Uma característica boa da rede descentralizada antilockdown do Twitter é que ela revela incríveis produtos de pesquisas que de outra forma passariam despercebidos. Neste caso, o médico canadense Kulvinder Kaur, presidente da Concerned Ontario Doctors, descobriu um boletim revelador da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em julho de 2011. Sua presciência é incrivelmente óbvia. E o boletim foi publicado quando o que podemos chamar de “indústria do lockdown” ganhava força.
Esse movimento nasceu no começo dos anos 2000, com cientistas da computação que imaginavam que seus modelos matemáticos deveriam substituir os conselhos médicos no caso de uma pandemia. A administração Bush concordou com a ideia em 2006, apesar dos protestos de especialistas em saúde pública responsáveis. Depois disso, eles organizaram conferências, publicaram em periódicos e convergiram na ideia fantástica do planejamento centralizado, tudo com dinheiro público e privado da Gates Foundation (Bill Gates, que não sabe praticamente nada sobre vírus e saúde pública, defende lockdowns há anos).
Muitos anos mais tarde, eles tiveram a chance de implementar um perigoso experimento social com os lockdowns.
Em 2011, a Organização Mundial da Saúde viu o que estava surgindo e fez um alerta importante, escrito por Luc Bonneux (Instituto Interdisciplinar de Demografia da Holanda) e Wim Van Damme (Instituto de Medicina Tropical). Era um ataque à “cultura do medo” que poderia ser fomentada no futuro próximo, em 2006 ou 2009. O texto dizia claramente que a próxima epidemia deveria ser tratada como no século XX, com calma, sem pânico, e com um foco amplo na saúde pública, no sentido holístico.
Mais do que isso, o memorando alertava para o que podemos chamar de “elementos de escolha pública” presentes no desejo de se fechar tudo: especialistas em gripe fazendo alarde a fim de atrair a atenção da imprensa e conseguir financiamento para suas pesquisas, fabricantes de vacina em busca de subsídios governamentais e outros grupos de interesse que poderiam usar irresponsavelmente um patógeno no futuro.
Numa época que os governos de todo o mundo fomentam o medo, jogando os cidadãos uns contra os outros, estigmatizando os doentes e ensinando as pessoas a verem os outros apenas como vetores de doenças, esse tipo de sabedoria é uma luz no fim do túnel.
Os pânicos causados pela gripe aviária H5N1 [2006] e pelo H1N1 [2009] fazem parte da cultura do medo. O pessimismo substituiu a avaliação de risco. O pessimismo é motivado pela crença de que o perigo enfrentado é tão catastrófico que temos de agir imediatamente. Em vez de esperarmos pelas informações, precisamos de um golpe preventivo. Mas se recursos compram vidas, o desperdício de recursos mata. O estoque preventivo de antivirais em sua maioria inúteis e as medidas irracionais de vacinação contra um vírus geralmente benigno como o H1N1 foram um desperdício de bilhões de euros que acabou com a confiança do povo nas autoridades de saúde. As medidas relacionadas à pandemia nunca foram tomadas com base em provas, e sim em cenários pessimistas.
A OMS lançou essa bomba em meio ao pânico fabricado pela imprensa e política que ocorreu tanto em 2006 quando em 2009. As manchetes escandalosas falavam do perigo iminente. Estadistas do mundo inteiro deram entrevistas coletivas ao lado de várias autoridades de saúde alarmistas. A imprensa aproveitou a oportunidade para conseguir cliques e assustar as pessoas. Eu me lembro bem dos dois casos porque era muito estranho ver autoridades tentando provocar o pânico absoluto na população apesar de qualquer evidência. Eles se habituaram a imaginar as piores consequências possíveis, transmitindo isso às pessoas. Tanto em 2006 (a gripe na verdade nunca deixou a população de aves) quanto em 2009 (que se revelou uma gripe como outra qualquer), o povo deu pouca atenção à histeria do setor público.
O que impressionava a OMS naquela época era como as autoridades de saúde pública deixaram perigosamente de acalmar o povo, disseminando o pânico.
O memorando continua:
Em ambas pandemias de medo, as afirmações exageradas da presença de uma grave ameaça à saúde pública surgiram principalmente da opinião de especialistas em gripe. No mercado extremamente competitivo da saúde pública, a disputa por atenção e financiamento é feroz. A indústria farmacêutica e a imprensa só reagiram a isso. Portanto, precisamos de menos, e não de mais “preparação para a pandemia”. O planejamento vertical para a gripe é uma receita para o desperdício de recursos e o pânico induzido por especialistas com interesses escusos no exagero. Não há motivo para se esperar que qualquer pandemia futura seja pior do que as pandemias de 1957 ou 1968, nenhum motivo para agir preventivamente, nenhum motivo para acreditar que uma ração proporcional e equilibrada colocaria vidas em risco.
Se estou lendo corretamente, a OMS parece alertar para a ascensão de toda uma indústria formada por autoridades públicas, imprensa e indústrias farmacêuticas dedicada a gerar o pânico assim que o próximo patógeno surgisse, exagerando a ameaça por interesse próprio. É uma acusação grave. E parece que ela prenunciava o que aconteceria em 2020.
O memorando continua propondo uma alternativa à cultura do medo. As autoridades deveriam procurar evidências e administrar a pandemia com racionalidade.
O contrário das medidas preventivas contra cenários pessimistas são as estratégias adaptativas que reagem a doenças emergentes de quaisquer tipos, com base em evidências de letalidade e da eficiência das medidas de controle. Isso requer mais capacidade de vigilância do patógeno, identificação do problema, avaliação de risco, comunicação e reação do sistema de saúde. Essa capacidade geral reforçada é capaz de enfrentar todas as emergências de saúde pública, não só a gripe. Os recursos são escassos e precisam ser alocados para várias prioridades que competem entre si. O aconselhamento científico na alocação de recursos é melhor quando feito por generalistas com uma visão mais ampla da saúde. Os especialistas querem chamar a atenção do povo e fazer com que os recursos sejam alocados em favor da doença que lhes interessa. Nós falamos anteriormente sobre os princípios do manual do British National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), que diz: “Tomamos decisões independentes, de forma aberta e transparente, com base nas melhores provas, e ouvimos opiniões de especialistas e grupos interessados”. O apoio dos especialistas é fundamental para que se expresse opiniões, se dê conselhos esclarecidos e se apresente provas para uma equipe de ciências independentes. Mas essa equipe deve, de forma independente, propor decisões para os legisladores, sendo responsável por elas.
Por fim, temos uma bela conclusão:
O segredo da tomada de decisões não é a burocracia, e sim a responsabilidade e a independência dos grupos de interesse. As decisões devem se basear em reações adaptativas aos problemas emergentes, não em definições. A OMS deveria aprender com o NICE: buscar o bom senso num processo de abertura, transparência e diálogo com todos os envolvidos e sobretudo com o público.
O que vemos nesse notável memorando é idêntico ao ethos da Great Barrington Declaration, que desde seu lançamento está sendo tratada como uma espécie de documento controverso e radical. Na verdade, a OMS disse a mesma coisa em 2011, e com uma linguagem muito mais dura e uma análise mais incisiva, em essência alertando que o mundo está sendo enganado por grupos de interesse que apostam no pânico, ignorando as medidas racionais de saúde pública.
O que servia para 2011 serve para hoje. Mais do que nunca.
Jeffrey A. Tucker é escritor e diretor editorial do American Institute for Economic Research.
© 2020 AIER. Publicado com permissão. Original em inglês
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