ano, e, inclusive, se é mais ou menos capaz de escapar de alguma defesa apresentada pelo organismo.

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Essas dificuldades são chamadas de “pressões seletivas”, e não é possível que um vírus, a entidade biológica replicante mais simples que existe, se torne perfeito em todas: uma razão para isso é que responder a uma pressão pode tornar a resposta a outra pior. A imunidade adquirida por vacina é uma constante pressão seletiva sobre os vírus e bactérias que causam doenças, e eles variam entre si na capacidade de responder a essa pressão. O vírus da varíola mostrou baixa capacidade e foi erradicado, mas o vírus da gripe (influenza) é mais bem-sucedido, daí a atualização anual de vacinas para combatê-lo. O novo coronavírus está entre esses dois extremos.

Embora seja verdade que indivíduos não imunizados são criadouros para vírus e deem oportunidade para seleção natural pela mera grande população de vírus que possibilitam, a interpretação progressista erra por omissão, ao não mencionar a possibilidade de que as próprias vacinas podem ser pressão seletiva sobre o coronavírus. Especialmente quando essas vacinas reduzem, mas não impedem a transmissão, ou seja, permitem que o vírus faça algumas cópias tentativas. Na revista PNAS, em setembro, o biólogo Emanuel Goldman diz algo similar à explicação acima, porém, estranhamente, culpa os não-vacinados por variantes que possam escapar à defesa das vacinas, mesmo sabendo que os vacinados precisam estar presentes na população para isso acontecer.

Um contraponto a Goldman foi publicado na revista PLoS Biology em 2015. Andrew F. Read, da Universidade do Estado da Pensilvânia, junto a colaboradores, mostrou que vacinas com redução parcial de transmissão de um vírus permitem um ambiente de seleção que favorece variantes mais letais. O estudo de Read analisou o caso de um vírus que afeta galinhas.

Como discutem Samuel Alizon do Laboratório MIVEGEC em Montpellier e colegas em uma revisão da revista Ecology Letters, em 2013, diferentes estudos indicam que os vírus têm seu pico de transmissão não na maior mortalidade, mas também não na menor, mas em um valor intermediário. Quando há mais de uma variante do mesmo vírus, elas competem entre si por um lugar na célula, da qual dependem para se copiar, e essa competição parece favorecer a variante de menor letalidade — ao menos é o que sugere um estudo com simulação de pesquisadores do Instituto Suíço de Bioinformática.

A letalidade de um vírus depende também de sua capacidade de sobreviver por muito tempo fora do corpo humano. Bruno Walther e Paul Ewald, do Amherst College, confirmaram em 2004 que os patógenos respiratórios humanos mostram uma relação positiva entre a capacidade de sobreviver muito tempo no ambiente e a letalidade. Há uma estratégia de “sentar e esperar”: o vírus da varíola, por exemplo, matava muitos dos infectados, e sobrevivia bastante tempo no ambiente.

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O coronavírus tem padrão oposto: depende mais de ambientes fechados, não se “senta” ao ar livre, e tem taxa de mortalidade bem inferior à varíola. Portanto, prevê Ewald, o coronavírus, que tem durabilidade no ambiente similar à do vírus da gripe, deve seguir a direção da gripe e baixar sua letalidade para cerca de 0,1%. Este será o fim provável da pandemia de COVID-19: tornar-se-á endêmica, ou seja, uma das doenças com a qual convivemos, como a gripe e os resfriados.

Em conclusão, é puro simplismo culpar não-vacinados pela emergência de variantes mais virulentas ou mais letais, não sabemos se a ômicron é um exemplo desse tipo de variante, e, se for, o padrão geral dos patógenos respiratórios humanos é indicativo de que o novo coronavírus deve evoluir na direção de causar uma doença menos preocupante.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]