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Em julho, o New York Times divulgou uma vaga de trabalho procurando um repórter-antropólogo para cobrir uma importante tendência nova: infiltrar-se nas "comunidades de internet e personalidades influentes que compõem o ecossistema midiático da direita" e "lançar luz sobre as suas motivações", em benefício dos leitores do jornal. Estabelecer esse "posto de escuta crítica" não seria para os fracos. O audaz candidato teria de estar especialmente "preparado para habitar os confins na internet" onde ideias "de extrema direita" são discutidas, tudo pelo elevado propósito de determinar "onde e por que essas ideias tomam forma."
Dá para perguntar por que o jornal precisa de mais um repórter para moldar a narrativa sobre a direita, dado o seu constante foco em Donald Trump e no movimento populista MAGA desde 2016. Mas o momento do anúncio pareceu sugerir que o jornal tinha algo mais em mente. Chegou em meio a uma explosão de interesse midiático por essa estranha tribo nova, descoberta de repente não nas brenhas do Kansas, mas debaixo dos nossos narizes.
Em abril, um artigo de James Pogue na Vanity Fair revelou a emergência de uma plêiade de "podcasters, uns 'manos' anônimos no Twitter, filósofos e artistas da internet, além de papagaios de pirata amorfos", às vezes chamados de "dissidentes, neo-reacionários, pós-esquerdistas, ou franja heterodoxa, [. . .] todos amiúde agrupados por conveniência sob o rótulo de Nova Direita dos Estados Unidos", que representava a "junção de uma estranha fermentação política muito maior, que borbulha sobretudo em meio à elite jovem e bem educada dos EUA." Esta última parte, relativa à demografia desta dita Nova Direita, pode ter chamado a atenção do New York Times. Mas Pogue trouxe notícias ainda mais chamativas: esses dissidentes, disse ele, estabeleceram "uma posição que se tornou, aos poucos, ousada e bacana nos postos avançados da nova tecnologia, como Miami e Austin, e no subúrbio de Manhattan, onde o tom da Nova Direita está na moda, e signos como um modesto pingente de crucifixo se tornaram marcadores chiques de transgressão." Esta deve ter sido a notícia mais alarmante de todas para jornal: talvez, de alguma maneira, o conservadorismo tradicionalista de direta tenha se tornado bacana.
É verdade. E, já que é, como foi possível? Por pelo menos um século, a esquerda manteve um sólido monopólio da "transgressão chique", tocando uma lucrativa guerrilha cultural contra o status quo hegemônico da sociedade. A direita capturar da esquerda algo de sua energia jovem e do seu frisson rebelde representaria uma guinada político-cultural tectônica. Não deveríamos ficar chocados caso acontecesse.
Poucas coisas são mais naturais aos jovens do que enfrentar as restrições e normas do seu tempo, mesmo que seja só para se destacar um pouquinho da multidão e mostrar independência. Uma contracultura se forma como reação contra uma cultura oficial ou dominante. E, hoje, é a esquerda neoliberal progressista que ocupa essa posição dos centros de poder dos EUA, sejam eles culturais, educacionais, tecnológicos, corporativos ou burocráticos. Nessa cultura, a celebração das velhas formas de transgressão, ritualizadas, não só é permitida, como é praticamente obrigatória. A dissidência contra a transgressão financiada pelo Estado é transgressão agora. Tudo o que já foi revolucionário é agora uma nova ortodoxia, com conformidade reforçada pela censura, obscurantismo científico e ávidos caçadores de bruxas. (São caçadores de meia idade, carolas duros, cheios de segredos, com bolsinha da NPR, adesivos de arco-íris onde se lê "Coexistir", pronomes na assinatura de email. Todos conhecemos o uniforme.) [A NPR é a rádio pública dos EUA. Se fosse adaptar em vez de traduzir, seria algo como: "ecobag da TV Cultura" e "broche de arco-íris com Marielle". (N. t.)]
