Uma antiga lenda hindu ganha atualidade com o conflito em curso no Oriente Médio. Diz a lenda que havia uma cidade onde jamais tinham visto ou sequer ouvido falar da existência de elefantes até que um dia levaram um para lá. Dada a grande excitação, um grupo de cegos, amigos de longa data, decidiu ir conhecer o animal de que todos falavam.
— “Não podemos ver, mas temos nosso tato para nos ajudar”, disse um deles. “Basta que o toquemos, relatamos cada um o que sentimos e podemos descobrir de que se trata.”
Dirigiram-se, então, ao local onde se encontrava o estranho ser. O primeiro tocou a tromba e, excitado descreveu:
— "Trata-se de uma cobra muito mais grossa e enrugada.” Ao que foi corrigido pelo que tocava a perna do animal.
— "Nada disso. Este animal tem a forma de um tronco grosso de árvore", mas foi grosseiramente interrompido por outro cego, que tocava o rabo.
— "Você está nos enganando. Este animal tem a forma de uma corda.”
O cego que tocava as presas de marfim discordou, dizendo que o animal tinha a forma de uma lança pontiaguda, enquanto o que tocava o pesado corpo insistia que ele tinha a forma de uma rígida parede.
Iniciou-se uma discórdia, cada um chamando os outros de mentirosos, interessados em enganar os demais. Foi o fim de uma longa amizade, cada um tomando um rumo diferente para nunca mais se falarem.
Nenhum dos cegos mentiu, todos descreveram exatamente o que tocavam, mas todos tentavam convencer os demais de uma realidade que percebiam apenas parcialmente. A visão de uma pequena parte não implica no conhecimento do todo. Seria necessário tocar o elefante em todas as suas partes para entender a complexidade do que estava diante deles.
A lenda acima traz inúmeros alertas para os nossos dias. O atual conflito no Oriente Médio fez com que inúmeros “cegos” enxergassem uma parte do conflito e tirassem conclusões sobre o todo, sem se ater ao fato que há mais a conhecer além daquilo imediatamente evidente a seus olhos. Assim, há quem olhe para o terror do Hamas e conclua que todos os palestinos são terroristas. Outros veem a morte de civis palestinos sem perceber que são usados como escudos humanos e acusam Israel de genocida. Uns concluem que islâmicos são todos cruéis, a partir do massacre que islâmicos do Hamas perpetraram contra crianças judias, enquanto outros “sofrem” pelo destino dos palestinos sem se ater aos imensos massacres de governantes muçulmanos contra seu próprio povo na Síria, Sudão, Afeganistão, Iêmen etc.
A realidade, tal como o elefante, é muito mais complexa do que um pequeno pedaço visível a quem não busca toda a informação. Está fadado ao erro e ao fanatismo quem olha para um pequeno pedaço do conflito e logo toma posições radicais sem conhecer os demais aspectos, sem buscar mais informações, fechado a ouvir a realidade que se vê de outro ângulo. É verdade que lideranças árabes — e palestinas em particular — têm sido beligerantes há décadas, já que isto serve a diversos de seus objetivos tais como a solidariedade internacional e sua própria permanência no poder. Mas há naquela sociedade quem quer viver em paz, progredir e ver um futuro para seus filhos. Infelizmente governos totalitários e cruéis não permitem que estas vozes apareçam.
Também é verdade que há bem menos mortes de israelenses do que de palestinos, o que se deve ao fenomenal esforço do governo israelense para evitar fatalidades — desde a exigência de abrigos antibombas em casas, lojas, shoppings, cinemas bem como ao sistema antimísseis Domo de Ferro. Estes meios de prevenção têm custos exorbitantes, mas são fundamentais na defesa de vidas. Infelizmente nenhum governo palestino se preocupou com a preservação da vida de seus cidadãos, preferindo usá-los como escudos humanos para divulgar suas mortes como “crimes do inimigo sionista”. Talvez isso se deva ao fato de que o judaísmo preza pela vida de cada indivíduo, como reza o Talmud (livro de leis judaico) — “quem salva uma vida é como se salvasse todo o mundo”. Já os líderes islâmicos prezam pela morte, considerando o martírio a forma mais rápida de atingir o Paraíso.
Há quem veja o atual governo de direita de Israel como um sinal de radicalização da sociedade israelense, sem enxergar que este é o único país no Oriente Médio onde árabes e judeus, esquerda e direita, religiosos e laicos, bem como sionistas e antisionistas estão representados no parlamento. Por outro lado há quem veja todos os palestinos como pobres e deserdados sem observar multimilionários vivendo em mansões cinematográficas tanto em Gaza como na Cisjordânia, imaginando que não exista uma pujante classe média e uma pequena (mas ríquissima) elite que se aproveita da pobreza para atingir seus objetivos pessoais.
Sim, o elefante pode ser visto como um tronco, uma cobra, uma parede, uma corda ou uma lança. Mas é necessário alguém de visão para poder descrever o todo — tal como neste conflito.
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