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A Associação Mundial Profissional pela Saúde dos Transgêneros (WPATH, na sigla em inglês) é uma das mais importantes organizações dedicadas às pessoas que sofrem de disforia ou incongruência de gênero: uma rejeição a seu sexo de nascença e desejo de aceitação como membros do sexo oposto. Com sede no Texas, a organização, cujo principal produto foram oito edições de um manual de diretrizes de tratamento, diz que se dedica “à pesquisa clínica e acadêmica para desenvolver medicina baseada em evidências” para benefício desse grupo.
Mas um relatório de mais de 200 páginas contendo documentos internos vazados da WPATH conta outra história: “vamos mostrar que o oposto é a verdade”, diz na introdução Mia Hughes, organizadora dos documentos e pesquisadora da ONG Environmental Progress, que publicou o trabalho de Hughes na segunda-feira (4). “Os arquivos internos da WPATH provam que a prática da medicina transgênero não é científica nem médica”, resumiu o presidente da ONG, o autor bestseller e jornalista Michael Shellenberger. Os dois disputam, também, que associação respeite diretrizes internacionais de ética médica, como o consentimento informado.
Se a WPATH não cumpre seu propósito nominal, o que exatamente ela faz? A organização promoveria “práticas médicas arbitrárias, incluindo experimentação hormonal e cirúrgica em menores de idade e adultos vulneráveis. Sua abordagem da medicina é voltada para o consumo e pseudocientífica, e seus membros parecem se dedicar ao ativismo político”, acusa Hughes.
Alguns dos documentos internos da WPATH
Os arquivos sugerem que os membros da WPATH dispensavam o comprometimento na capacidade de consentir de pessoas com transtornos psiquiátricos severos, receitando hormônios e cirurgias para elas. Um cliente com transtorno de identidade dissociativa, que acreditava ter “múltiplas personalidades”, recebeu o tratamento hormonal porque “trabalhamos com todas as personalidades alternativas para que consentissem”, disse um terapeuta. Não há consenso científico de que existam realmente “múltiplas personalidades” em uma só pessoa, portanto, pedir o consentimento de todas elas é controverso.
Uma enfermeira preocupada com um paciente que sofria de transtorno de estresse pós-traumático, transtorno depressivo maior, dissociações e características esquizoides — isto é, falta de interesse em relações sociais — recebeu aconselhamento do dr. Dan Karasic, um dos autores das diretrizes da WPATH que liderou um capítulo sobre saúde mental. “Não entendi por que você está perplexa. A mera presença de doença psiquiátrica não deve bloquear a capacidade de uma pessoa de começar a receber os hormônios se ela tem disforia de gênero persistente”, respondeu Karasic.
Um homem sem-teto, também com múltiplos transtornos, teve os testículos removidos. O terapeuta de gênero que autorizou o procedimento relatou que, em 15 anos de trabalho, só teve de recusar uma intervenção, “infelizmente”, porque o paciente estava alucinando durante a sessão de avaliação.
Os documentos mostram também o dr. Daniel Metzger, endocrinologista canadense, parecendo despreocupado com um dos possíveis efeitos colaterais da transição de gênero, a infertilidade: “Alguns pesquisadores holandeses deram alguns dados sobre jovens adultos que transicionaram e sentiram remorso reprodutivo; o remorso está ali, e acho que nenhum de nós fica surpreso com isso”.
Dianne Berg, psicóloga infantil e coautora de um capítulo pediátrico das diretrizes, confessa que muitas das crianças disfóricas que querem ser meninos “não entendem realmente que vão ter barba”. “Com frequência temos que explicar esse tipo de coisa para pessoas que nem estudaram biologia no ensino médio ainda”, comenta Metzger sobre o mesmo assunto. A cirurgiã plástica americana Christine McGinn relata que já fez vaginoplastias, tentativas de construir uma genitália feminina utilizando os tecidos da masculina, em 20 pacientes menores de 18 anos em quase duas décadas e que “nem todas tiveram resultados perfeitos”.
Em um painel que discutia a preservação da fertilidade nas crianças e adolescentes disfóricos, Metzger descreve que “sei que estou falando com as paredes” quando tenta explicar a gravidade da castração para jovens de 14 anos. “Eles dizem ‘eca, crianças, bebês, que nojo’...”. Ele diz que acompanha muitas dessas crianças até por volta dos 25 anos, quando começam a expressar que “um cachorro não é suficiente” e se arrependem de ter feito procedimentos que prejudicam ou eliminam sua capacidade de ter filhos.
Em outra mensagem, Thomas Satterwhite, um cirurgião da Califórnia, conta que já fez mastectomias (remoção de mamas) em que os mamilos são completamente descartados, “vulvoplastias” (tentativa de criação apenas da genitália feminina externa, sem canal vaginal). “Estou bem confortável em oferecer minhas operações para servir às necessidades de cada paciente”, detalha, acrescentando que fez essas cirurgias inclusive em jovens que se dizem “não-binários”, ou seja, que não seriam homens nem mulheres. Um jurista e ativista da causa justifica esses procedimentos: também devem ser atendidas com cirurgias “pessoas trans cujas metas de corporeidade não se encaixam nas expectativas dominantes”. Outro médico prevê que em breve começará uma onda de pedidos por “procedimentos fora do padrão” como esses, sem levantar objeções.