Ademais, os jovens que vivem sob a atual revolução permanente da cultura comum costumam ser miseráveis. Sua desilusão abre as portas para os pensamentos subversivos quanto a dogmas relativos à destruição de regras sexuais e de gênero, à substituição do romance pela paisagem do Tinder, ao desenraizamento atomizado geral, à vida de trabalho que parece uma servidão neo-feudal, bem como à irritante falta de sentido do consumismo e da mídia de massa. Nesse ambiente, a ação mais contracultural é abraçar valores e costumes tradicionais — como a moda da missa tridentina, adotada por alguns jovens. Não deveríamos nos surpreender muito se ao menos uma parcela dos jovens que querem se rebelar contra o Homem escolherem, por exemplo, ouvir Jordan Peterson, ou se voltar para sua sede latente por verdade objetiva e beleza, e sair da esquerda pós-moderna.
Enquanto isso, muito da energia genuína da sociedade americana — energia intelectual, artística e humorística, o tipo de energia que atrai jovens mentes brilhantes — migrou para a direita. Como o acadêmico populista Michael Lind argumentou recentemente, "se você for um jovem americano inteligente e pensativo, não pode ser um intelectual público progressista hoje, assim como não se pode ser cavaleiro nem astro de cinema mudo", já que agora "a vida intelectual na centro-esquerda americana acabou." O espírito de aventura e debate que outrora dirigiu a esquerda foi, segundo ele, "substituído por assentimento compulsório, e as ideias foram substituídas por slogans que podem ser recitados, mas não questionados", ao passo que o mercado comum de ideias agora está tomado pelo "jargão ritualizado de ONGs monotemáticas financiadas por fundações, como um lago asfixiado por ervas daninhas."
Outrossim, o humor é algo que a atual classe dominante não é bem capaz de produzir. O humor real tende a brincar com a lacuna entre a expectativa e a realidade, ou com os pressupostos das normas sociais e o óbvio. A sátira, em particular, é uma forma de transgressão que aponta as falsidades da autoridade ilegítima. Saul Alinsky pode ter, corretamente, avisado aos jovens radicais de esquerda que "a ridicularização é a arma mais poderosa do homem" contra o establishment; mas agora a esquerda se tornou, ela própria, o establishment. Pretensos humoristas que, à maneira da obtusa revista soviética de humor estatal chamada Krokodil, tentam "corrigir com o riso" misturando propaganda ideológica do regime com piadas, acabam sendo o que os meninos chamam hoje de "cringe". As cadeias do dogma ideológico bloqueiam a inspiração criativa necessária à produção de arte interessante.
Em contraste com essa decadência opressiva da esquerda comum, a dialética da direita contracultural está cheia de irreverência e de possibilidades intelectuais. Em meio a um crescente ecossistema de vídeos do YouTube, fios do Twitter, ensaios do Substack, clubes de livro da internet e podcasts de três horas, os exilados da cultura comum procuram ampliar seus horizontes, não só buscando mídias alternativas, mas também se animando ao descobrir Christopher Lasch, debater John Locke e discursar sobre Tito Lívio. Uma fome de conhecimento proibido e uma ânsia por respostas genuínas para fenômenos políticos e culturais, escondidos em gaslighting oficial, produziu uma legião de autodidatas que os guardiões da elite não foram capazes de conter. E, descobrindo-se já fora da janela de aceitabilidade, e portanto não mais presos a ortodoxias ideológicas incrustadas, nem à necessidade de autocensura, muitos desses dissidentes não têm mais motivo para hesitar em apontar quando um rei do establishment está nu.
Quem conta como membro da direita contracultural? O universo se estende além dos católicos tradicionalistas, agentes políticos ligados a Peter Thiel e personalidades dissidentes na internet descritos por Pogue. Com certeza inclui uma série maior de subgrupos políticos, tais como conservadores nacionalistas, intelectuais "pós-liberais" de influência europeia e feministas "críticas do gênero" agora reacionárias, recém-banidas da esquerda. Mas não deveriam ser confundidos com uma grande tenda política: sua característica definidora não é política, mas sim uma alienação e um dissenso compartilhados em relação à hegemonia cultural da esquerda. Os milhões de jovens introduzidos na validade de aprender ideias que pendem para a direita por comentadores culturais heterodoxos, tais como Joe Rogan, ou até que acordaram para o valor da tradição religiosa graças a Jordan Peterson ou Jonathan Pageau, formam uma base cultural que afunila as pessoas em uma comunidade de dissidentes ativos.
