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Livre mercado

Os cineastas brasileiros estão errados em criticar ‘Vingadores: Ultimato’

Cartaz de 'Vingadores: Ultimato': primazia do filme nas telas irritou cineastas brasileiros
Cartaz de "Vingadores: Ultimato": primazia do filme nas telas irritou cineastas brasileiros (Foto: Divulgação)

Em sua estreia, 'Vingadores: Ultimato' ocupou cerca de 80% das salas de cinema de todo o Brasil: o blockbuster foi exibido em 2.700 das 3.300 existentes no mercado nacional. O sucesso comercial e a monopolização das salas causou indignação em parte do setor audiovisual brasileiro.

A comédia brasileira 'De pernas pro ar 3', outro sucesso comercial, com mais de um milhão de ingressos vendidos em duas semanas, perdeu 300 salas do circuito ao ser preterida pela superprodução da Marvel. A produtora do filme, Mariza Leão, enviou uma carta à Ancine protestando contra a falta de regras reguladoras para o mercado cinematográfico, afirmando que “é uma perversidade do ponto de vista cultural e econômico”.

O cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor do filme "Aquarius", endossou a fala: "'De pernas pro ar 3' estava dando dinheiro. Quando o mercado corre sem lei, sua lógica é a de subtrair para ganhar, e não a de somar com diversidade. Os dois filmes poderiam ir bem, sem desequilíbrio".

A Ancine se pronunciou sobre o caso em nota, afirmando que vai "monitorar a questão", e que o assunto será pauta da Câmara Técnica de Salas de Exibição, “que conta com representantes de associações de distribuidores, exibidores e produtores do audiovisual".

Já Daniel Caetano, presidente da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), afirmou que a regulação é necessária e ajuda o mercado a funcionar: “acredito que faz parte das funções do governo criar mecanismos regulatórios que evitem que as leis de mercado acabem canibalizando o próprio mercado”.

Falta de regras?

Em 2014 a Ancine definiu um teto para a ocupação das salas por um mesmo filme. Pela regra, nenhum título poderia ocupar mais do que 35% das salas. A medida foi tomada após 'Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1' ocupar 46% das salas disponíveis no lançamento.

À época cineastas fizeram críticas semelhantes, afirmando que tratou-se de um "lançamento predatório, por restringir a diversidade de filmes que poderiam ser exibidos nesses lugares.”

A medida existe em países como a França, cujo teto imposto é de 30%. Acima disso, o filme paga mais imposto para ser exibido naquele país, o chamado “imposto extrafiscal”, isto é, quando o objetivo da tributação não possui finalidade meramente arrecadatória, mas de regulação da atividade econômica a fim de desestimular determinadas práticas.

A norma, no entanto,  foi suspensa em novembro de 2018 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O relator do processo, o desembargador Johonsom Di Salvo, acolheu apelação interposta pelo Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas de São Paulo, que ingressou na Justiça contra a medida implementada pela Ancine. Para ele, a cota era uma "severa intervenção em atividade negocial lícita", ferindo a livre concorrência.

Faltam opções?

O presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras, Ricardo Difini Leite, defendeu o protagonismo de Vingadores nas salas de cinema.

“Estamos falando do maior lançamento do ano, que teve uma procura fenomenal. É precipitado dizer que 'Vingadores: Ultimato' vai prejudicar 'De pernas pro ar 3'. O filme brasileiro continua em muitas salas, mas teve diminuição da média de forma natural”

Segundo relatório da Motion Picture Association of America (MPAA), evidenciou-se que o número de assinantes de serviços de streaming superou o de TV a cabo no mundo, chegando chegando a 613,3 milhões de usuários.

Um terço dos brasileiros assinam TV a cabo, que possuem pacotes de filmes. Além disso, segundo o IBGE, 81,8% dos brasileiros que estão conectados utilizam a internet para assistir a filmes, séries e vídeos.

Os números mostram que nunca houve tantas opções para os consumidores.

Soberania do consumidor

Há quem afirme que a ocupação predatória é imposta pela força econômica das corporações internacionais, e não em virtude da demanda do público por um determinado título. Não parece ser o caso, ao menos em 'Vingadores'.

De acordo com o site especializado Box Office Mojo, a produção arrecadou US$ 1,2 bilhão nos primeiros três dias, o primeiro filme a conquistar tal feito. O faturamento médio por sala nos Estados Unidos foi de US$ 75 mil, contra US$ 59,9 mil de 'Star Wars - O Despertar da Força'.

Com apenas três dias a película já se tornou a 18ª maior bilheteria de todos os tempos.

Tamanho sucesso apenas expôs que as salas de cinema acertaram comercialmente na estratégia de reservar as salas disponíveis para a produção da Marvel.

Se o limite ainda estivesse em vigor e, em vez da película ser transmitida em 2.700 salas o número fosse reduzido para 1.200, qual seria o resultado?

Inicialmente, as salas de cinema, que precisam de lucro para continuarem funcionando e operando, seriam prejudicadas. Se gostamos de ter muitos cinemas à disposição, quanto mais aumentarmos os riscos da atividade e diminuirmos sua lucratividade, menos viável se tornará a atividade.

Vale ressaltar que o lucro das salas de cinema não se dá pela exibição de filmes, mas sim pelo consumo de bomboniéres. Mesmo que uma sala lote, estima-se que seja preciso que pelo menos 25% dos presentes consuma pipoca, refrigerantes e doces vendidos no estabelecimento para que a atividade seja rentável. Sim, a pipoca é o alimento que sustenta a indústria cinematográfica. E consequentemente é preciso ter salas cheias de pessoas ávidas pelas guloseimas.

Além dos exibidores, os espectadores também seriam prejudicados. Se o filme estivesse sendo exibido em menos salas, menos pessoas veriam o filme, e ainda por cima enfrentariam filas maiores ou mais tempo para conseguir um ingresso. Certamente haveria reclamações do próprio público.

Os lançamentos de filmes têm se transformado nos últimos anos, cada vez mais, em um evento à parte. Cria-se um ambiente em que todos comentam sobre, e busca-se não revelar detalhes de roteiro e spoilers.

Colocar 80% das salas de cinema para exibir um filme não apenas beneficia os consumidores, mas também respeita a soberania e a vontade desse mesmo público. O teto de exibição, pelo contrário, apenas reduziria a viabilidade comercial das salas de cinema, tornando o negócio menos atrativo, e prejudicando os consumidores.

O movimento contrário a esse sucesso expõe as intenções de rent-seeking de um grupo de pressão — os cineastas e produtores nacionais. O termo se refere à tentativa por grupos particulares de conseguir persuadir governantes a lhes conceder privilégios legais. Se bem sucedida, tais benefícios podem resultar em uma transferência de renda significativa da população para estes grupos. No fim das contas, as famílias que mal conseguem guardar dinheiro para ir uma vez por cinema ao mês acabariam financiando cineastas já milionários.


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