Documentos inéditos que revelam a atuação, no Estado do Rio, de bispos católicos contra a ditadura militar entre os anos 1964 e 1985 foram digitalizados e disponibilizados para consulta. O material faz parte do acervo de dom Adriano Hypólito, ex-bispo de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um dos religiosos mais críticos ao regime militar.
O material, que integra o arquivo da Cúria Diocesana do município, reúne documentos oficiais que denunciaram torturas a militantes políticos em unidades do Exército; cartas trocadas entre religiosos sobre pressão que sofriam dos governos da época; fotos e a coleção do semanário litúrgico A Folha - folheto para acompanhar a missa - criado por dom Adriano. A publicação trazia a sequência da missa e, entre uma oração e outra, o bispo incluía textos sobre a política no país.
A oposição aos militares rendeu aos religiosos, dentro dos quartéis, o apelido de “bispos vermelhos” - uma alusão ao comunismo feita por agentes da ditadura. Há ainda no acervo de dom Adriano material sobre dom Waldyr Calheiros, ex-bispo de Volta Redonda; dom Clemente Isnard, ex-bispo de Nova Friburgo; e dom Mauro Morelli, ex-bispo de Duque de Caxias.
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Todo o acervo foi reorganizado e higienizado. O trabalho faz parte de uma parceria da Cúria de Nova Iguaçu com técnicos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
No acervo há uma troca de correspondências oficiais, de julho de 1969, entre dom Waldyr e o general de Brigada Tasso Villar de Aquino, à época comandante da Divisão Blindada de Barra Mansa, em que o religioso relata a rotina de torturas a presos políticos na unidade:
“É de nosso conhecimento que pessoas detidas no 1.º BIB, sediado em Barra Mansa, foram severamente torturadas. Uma delas, depois de posta em liberdade, teve que se recolher a uma Casa de Saúde de recuperação Psíquica. Fora torturada várias vezes a ponto de perder os sentidos”, afirmou o bispo. O militar contestou as denúncias, considerando-as “genéricas”. Numa nova correspondência, dom Waldyr apontou torturados: “Quando soubemos que um operário da Siderúrgica Genival Luiz da Silva, secretário do sindicato metalúrgico, saíra da prisão do Batalhão diretamente para o hospital (...), procuramos nos inteirar do caso.”
Invasão
Em outro documento, dom Adriano comunica ao então Cardeal do Rio, dom Eugenio Sales, a invasão ao Centro de Formação de Líderes católicos - que hoje abriga o acervo do bispo - por agentes da ditadura. A ação aconteceu em junho de 1977 e impediu a realização de um congresso, onde seria redigido um manifesto contra a ditadura militar.
“ (...) os que invadiram as dependências do Centro não quiseram identificar-se. Tomavam posição agressiva. Procuravam informar-se de tudo (...). Armados, portando inclusive metralhadora, anotando placas dos muitos carros que vinham ao Centro. (...) (Disseram) que estavam cumprindo ordens.”
“É um material de grande valor histórico para o país. Foi dom Adriano que impulsionou o surgimento dos movimentos sociais”, afirma o cientista político Paulo Baía, que conviveu com o bispo.
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A luta pela democracia levou dom Adriano a ser sequestrado em 1976 por agentes da ditadura. Ele foi libertado com o corpo pintado de vermelho.
“Além do material político, há ainda a produção de dom Adriano na literatura e na música. Ele era muito amigo do escritor Manuel Bandeira “- acrescenta o diretor do acervo, Antonio Lacerda.
Os “bispos vermelhos”
Dom Adriano Hypólito
Vítima de atentado, o ex-bispo de Nova Iguaçu organizou movimentos populares. Abrigou militantes políticos e criou “A Folha”, onde criticava a falta de liberdade. Se recusava a tocar sinos das igrejas em comemoração ao golpe de 1964, determinação dos militares. Morreu em 1996.
Dom Waldyr Calheiros
Denunciou a tortura em quartéis no Sul do estado. Ex-bispo de Volta Redonda, teve uma importante atuação nas negociações para o fim da greve dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional, no final da década de 1980, quando três operários morreram. Morreu em 2013.
Dom Mauro Morelli
Trabalhou não só contra a repressão durante os governos militares, mas também no combate às desigualdades sociais na Baixada Fluminense. Foi bispo de Duque de Caxias.
Dom Clemente Isnard
Ex-bispo de Nova Friburgo, atuou contra a ditadura de modo silencioso. Durante as celebrações religiosas evitava falar de política. Mas, fora da igreja, abrigou militantes políticos perseguidos por militares em sua casa e em um seminário em Lumiar, zona rural do município. Morreu em 2011.
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