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História

Os 80 anos do Babi Yar, o primeiro “ensaio” para o Holocausto

Em Kiev, uma mulher deposita flores no monumento dedicado às vítimas do Babi Yar (Foto: EFE/Roman Pilipey)

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“As tropas de Hitler ocuparam Kiev em 19 de setembro de 1941 e desde o primeiro dia começaram a roubar e matar judeus. Vivíamos aterrorizados. Quando vi os cartazes nas ruas da cidade e li a ordem para que todos os judeus de Kiev se reunissem em Babi Yar, no fundo do meu coração eu pressenti os problemas. Entendi que nada de bom nos esperava lá. Então eu vesti meus pequeninos, uma menina de 3 anos e um menino de 5, coloquei seus pertences em um pequeno saco e levei para a casa da minha sogra. Depois, peguei minha mãe doente e, seguindo a ordem, partimos a caminho de Babi Yar”.

Confirmando os temores da atriz Dina Pronisheva, judia nascida na Ucrânia e casada com um soldado russo convocado para a guerra, nada de bom esperava os judeus de Kiev na ravina que protagonizou o primeiro extermínio em massa promovido pela Alemanha nazista. Um mês antes daquele 29 de setembro de 1941, cerca de 23 mil judeus já haviam sido fuzilados em Kamenets-Podolski, uma cidade ucraniana perto da fronteira com a Hungria. O que aconteceu em Babi Yar, contudo, inaugurou a matança sistemática que se tornaria o Holocausto: estima-se que 33,7 mil judeus tenham sido massacrados em 48 horas, segundo dados do próprio esquadrão nazista. “Foi a primeira vez na história que uma matança premeditada eliminou praticamente toda a população judia de uma grande cidade europeia”, afirmou o historiador Karel Berkhoff.

Relatos como o de Dina Pronishva são raros. Desde a ocupação nazista da Ucrânia à retomada do poder pelos soviéticos em 1944, quase 1,5 milhão de judeus foram assassinados no país. Quase 80% foram mortos a tiros, uma “modalidade” de extermínio que levaria à criação do termo “Shoah pelas balas”. Estes genocídios, realizados por grupos de extermínio chamados Einzatsgruppen, foram, por muito tempo, ofuscados pela profusão de relatos do “Shoah pelo gás” praticado nas conhecidas câmaras nazistas. O padre francês Patrick Desbois foi um dos primeiros a mergulhar na história não contada dos judeus mortos na União Soviética, vítimas cujas covas foram escondidas pelos nazistas e, posteriormente, ignoradas pelos soviéticos.

Relatos como o de Dina Pronisheva dão dimensão do horror. “Um policial me disse para me despir e me empurrou até a beira da cova, onde um grupo de pessoas aguardava seu destino. Antes de o tiroteio começar, eu estava com tanto medo que caí no poço. Caí em cadáveres. (...) O tiroteio continuou; as pessoas ainda estavam caindo. Eu recuperei os meus sentidos - e de repente entendi tudo. Eu estava fingindo estar morta, em cima de pessoas mortas e feridas. De repente, ouvi uma criança gritando: ‘Mãe!’ Parecia minha filhinha. Comecei a chorar", relatou a atriz, durante o julgamento de quinze soldados alemães em 1946.

O segundo apagamento

O fim da Segunda Guerra Mundial não foi suficiente para que os judeus mortos em Babi Yar fossem reconhecidos e homenageados como vítimas do genocídio antissemita. Foram necessárias algumas décadas para que o povo ali massacrado recebesse as honras devidas, graças à obsessão soviética de perpetrar a ideia de que todos os povos sob o jugo do Kremlin sofreram “igualmente” os horrores nazistas.

Primeiro, houve o apagamento: a ravina de Babi Yar foi literalmente aterrada e preenchida com lixo industrial. Em 1961, foi palco de um deslizamento de terra que matou centenas de pessoas e despejou lama, água e restos humanos de uma barragem nas ruas de Kiev. Anos depois, se transformou em um complexo de apartamentos.

Então, veio a distorção. Nos anos 1960, o lugar começaria a ser tratado o memorial de uma história contada pelas lentes soviéticas. Assim narra o escritor ucraniano Viktor Kekrasov:

“Tudo acontecia assim - as pessoas vinham, choravam e espalhavam flores ao seu redor [de Babi Yar]. Não havia coroas, nem onde colocá-las. Não havia monumento nem obelisco - havia apenas arbustos e ervas altas. Mas a partir de setembro de 1966 tudo mudou. Uma pedra apareceu - de granito cinza polido com uma inscrição que foi editada e aprovada por todas as autoridades competentes, dizendo que neste local de assassinato em massa seria erguido monumento seria erguido para ‘os civis soviéticos [que foram assassinados] durante o período da ocupação fascista alemã temporária de 1941 a 1943’”.

“Agora, todos os anos, em 29 de setembro, ao lado da pedra um pódio é montado e de lá o secretário do Comitê do Partido do Condado de Shevchenko faz um discurso que é principalmente dedicado às realizações do distrito que lhe foi confiado no domínio da construção e do cumprimento do plano [oficial] em vários domínios. Depois, há discursos de vários líderes em produção, sendo necessário entre eles ‘um de nacionalidade judia’ (não se podia simplesmente dizer ‘um judeu’), que falasse sobre ‘as atrocidades bestiais’ dos sionistas em Israel”, conta o escritor, ao narrar a façanha soviética de transformar monumento de homegem aos judeus em um evento antissemita.

Foi só a partir de 1991, quando a Ucrânia conquistou sua independência, que o Babi Yar passou a figurar nos livros escolares e no debate público sobre a memória do Holocausto. Atualmente, há um grande museu em construção em Kiev, cujo projeto é liderado pelo padre Desbois. Para o religioso, é preciso que o local proporcione aos visitantes uma experiência similar ao campo de Auschwitz, com listas das vítimas e de seus assassinos. “Precisamos restaurar a sensação de que este é o local de um crime horrível.

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