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Anthony Fauci depõe no Congresso americano
Anthony Fauci: aos 83 anos, cientista é sabatinado por congressistas americanos a respeito de sua atuação durante a pandemia de Covid-19 como conselheiro médico sênior ao presidente da República.| Foto: EFE/EPA/WILL OLIVER

Anthony Fauci, cientista octogenário aposentado que presidiu o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos EUA e foi conselheiro sênior em saúde dos presidentes Donald Trump e Joe Biden durante a pandemia de Covid-19, depôs ao Congresso do país no última segunda-feira (3).

A audiência foi de iniciativa do Subcomitê Seleto da Pandemia de Covid-19 da Câmara dos deputados americana. O tema principal do interrogatório foi a atuação de Fauci nas recomendações de saúde do período, incluindo as vacinas, e sua postura para com a possibilidade de a doença ter tido origem em um vazamento laboratorial, na China.

“Tive o privilégio de aconselhar sete presidentes dos Estados Unidos, começando com o presidente Ronald Reagan em 1984 e culminando com minha posição como Conselheiro Médico Chefe para o presidente Joseph Biden em questões de saúde doméstica e global em 2021 e 2022”, disse Fauci em depoimento escrito.

Fauci reclamou de questionamentos mais duros que o responsabilizam por mortes, dizendo que levam “as ameaças de morte” contra ele a “aumentarem”.

Vacinas da Covid não evitam transmissão e hesitação não é toda “papo furado ideológico”

Para corroborar uma pergunta, o deputado Rich McCormick (republicano da Geórgia) reproduziu um áudio de Fauci de 2021 em que o cientista apoiava que grandes empresas “como a Amazon e o Facebook” forçassem seus funcionários a se vacinarem se quisessem manter seus empregos. “Foi provado que quando você dificulta a vida das pessoas, elas perdem seu papo furado ideológico e se vacinam”, disse Fauci na época.

“As objeções às vacinações da Covid são todas papo furado ideológico, dr. Fauci?”, perguntou McCormick. O aposentado respondeu “não, não são. E não era disso que eu estava falando”. “Vergonha, dr. Fauci, o senhor se tornou o Doutor Medo”, rebateu McCormick.

Respondendo a outro parlamentar que perguntou a respeito de as vacinas para Covid evitarem a transmissão, Fauci afirmou que “a primeira leva de vacinas de fato tinham um efeito. Não um efeito de 100%, alto. Elas de fato impediam a infecção e posteriormente, o que é óbvio, a transmissão”. Porém, conforme se passaram meses de aplicação, “ficou evidente que a durabilidade da proteção contra a infecção e, portanto, contra a transmissão era relativamente limitada”.

Contudo, não está claro que houve um momento em que os dados indicassem que as vacinas pudessem estancar a transmissão de forma eficaz. “Neste momento, não há dados disponíveis para determinar por quanto tempo a vacina vai dar proteção, nem há evidências de que a vacina impeça a transmissão do vírus SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa”, escreveu em dezembro de 2020 a Administração de Alimentos e Drogas (FDA), agência sanitária do país.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) afirmaram similarmente em fevereiro de 2021 que “a proteção pode cessar após três meses” desde a aplicação da segunda dose. Um estudo de janeiro de 2023 publicado na revista Nature Medicine, envolvendo presidiários da Califórnia, concluiu que a transmissão poderia ser reduzida em 40%, mas somente se a vacinação fosse auxiliada pela imunidade natural, adquirida de infecção prévia.

Em maio de 2021, Fauci afirmou que uma pessoa vacinada seria “um beco sem saída para o vírus”. Era uma falsa certeza usada como propaganda para influenciar as decisões de vacinação dos americanos. “Ele não é um vilão de quadrinhos”, afirmou em sua defesa o deputado Jamie Raskin, democrata da Califórnia.

Medidas de Trump não eram xenofóbicas e racistas, afinal

Fauci reconheceu que a política de distanciamento social de dois metros “não era baseada em ciência”, mas explicou que essa afirmação tinha o contexto específico da falta de estudos clínicos que determinem se a distância ideal seria menor ou maior.

