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Onda de mortes de atrizes alerta para a desumanização da indústria pornográfica

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A recente onda de mortes de atrizes pornôs nos Estados Unidos coloca em alerta a existência de uma indústria perigosa, sobretudo para as mulheres. Dados da Pink Cross Foundation – instituição humanitária fundada pela ex-atriz americana Shelley Lubben – apontam uma expectativa média de vida de 36 anos para estrelas pornôs. Nos últimos 18 anos, segundo denuncia a fundação, foram mais de 50 suicídios e cerca de 40 mortes por abuso de drogas. De 2014 para cá, registraram-se mais de duas centenas de óbitos prematuros por Aids, drogas, suicídio, homicídio, acidentes e causas médicas, entre os integrantes da indústria pornográfica.

A morte de cinco jovens atrizes pornôs dos Estados Unidos em um intervalo de três meses acende um alerta vermelho para os riscos à segurança e à saúde enfrentados por mulheres que atuam nesse tipo de filme. Em novembro, Shyla Styles morreu em circunstâncias desconhecidas ao visitar familiares. No mês seguinte, August Ames, de 23 anos, foi encontrada enforcada em um parque. Ela teria sofrido ataques nas redes sociais por se recusar a participar de uma gravação sem proteção com um ator bissexual. Semanas depois, foram registradas outras três mortes de atrizes – Yuri Beltrán, Olivia Nova e Olivia Lua, esta em processo de reabilitação por problemas com drogas e medicamentos.

Em busca de conquistar independência e dinheiro rápido, cada vez mais meninas de 18 anos caem com facilidade nas mãos de agentes da indústria pornográfica. A realidade que experimentam, no entanto, está longe do glamour de uma “vida fácil” e “prazerosa”. É o que mostra o documentário Hot Girls Wanted, produzido por Rashida Jones para a Netflix e apresentado no Festival Sundance de Cinema, em 2015.

O filme revela que as vítimas da indústria da pornografia são, boa parte das vezes, meninas como a texana Tressa Silguero, vindas de famílias estruturadas de classe média, em busca mais de fama, prestígio, roupas da moda, viagens e festas, do que de uma necessidade desesperada de sobrevivência. Ela foi, em 2013, uma das inquilinas da casa de um “caça-talentos” de Miami que joga iscas na internet, em busca de atrair meninas desconhecidas, com feições adolescentes.

A preferência não é em vão. Segundo o documentário, um dos termos mais buscados por quem consome pornografia é “teen” (adolescente, em inglês). A sedução inicial de uma carreira longa e bem-sucedida, no entanto, logo cai por terra. O descarte de atrizes pela indústria é tão veloz quanto a explosão no número de seguidores que elas conquistam nas redes sociais.

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Nas primeiras cenas, o cachê é de cerca de 900 dólares por hora. O montante é sedutor perto dos menos de nove dólares/hora que ganhariam em algum trabalho em sua cidade natal. Mas rapidamente, seus rostos deixam de ser atrativos para a indústria. As grandes produtoras de pornô amador usam a mesma garota de duas a três vezes. “Em três meses, você já era”, conta ter ouvido uma das atrizes. “No mundo do pornô amador, você é só um pedaço de carne”, resigna-se outra.

É o momento em que as meninas passam a receber propostas muito mais modestas, para atuar em situações humilhantes. E aceitam. Violência verbal, física, sexo não consentido e, pior, sem nenhum tipo de proteção fazem parte do pacote. Em casos de risco de concepção, a solução é um cachê extra para tomar uma pílula do dia seguinte. “Entendi que é como as vítimas de estupro se sentem, elas se sentem mal consigo mesmas. Então tudo vem à tona: eu queria dinheiro tanto assim?”, reflete uma das meninas no documentário, ao receber 300 dólares por uma cena de violência.

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Da premissa inicial de que “todo mundo vê pornografia” paga ou gratuita, demanda que gera diretamente a sedução das jovens pela indústria, chega-se a uma conclusão muito mais amarga. “Agora sempre penso que é a namorada ou filha de alguém”, reflete o noivo de Tressa, que consegue convencê-la a se mudar para uma cidade pequena e recomeçar a vida com um trabalho comum.

O saldo final mostra o quão ilusória é a indústria pornográfica: em quatro meses fazendo vídeos, Tressa ganhou 25 mil dólares, mas saiu com apenas dois mil na conta. Aluguel, lingeries, unhas, maquiagem, comida, voos e a porcentagem do agente acabavam consumindo quase tudo o que as atrizes recebiam.

“Ser uma estrela pornô era muito caro, e era terrível ter que gastar tanto dinheiro”, diz. 

Uma busca na internet resulta em dezenas de ex-atrizes denunciando a violência do setor, que nada tem de glamouroso. Uma das ativistas antipornô foi a atriz Linda Lovelace (nascida Linda Boreman), que se tornou mundialmente conhecida na década de 1970 pela atuação em Garganta Profunda, primeiro sucesso da indústria pornô no cinema. Falecida em 2002, sua trajetória, marcada por abusos, violência e exploração, é retratada no filme Lovelace, de 2013.

