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Em 17 de novembro do ano passado, a onça Isis chegou ao Iberá, onde protagoniza um projeto para resgatar a espécie da extinção na Argentina | Reprodução/Proyecto Ibera/Facebook
Em 17 de novembro do ano passado, a onça Isis chegou ao Iberá, onde protagoniza um projeto para resgatar a espécie da extinção na Argentina| Foto: Reprodução/Proyecto Ibera/Facebook

Isis é brasileira, tem 6 anos e nasceu em um criadouro particular no Paraná. Nahuel é sete anos mais velho, nascido no Uruguai, mas passou a maior parte da vida em um zoológico da Argentina. Ainda mal se conhecem pessoalmente, mas a esperança é de que sejam uma espécie de Adão e Eva das onças-pintadas no "Pantanal argentino".

O primeiro encontro - nada fortuito - entre os dois felinos ocorreu há duas semanas sob o olhar atento de veterinários do Centro Experimental de Reprodução de Onças de Iberá, na província de Corrientes, nordeste da Argentina. Isis e Nahuel fazem parte de um grupo de cinco onças (dois machos e três fêmeas) selecionadas para um grande projeto de reintrodução da espécie nas planícies alagadas da região, conhecida como Esteros de Iberá. A paisagem é semelhante à do Pantanal brasileiro, com a diferença de que a fauna local foi quase que totalmente dizimada por caçadores e fazendeiros. 

Passadas algumas décadas desde que a última "verdadeira fera" - ou yaguareté, nome guarani pelo qual as onças são chamadas na região - foi vista em Iberá, Isis é agora a protagonista de um ambicioso projeto da organização Conservation Land Trust (CLT) de restaurar toda a biodiversidade local. 

Cinco espécies já foram reintroduzidas: tamanduá-bandeira, veado-campeiro, cateto, anta e arara-vermelha. Agora é a vez da onça-pintada reocupar o topo da cadeia alimentar. Como há muito poucas na Argentina, foi preciso pedir animais de outros países. Além de Isis, um macho foi trazido do Paraguai. 

O plano é reproduzir esses animais de cativeiro em um ambiente aberto, natural, para que seus filhotes aprendam a caçar como animais selvagens e possam ser soltos na natureza, para repovoar Iberá.

Filha de animais de zoológico, Isis nasceu no Criadouro Onça Pintada, um centro autorizado de criação e reprodução de fauna em Campina Grande do Sul, a 30 quilômetros de Curitiba. "A Isis é muito boazinha", diz o médico Luciano Saboia, proprietário do centro e presidente da Associação de Pesquisa e Conservação da Vida Silvestre, organização civil pública responsável pelo criadouro. "Puxou o pai, porque a mãe é meio temperamental."

A doação foi intermediada pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com apoio do Ministério do Meio Ambiente. A lei não permite a doação de animais selvagens, capturados da natureza. Daí a opção por um animal nascido em cativeiro. 

Escola

Isis chegou a Iberá em novembro. Vive agora em uma área natural cercada, de 1,2 mil metros quadrados, onde já recebe algumas presas vivas para caçar. Como sempre viveu em cativeiro, ela precisa aprender a caçar primeiro, para poder ensinar aos filhotes.

"Ela tem um instinto natural de caça, que vai sendo melhorado com a prática", diz o biólogo Sebastián Di Martino, coordenador de projetos de reintrodução de espécies ameaçadas da CLT. Quando tiver filhotes, Isis será transferida para um cercado maior, de 15 mil metros quadrados (1,5 hectare), e a partir daí a caça será a única fonte de alimento para toda a família. O cardápio regional inclui jacarés, tatus, texugos, porcos selvagens (catetos) e capivaras.

Os animais serão soltos nos recintos para as onças caçarem naturalmente, sem interferência humana. "Os filhotes nunca vão ter contato com seres humanos", explica Saboia, que acompanha de perto o projeto. "Serão onças nascidas em vida livre, teoricamente."

O primeiro encontro entre Isis e Nahuel foi amigável, mas não houve cópula - o que é normal, segundo Di Martino.

Isis é considerada a reprodutora mais promissora do grupo, por ser jovem e já ter tido um filhote - nascido em 2014, também no Criadouro Onça Pintada. Seu nome, coincidentemente, é inspirado na deusa egípcia da maternidade e da fertilidade. Já Nahuel significa onça-pintada no idioma mapuche. 

"Acho que muito em breve conseguiremos cruzá-los", aposta Di Martino. Se tudo correr bem, as futuras yaguaretés de Iberá caminharão para sempre com uma pegada genética brasileira.

Trabalho pioneiro no Brasil mostra que iniciativa é viável

Há não muito tempo, pesquisadores soltaram no Pantanal brasileiro duas onças-pintadas órfãs, a Fera e a Isa, que foram ensinadas a caçar em cativeiro e hoje sobrevivem por conta própria na natureza, predando jacarés, capivaras e queixadas, como qualquer onça selvagem. As duas são a prova de que a reintrodução de onças na Argentina pode funcionar.

Ainda filhotes, as irmãs foram resgatadas de uma árvore durante uma enchente em Corumbá, em junho de 2014. Acabaram em um criadouro no interior paulista, onde viveram quase um ano dentro de uma jaula. Até que surgiu a ideia de tentar devolvê-las à natureza. 

O destino foi o Refúgio Ecológico Caiman, no Pantanal de Miranda, Mato Grosso do Sul, onde o Projeto Onçafari, em parceria com o Cenap-ICMBio, ajudou as jovens onças a resgatarem o espírito selvagem. 

Era preciso ter certeza de que elas conseguiriam caçar para se alimentar. "Acho que a maior parte é instinto", diz o fundador do Onçafari, Mario Haberfeld. Mas, como diz o ditado, é a prática que faz a perfeição. "A primeira vez que viram um porquinho não tinham a menor ideia do que fazer." 

Isa e Fera viveram um ano na área natural cercada, de 1 hectare, onde animais vivos eram soltos para elas caçarem. Os pesquisadores optaram por uma estratégia de “videogame”, em que as onças tinham de "passar de fase" e abater presas cada vez mais difíceis, desde um filhote de capivara até uma queixada adulta. Um ponto crucial era que as onças não tinham nenhum contato com pessoas, para não se acostumarem à presença delas nem associá-las à disponibilidade de alimento. 

Em junho de 2016 elas foram soltas, usando uma estratégia de "soft release", em que a porta do recinto foi mantida aberta por três meses, caso elas quisessem voltar. "O risco maior são os primeiros 30 dias", diz o pesquisador Ronaldo Morato, coordenador do Cenap-ICMBio. "Se o animal não consegue caçar, você precisa decidir se o recolhe para treinar mais." 

Não foi preciso. As onças até voltaram ao recinto algumas vezes, mas acabaram se adaptando à vida livre, e agora têm os próprios territórios. Ambas são monitoradas por colares de GPS e já copularam com vários machos selvagens. 

Prova de conceito 

Os resultados dão esperança não só para o projeto de Iberá, na Argentina, mas também para futuros experimentos no Brasil, diz Morato. "O objetivo não era soltar mais onças no Pantanal, mas provar que era possível fazer esse tipo de reintrodução, para depois repetir o experimento em lugares onde as onças estão ameaçadas de extinção, como na Mata Atlântica", diz Haberfeld. 

A próxima tentativa será na Amazônia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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