Durante uma sabatina de dois dias a portas fechadas nos dias anteriores à audiência, Fauci disse ao subcomitê que “não se lembrava” de onde exatamente surgiu a recomendação de distância de dois metros. “Ela meio que só apareceu. Não me lembro de uma discussão” a respeito, afirmou. Ele também disse que não estava ciente de estudos a respeito, “seria um estudo bem difícil de fazer”.

Na audiência, o presidente do subcomitê, Brad Wenstrup (republicano de Ohio), repetiu essas afirmações de Fauci e afirmou que o ex-presidente Donald Trump foi chamado de “racista e xenófobo” por emitir ordens limitando viagens vindo de China, Reino Unido e União Europeia, na época epicentros de surtos de Covid. “Dr. Fauci, essas ordens foram racistas e xenofóbicas?” “Não, não foram”, respondeu o cientista.

Na questão das máscaras, como informou anteriormente a Gazeta do Povo, Fauci passou de afirmar que não eram necessárias em 2020 a até recomendar duas ao mesmo tempo mais tarde. Análises da respeitada organização de revisões médicas Cochrane sugerem que as máscaras não foram eficazes para conter o vírus.

Fauci se afasta de funcionário que violou a lei para proteger ONG que financiava experimentos com coronavírus na China

Discutida na Gazeta do Povo desde novembro de 2020, a hipótese da origem laboratorial da Covid finalmente chegou ao New York Times. “Um crescente volume de evidências sugere que a pandemia mais provavelmente ocorreu porque um vírus escapuliu de um laboratório de pesquisa em Wuhan, China”, escreveu em artigo de opinião nas páginas do jornal este mês a bióloga molecular Alina Chan, uma das pioneiras em trazer a hipótese para artigos técnicos de revistas especializadas.

O papel de Anthony Fauci e seu superior Francis Collins (durante a pandemia presidente dos Institutos Nacionais de Saúde, NIH, dos quais faz parte o NIAID) nisso foi que somente eles poderiam utilizar uma brecha de uma moratória de verbas imposta entre os governos Obama e Trump contra o financiamento de pesquisa de ganho de função em vírus. A “função” ganhada pelos vírus nesse tipo de experimento é a de infectar com mais eficácia células humanas, e isso é testado geralmente em roedores de laboratório que apresentam características geneticamente modificadas humanas em seus pulmões.

Essas pesquisas foram realizadas nos anos anteriores à pandemia no Instituto de Virologia de Wuhan, que recebia verba americana dos NIH através de uma intermediária, a ONG EcoHealth Alliance, que foi favorecida durante o período de moratória e posteriormente.

Além do possível papel de financiamento, Fauci atuou na articulação de bastidores para que fosse publicado em março de 2020 um artigo técnico na revista Nature Medicine que tentava fechar o debate prematuramente contra a hipótese da origem laboratorial. Fauci mentiu mais tarde em coletiva de imprensa que não conhecia os autores do artigo, e disse para a repórter Megan K. Stack, do New York Times, que não tinha certeza se leu o artigo. Revelou-se que os autores continuavam desconfiando da plausibilidade do vazamento laboratorial mesmo durante o processo de escrita e publicação do artigo, conhecido como “Origem Proximal”.

Um conselheiro sênior de Fauci, David Morens, está sendo investigado pelos parlamentares por deletar emails para salvaguardar a EcoHealth Alliance, além de usar um endereço de email pessoal para driblar a lei de acesso à informação. “Apesar de seu título de conselheiro, o dr. Morens não tinha a função de conselheiro junto à minha pessoa a respeito das políticas do instituto ou outras questões importantes”, diz Fauci em seu depoimento escrito. “O escritório dele fica em um prédio diferente daquele em que fica o escritório do diretor do NIAID”, afirma.

James Comer, deputado republicano do Kentucky, afirmou que Morens chegou a editar uma nota à imprensa em nome da EcoHealth Alliance a respeito de um término de financiamento em 2020. “Isso viola as políticas do instituto?”, perguntou Comer. “Foi inapropriado da parte dele fazer isso para um receptor de verba. É conflito de interesse, entre outras coisas”, respondeu Fauci.

Comer afirmou que Morens cruzou a linha entre autoridade de fomento à pesquisa e a entidade agraciada com verbas em outras ocasiões, redigindo cartas para a ONG e “a orientando sobre como enganar os NIH em seu relatório de progresso tardio” e atuando como lobista frente à agência estatal. Fauci não negou as acusações e concordou que constituem violações.

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