O grau de facciosidade e de brigas internas que em alguns casos já é visível entre vários nichos dessa direita contracultural (que inclui disputas teóricas e diferenças mesquinhas, querelas do Twitter e animosidades pessoais) é portanto irrelevante em grande medida. Esses subgrupos podem não se dar bem sempre, mas, bem à maneira da velha esquerda, suas birras facciosas representam o vigor de uma contracultura recém-nascida, mesmo que sejam empecilhos à influência cultural e política.
A direita contracultural é diferente da maré do populismo político de Trump, ainda que os eleitores e os influenciadores possam ser as mesmas pessoas. O populismo MAGA, enquanto movimento político explícito, se limitou muito à mobilização daqueles que já estavam fora da fortaleza da elite reinante. E isso só consolidou e fortaleceu a consciência de classe da elite, na defensiva. Em contraste, uma contracultura dissidente é capaz de ressoar pelas classes, inclusive em meio à própria elite.
É por isso que os conservadores de hoje não deveriam subestimar a vantagem política potencial que uma contracultura emergente poderia apresentar no longo prazo. Os conservadores às vezes ganham o poder político, mas uma oposição cultural monolítica unida tende a sabotá-los. Como o escritor Tanner Greer argumentou, as guerras culturais são longas e geracionais; e, como as pesquisas tendem a indicar, a geração mais jovem tende a parecer, hoje, esmagadoramente embarcada na política cultural de esquerda. Mas uma guinada nos valores dos jovens americanos está longe de ser impossível.
Um apelo contracultural transgressivo poder se revelar o maior recurso da direita. Nenhum decreto oficial pode mudar a cabeça de uma geração pronta para se rebelar contra a autoridade. Mas uma oposição contracultural pode. A esquerda sabe disso muito bem, claro, já que usou a energia da contracultura dos anos 60 numa longa marcha pelas instituições e, por fim, na hegemonia societal e gerencial.
Os comentários sobre a emergência dessas novas dissidências culturais amiúde erram o ponto. Por exemplo: um artigo de opinião do New York Times de Julia Yost, muito discutido há pouco, descreve, de maneira acertada, a crescente cena jovem de convertidos ao catolicismo concentrada no bairro de Manhattan Lower East Side Dimes Square. Diz que eles adotaram "um estilo ostensivo de tradicionalismo" mais "em desafio às normas liberais", e porque é a "expressão última" de uma "estética do contra" do que por seus membros terem alguma devoção especial à fé. Yost especula, assim como outros críticos, se esses meninos estão simplesmente atuando. Mas é a sua disposição para adotar costumes tradicionais com o fito de ganhar aprovação entre pares que é digna de nota, e não a autenticidade de sua crença (que, como Yost concede, pode vir depois de qualquer jeito).
A imitação é o processo pelo qual sempre foram estabelecidos os termos do que é bacana, atraente e socialmente benéfico. Esses novos católicos (independentemente de sua sinceridade) e outros dissidentes culturais podem mudar esses termos. Para usar uma metáfora monetária: a elite precisa acumular capital cultural, que se mede e acumula por meio de uma moeda cultural comum. Mas se muita gente passar a preferir uma moeda alternativa, a anterior corre o risco de colapsar, podendo levar a uma conversão repentina de massa à nova moeda de reserva. E como esses dissidentes culturais podem ter começado como uma minoria, e com certeza vão continuar assim por algum tempo, a exclusividade do status de minoria pode ser um atraente em si mesmo. A escassez gera o seu próprio valor.
Porém, se a esquerda da elite vier a ser detida em sua pressão para construir um Estado total progressista, uma contracultura em desenvolvimento não vai bastar. A direita e seus aliados anti-progressistas terão de identificar, tomar, assegurar e operar com eficácia os reais centros de poder e influência. Uma jovem direita contracultural ajudaria nesse aspecto.
Vale notar que muitos dos subgrupos entre a direita dissidente mais orientados para a política estão se familiarizando com os trabalhos de filósofos realistas do poder, de Maquiavel e James Burnham [1905 - 1987] ao francês Bertrand de Jouvenel [1903 - 1987]. Mas isso não deveria ser uma grande surpresa, já que o grupo procura conhecimento e inspiração no passado. Como Burnham escreveu em seu clássico The Machiavellians, uma época de "crise revolucionária deixa os homens, ou ao menos um certo número de homens, descontentes com o que em tempos normais passa por pensamento político e ciência, a saber: apologias veladas do status quo ou sonhos utópicos para o futuro."