Proibido para menores 

Boa parte do material audiovisual pornográfico disponível na internet tem acesso aberto e sem restrições etárias. Recentemente, o governo do Reino Unido anunciou que vai tornar obrigatória a comprovação de maioridade legal (18 anos ou mais) para consumir pornografia online, o que pode ser feito por meio da confirmação de endereço de e-mail e até da apresentação de detalhes do cartão de crédito.

O objetivo da legislação seria proteger as crianças desse tipo de conteúdo. A medida foi anunciada em julho de 2017 e deve entrar em vigor até o final deste ano. A regulamentação dos métodos de verificação de idade pelos sites ainda não foi aprovada e publicada pelo parlamento britânico, o que tem gerado temores de que a mudança ameace a privacidade dos usuários da rede. Como a medida do governo britânico não deve se estender às redes sociais, outra preocupação envolve a possibilidade de que haja uma migração de conteúdo adulto para essas plataformas.

No Brasil, a nova redação (Lei nº 11.829, de 25/11/2008) do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13/07/1990) tipifica como crime, com pena de reclusão que vai de um a oito anos, produzir, distribuir ou repassar qualquer conteúdo erótico envolvendo menores. Entretanto, não há mecanismos que impeçam menores de acessarem pornografia ou que os protejam de acessos incidentais.

Segundo a Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças (NSPCC), quase dois terços dos jovens de 15 a 16 anos do Reino Unido já tiveram acesso a pornografia. Somente nos últimos três anos, o Childline, um serviço de aconselhamento a crianças e adolescentes mantido pelo órgão, realizou mais de duas mil sessões de aconselhamento sobre pornografia online.

Acessos 

De acordo com um monitoramento da Amazon que ranqueia os 500 sites mais acessados na web, o Pornhub – espécie de YouTube com conteúdo pornográfico – é o 32.º na preferência dos internautas do mundo (sendo o 18.º nos Estados Unidos e 50.º no Brasil), mais acessado que endereços como LinkedIn e Ebay.

O tempo diário estimado de permanência no portal é de oito minutos e 25 segundos, dois segundos a mais do que o registrado por usuários do YouTube, segundo site mais acessado no mundo. O campeão mundial em número de acessos é o Google, com uma permanência diária média de 7’23”. Os dados são de abril de 2018.

Um levantamento divulgado pelo Pornhub, em 2015, apontava os usuários brasileiros como os oitavos no ranking mundial de acessos ao seu conteúdo.

Danos para quem consome 

De acordo com documento estatístico publicado em 2014 pela organização de combate à escravidão sexual Rescue Freedom, em 2007, as receitas globais de pornografia foram estimadas em US$ 20 bilhões, sendo US$ 10 bilhões nos EUA. Sites gratuitos compreendem entre 70 e 80% do material online e normalmente são usados como “isca” para sites de pagamento. Noventa por cento dos sites pornográficos gratuitos e quase 100% dos pagos compram seus materiais em vez de criá-los.

O relatório cita, ainda, um estudo de 2013 da Universidade de Cambridge que evidencia que a atividade cerebral de usuários de pornografia, ao ver conteúdo explícito, reage da mesma forma que o cérebro de um alcoólatra diante de propaganda de bebida.

O vício leva o espectador a buscar por conteúdos cada vez mais extremos e gera a dificuldade de satisfação em relacionamentos com parceiros reais. De acordo com a Pink Cross Foundation, 58% dos casos de divórcio atendidos pela Academia Americana de Advogados Matrimoniais, em 2003, tinham relação com consumo excessivo de pornografia online por um dos cônjuges.

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Já em crianças e adolescentes expostos diretamente a pornografia, conforme o estudo de Cambridge citado pela Rescue Freedom, foram documentados comportamentos como: Respostas emocionais negativas ou traumáticas duradouras; início precoce da atividade sexual, com maior risco de contração de DSTs; crença de que a satisfação sexual superior é alcançável sem ter afeição por um parceiro, reforçando, assim, a mercantilização do sexo e da objetificação dos seres humanos; crença de que casamento ou família são perspectivas pouco atraentes; maior risco de desenvolver compulsões sexuais e comportamento viciante.

Conscientização

Com a intenção de conscientizar sobre a gravidade da exploração na indústria pornográfica, a ONG brasileira Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, juntamente com a agência Purple Cow, lançou, em abril do ano passado, uma campanha chamada “The Unwanted Url” (algo como “A Url Indesejada”).

Sempre que um usuário digitava com erro a URL de algum dos sites mais famosos de pornografia, era redirecionado a um vídeo com dados sobre o sofrimento das atrizes da indústria pornográfica.

“Você acha que tem algo de errado nessa URL? Eu acho que tem algo de errado na URL que você buscava!”, alerta a narradora do vídeo. Segundo dados da Pink Cross Foundation usados na campanha, a expectativa de vida de uma atriz pornô é de 36 anos; 70% das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) registrados nessas situações atingem as mulheres, e, nas cenas de agressão, 94% dos atos são contra elas.

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