Há 11 dias, a CNN cancelou o programa "Believer", apresentado por Reza Aslan. Os executivos do canal tomaram essa decisão depois que o historiador, irritado pela reação de Trump ao ataque terrorista na Ponte de Londres – que considerou insensível e desrespeitosa –, tuitou que o presidente "não era só uma vergonha nacional, mas para o mundo". (E tinha também um palavrão aí no meio.)
Embora os méritos da decisão do canal sejam discutíveis, a opinião de Aslan é amplamente compartilhada. As pesquisas realizadas pela organização McClatchy e o Instituto Marista mostram que embora 30% dos americanos tenham "orgulho" de ter Trump como seu líder, 60% se revelaram constrangidos com o fato.
A vergonha é, obviamente, uma sensação desconfortável – e não é exceção, mesmo sendo resultante do mau comportamento e da inconsequência do líder do mundo livre. Entretanto, as análises feitas por sociólogos e psicólogos sugerem que, em termos sociais, é uma emoção valiosa. Mas será que para os adversários de Trump ela também tem algum valor político?
Embaraço pessoal
O sociólogo Erving Goffman fez um estudo clássico, em 1956, começando pela avaliação do tipo de embaraço pessoal por que passamos de vez em quando.
As causas podem parecer idiossincráticas. Para uma pessoa, constrangedor é tropeçar na rua; para outra, isso não é nada comparado com ver o filho revelando informações íntimas a estranhos em um jantar, por exemplo. Goffman definiu uma reação básica sob todas as variações; segundo ele, o vexame se dá quando a pessoa que dizemos ser em uma interação social de repente não condiz mais com os fatos.
Se você é o tipo de pessoa que se movimenta na rua com convicção, está implicitamente afirmando ter boa coordenação e ser autoconfiante; tropeçar, então, significa que não é nada disso. Da mesma forma, se você se mostra um monumento de responsabilidade aos familiares e amigos e a revelação de seu filho sobre seu comportamento em casa vai totalmente contra essa imagem. Constrangimento é o medo de ver os outros nos julgando como incompetentes em termos do nosso papel social.
Entre os sinais reveladores da emoção, isto é, a forma pela qual se tem certeza de estar lidando com alguém com vergonha, estão o rubor, a agitação, a gagueira repentina, a voz incomumente estridente ou baixa, o suor excessivo e o piscar dos olhos. E são tão perturbadoras essas reações ao fluxo normal da interação social que quem as testemunha em primeira mão geralmente faz o que pode para remediar a situação e tranquilizar o constrangido.
Entretanto, apesar do desconforto que o sentimento causa, segundo Goffman, nós não deveríamos querê-lo longe. O envergonhado é um membro atuante da sociedade, antenado à dinâmica das interações pessoais a ponto de seu corpo reagir na base do reflexo ao que considera uma "falha". O constrangimento é sinal de que a família, a escola e os grupos de amigos – ou seja, as principais instituições que nos socializam – estão cumprindo sua função.
Compromisso com o bem-estar comum
Outras conclusões de pesquisas mais atualizadas reforçam essas conclusões. Em um trabalho de 2012, os psicólogos Matthew Feinberg e Dacher Keltner e o sociólogo Robb Willer estenderam as ideias de Goffman na direção evolucionária; para eles, o embaraço é, basicamente, um "pedido de desculpas não verbal" por ter estragado uma interação social.
Como tal, indica aos outros membros do grupo que a pessoa constrangida é sensível às normas e comprometida com o bem-estar comum – ou seja, pertence a uma série de emoções "pró-sociais", incluindo a empatia, a vergonha e a culpa, que evoluíram presumivelmente porque os seres humanos que a sentem eram melhores na manutenção das relações grupais necessárias para a sobrevivência da espécie.
Em testes, Feinberg, Keltner e Willer descobriram que as pessoas com orientação pró-social – como os altruístas, por exemplo – tendem a ficar mais constrangidos. Além disso, descobriram que para os observadores, um indivíduo envergonhado é visto como comprometido com o bem do grupo e, assim, mais digno de confiança.
Vergonha alheia
Mas como isso tem a ver com o embaraço de 60% dos americanos, não em relação a si mesmos, mas a Trump?
Os psicólogos Sören Krach e Frieder Paulus estudaram o fenômeno da vergonha alheia – isto é, quando nos sentimos constrangidos por outra pessoa, mesmo que ela mesma não dê indicações de estar constrangida –, mostrando aos analisados desenhos de pessoas em situações comprometedoras como, por exemplo, a calça rasgada ao se abaixar. E descobriram que a visão dessas imagens coloca a pessoa em tal estado emocional que é como se aquilo acontecesse consigo. Através de tomografias, também descobriram que as regiões do cérebro do sujeito que "acendem" nesses casos são as mesmas conhecidas como centros de percepção empática da dor.
Pode-se afirmar com (quase) absoluta certeza que poucos americanos constrangidos por Trump se sentem assim por causa do homem, embora seja difícil não manifestar o mínimo de vergonha alheia ao vê-lo em um vídeo gaguejando incoerências em resposta a algum repórter ou dando um chega-para-lá no primeiro-ministro de Montenegro. Claro está que ainda não descobriu como agir de forma presidencial e é doloroso ver a incongruência entre seu comportamento e o papel social que assumiu, mesmo que não se sinta nenhuma empatia por ele.
Vergonha pelo país, não pelo homem
Entretanto, a sugestão mais interessante é a de que a vergonha alheia que os americanos sentem tem a ver com o país, e não com o homem. Eles se constrangem pelo fato de um país que alega ser virtuoso, líder e de moral ilibada se veja representado por alguém que não é nada disso.
Se Mike Pence fosse presidente, os liberais seriam contra sua política, mas não se sentiriam tão envergonhados. O sentimento que vem se tornando tão comum hoje está relacionado ao orgulho nacional e ao patriotismo que a direita acusa a esquerda de não ter, e que os mais cosmopolitas às vezes nem notam em si mesmos.
Só o tempo vai dizer se o constrangimento em relação a Trump provará ser uma força galvanizadora para a mudança política. De qualquer forma, em tempos tão rancorosos, o embaraço é uma base mais saudável e mais cívica de discórdia que o ódio.
*Neil Gross é professor de Sociologia do Colby College
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