Mas não é sua escolha de leituras em si mesma que pode dar importância política à nova contracultura. Como o governo Trump descobriu tardiamente, tomar o controle nominal do governo por meio de eleições, hoje, tem pouco impacto na direção do Leviatã. Mesmo que o partido que governa oficialmente mude, o vasto Estado administrativo, não eleito, continua equipado por gente formada nas mesmas instituições de elite, que vive nos mesmos conclaves de elite, e moldada pelos mesmos incentivos materiais para sinalizar aculturação nos mesmos maneirismos, valores e redes, carreiras e prioridades ideológicas: o que o teórico político italiano Gaetano Mosca [1858 - 1941] teria chamado de a mesma "fórmula política".
O pessoal é política. Se essa classe governante entrincheirada e decididamente não-neutra não aceitar uma nova ordem política, ela não vai acontecer. Proclamar uma nova direção para um governo sem instalar novo pessoal disposto e capaz de levá-lo adiante apenas gera uma revolta e uma sabotagem por parte da elite. Indicações políticas de alto escalão inseridas em departamentos e agências, na tentativa de direcionar a mudança, são rapidamente isoladas e rejeitadas pelo sistema imune do corpo burocrático hospedeiro, expulsas como os objetos externos que são.
Os veteranos do governo Trump parecem ter demorado a capturar essa realidade, se forem verdadeiros os relatos de um plano conhecido como "Schedule F", que é uma tentativa de substituir grande parte do "serviço civil" por meio de ordens executivas no começo da nova administração presidencial. Mas, como os próprios funcionários de Trump viram, substituir todo esse pessoal seria difícil demais. Além dos obstáculos legais, quase todos os que têm habilidades e experiências para fazer esses trabalhos já são membros assimilados da mesma classe gerencial-profissional. De fato, esse status quo se aplica não só ao governo, mas a quase toda grande organização influente, incluindo empresas, grupos de mídia, universidades e ONGs. Todos confiam no recrutamento da elite profissional-gerencial para operar, e então de fato as organizações são mantidas nas preferências culturais desse meio.
A única maneira praticável para levar adiante a direita populista, então, é desenvolver uma contra-elite, que opere em paralelo sob uma diferente fórmula política e explore uma moeda cultural diferente, a partir da qual a nova liderança possa preencher os postos do poder institucional. Essas novas elites poderiam, ao cabo, vir de qualquer lugar, e de qualquer classe social ou econômica. Mas a conversão do seio da classe gerencial existente (em outras palavras, o cultivo de "traidores da classe") produziria resultados mais rápido. O desenvolvimento de uma contracultura atraente entre os jovens educados, a elite emergente, é o melhor dos meios possíveis para conseguir isso. No fim da contas, é o caminho que os hippies dos anos 60 seguiram para tomar o poder. Esse é o verdadeiro valor potencial de uma contracultura de direita.
Os jovens privilegiados que se fazem de católicos nos subúrbios de Manhattan dificilmente serão, eles próprios, essa contra-elite; mas podemos pensar neles como pioneiros que reagem para amplificar as mesmas forças no Zeitgeist que podem induzir outros a se unir à nova contracultura. Nisso, podem abrir o portão para subverter e, com o tempo, tomar o bastião do poder cultural por dentro da elite da sociedade.
Deve ser isso o que levou o New York Times e outras mídias de prestígio a sentirem um frio na espinha. Uma ruptura cultural naquilo que Pogue descreveu como "a elite jovem e bem educada dos EUA" apresentaria uma ameaça direta ao monólito do poder institucional da esquerda, ameaça bem maior do que as revoltas populistas de massa que até então lhes causaram tanta ansiedade. Ainda assim, no fim, o New York Times, que parece incapaz de resistir ao magnetismo de Trump, escolheu para preencher a vaga o repórter do Buzzfeed focado em populismo, o mesmo do infame dossiê Steele, também chamado de dossiê Trump-Rússia. Talvez não tenham captado ainda a extensão da ameaça real.
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