Satterwhite também relata um caso de um paciente “que se tornou perigoso e ameaçador contra a equipe da nossa clínica após a cirurgia”, para quem tiveram de obter uma ordem judicial para que ele mantivesse distância. “Este paciente tinha transtornos emocionais não-diagnosticados que não vieram à tona até o período pós-operatório”, explica o médico.
Numa discussão sobre um estudo a respeito dos “destransicionadores”, isto é, pacientes que se arrependeram de fazer a transição de gênero, a cirurgiã presidente da WPATH, Marci Bowers, confessa que “reconhecer que a destransição existe, mesmo que em pequenos números, é considerado passar dos limites por muitos na nossa comunidade”. Um pesquisador da associação comenta que “os indivíduos têm o direito de cometer seus próprios erros” e que “alguns erros recebem mais valor que outros”. Outro diz que “é problemática a ideia da destransição, pois retrata ser cisgênero”, ou seja, não-trans, “como o padrão de fábrica e reforça a condição trans como uma patologia”.
Uma paciente “não binária” de apenas 13 anos, que sofria de transtorno alimentar, estava pedindo para tomar testosterona, o hormônio masculinizante. Os pré-requisitos de uma endocrinologista pediátrica membro da WPATH foram só que ela vivesse “como membro do sexo oposto por seis a 12 meses” e tivesse o apoio “de ao menos um dos pais”. “É muito difícil pedir que esperem até os 16 anos”, explicou a médica, “porque então estarão lidando com cólicas menstruais e desenvolvimento completo dos seios. A espera parece aumentar o número de tentativas de suicídio”. Os números de suicídios de pessoas transexuais ainda são um ponto de controvérsia, e os ativistas a favor do tratamento afirmativo costumam inflá-los para efeito dramático e imediatismo na recomendação do tratamento, como explicou a Gazeta do Povo.
Nos arquivos, os membros da associação também discutem efeitos colaterais dos tratamentos: uma paciente do sexo feminino desenvolveu dois tumores no fígado por tomar testosterona, relatou um médico. Outro comentou que também teve uma paciente assim, que morreu do mesmo problema. Também falam de casos de inflamação pélvica, atrofia de útero, dor no coito, e para os homens “as ereções parecem cheias de cacos de vidro”. Com frequência, os membros mencionam que fazer o tratamento de transição é uma decisão em que riscos e benefícios devem ser sopesados, mas insistem que benefícios superam riscos na maioria dos casos.
“Os membros WPATH indicam repetidamente que sabem que muitas crianças e seus pais não entendem os efeitos que os bloqueadores de puberdade, hormônios e cirurgias terão nos seus corpos”, interpreta Shellenberger. “Ainda assim, eles continuam realizando e defendendo a medicina de gênero”. Ele explica que deixou anônimos os membros da WPATH que não fossem pessoas públicas, revelando apenas nomes daqueles que são muito conhecidos e para quem a Environmental Progress mandou mensagens para ouvir seu lado. A origem dos arquivos é um fórum de discussão no site da associação.
Quanto ao consentimento informado, os membros parecem reinterpretá-lo e ressignificá-lo para outra coisa: “o consentimento informado é um processo... não uma conversa a certa altura no tempo... essas conversas não precisam parar quando a intervenção começou. Essas conversas podem ser contínuas até depois que a intervenção ocorreu”. Não é o que diz o Código de Nuremberg, um conjunto de princípios adotados internacionalmente para evitar as atrocidades do nazismo na experimentação em humanos: o paciente deve ter “conhecimento suficiente... antes da aceitação” da intervenção médica.
“Tratamento afirmativo de gênero”: o carro-chefe das atividades da WPATH
A oitava edição das “Diretrizes de Tratamento para a Saúde de Pessoas Transgênero e Gênero-Diversas” da WPATH foi publicada em setembro de 2022. Na época, chamou a atenção que, entre seus 18 capítulos, um foi dedicado a “eunucos”, que estariam entre as pessoas “menos visíveis” entre as que “se beneficiam do tratamento médico afirmativo de gênero”. Os eunucos são “indivíduos com sexo atribuído masculino ao nascer que querem eliminar características físicas masculinas, genitais masculinos ou seu funcionamento”, explicou o manual. Detalhe: para ser um eunuco, não basta que a pessoa tenha removido cirurgicamente ou eliminado a função dos testículos, por exemplo; ela precisa “se identificar assim”.
As diretrizes da WPATH têm sido levadas a sério por organizações tradicionais como a Associação Médica Americana, a Sociedade Endócrina dos EUA, a Academia Americana de Pediatria e muitas outras.
O tratamento dito “afirmativo”, portanto, tem uma preocupação com o que os indivíduos alegam sobre si e com “afirmar”, consentir à sua autodeclaração. Como a Gazeta do Povo tem mostrado, contudo, uma dificuldade para a correção científica e ética dessa abordagem é o fato de que a maioria das crianças disfóricas ou incongruentes de gênero, até 90%, desiste de ser trans na ausência de intervenção médica.
Um dos pacientes discutidos nos arquivos da WPATH era uma criança do sexo masculino que começou a transição aos quatro anos — é impossível responder se poderia ter sido um dos desistentes, na ausência de intervenção. Ela pediu a cirurgia genital aos 14 anos.
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