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O impacto do modernismo na arquitetura brasileira foi devastador. A busca pelo "progresso" e pela "inovação" destruiu obras de valor imensurável e ergueu outras sem valor algum. A competição pela originalidade motivou o abandono de séculos de tradição.
O autor britânico Alain de Botton capturou o espírito do tempo em sua descrição da cidade que se transformou em ícone da arquitetura modernista. "Brasília foi construída não para simbolizar uma realidade nacional que já existia, mas — pelo contrário — para trazer à existência uma nova realidade", ele escreveu, no livro 'A Arquitetura da Felicidade'.
E não é de hoje. Se os arquitetos estão corretos em afirmar que o Edifício Capanema, no Rio de Janeiro, foi o marco inicial da arquitetura modernista no Brasil, isso significa que o país vive há mais de oito décadas sob o jugo dos modernistas. O resultado não foi dos melhores, e não faltam exemplos. A equipe de Ideias elegeu os dez maiores absurdos da arquitetura brasileira. São oito construções tenebrosas e duas demolições inaceitáveis — uma delas, antes mesmo que o movimento modernista surgisse.
Veja a lista abaixo.
10 - Catedral do Rio de Janeiro
Local: Centro do Rio de Janeiro
Ano: 1979
Contexto: Com aparência de uma pirâmide inca e feita de concreto armado, a principal igreja da antiga capital brasileira causa mais estranhamento que admiração. Ao lado do templo, uma torre simplória sustenta a cruz. Por dentro, a atmosfera é de frieza. A obra foi projetada pelo arquiteto Edgar de Oliveira da Fonseca para substituir a velha catedral, construída em estilo barroco no século 18 e adornada com ouro. Felizmente, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, que sediou a coroação de Dom Pedro I, continua de pé.
9 - Procuradoria-Geral da República
Local: Brasília
Ano: 2002
Contexto: Planejada pelo escritório Oscar Niemeyer, a sede do Ministério Público Federal recebeu vidros espelhados, incomuns no trabalho do arquiteto. O resultado foi um conjunto que, pela localização (nos fundos da Esplanada dos Ministérios) e pelo tamanho, destoa dos (já peculiares) prédios projetados pelo próprio Niemeyer para a capital federal. O complexo da Procuradoria-Geral da República tem 71 mil metros quadrados — o dobro da área do Palácio do Planalto, onde trabalha o presidente da República. A obra custou mais de R$ 400 milhões em valores atuais e, sim, teve indícios de superfaturamento.
8 - Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia
Local: São Paulo
Ano: 1995
Contexto: Segundo o site oficial, o prédio é "um marco da arquitetura mundial". Difícil acreditar. Além da temática curiosa (o que a escultura e a ecologia têm em comum?), o museu parece uma obra inacabada. O projeto do arquiteto modernista Paulo Mendes da Rocha gerou um bloco retangular de concreto armado. Não há graça, elegância ou beleza – só a brutalidade do cimento. O museu é cercado por grades que dificultam a visão de quem passa pela rua. Melhor assim.
7 - Tribunal de Contas do Município de São Paulo
Local: São Paulo
Ano: 1976
Contexto: Construído em estilo brutalista, o prédio é tão charmoso quanto a combinação das palavras “Tribunal”, “Contas” e “Município”. O projeto foi pensado pelo escritório de arquitetura Croce, Aflalo & Gasperini, que venceu seis concorrentes no processo de seleção. Segundo o escritório, a "volumetria" do prédio "possui poucos paralelos no plano da arquitetura". Ou seja: poucas vezes na história alguém desenhou um projeto com essas proporções. Provavelmente havia um bom motivo.
6. Anexo IV da Câmara dos Deputados
Local: Brasília
Ano: 1980
Contexto: Brasília foi inaugurada em 1960. Logo os parlamentares perceberam que os prédios desenhados por Oscar Niemeyer não tinham espaço suficiente para abrigar os gabinetes de forma adequada. A solução foi chamar Niemeyer novamente. Nascia assim um dos maiores prédios amarelos de que se tem notícia. O Anexo IV tem dez andares, corredores internos dignos de filme de terror e gabinetes feitos com material de baixa qualidade. Do lado de dentro, o carpete cor de mostarda está por toda a parte. Pior: a chance de encontrar um deputado por lá lé altíssima.
5 - Prefeitura de Salvador
Local: Salvador
Ano: 1986
Contexto: Este é um exemplo clássico de falta de modos da arquitetura modernista. O prédio, no formato de caixa de sapatos, em nada combina com a vizinhança, que abriga algumas das construções mais valiosas da arquitetura colonial brasileira. É como ir de calça jeans a uma festa de gala. A obra do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, era para ser temporária mas virou permanente. A construção foi feita em apenas duas semanas (nota-se). Em frente à prefeitura, uma placa proclama que o prédio "é o marco inaugural de um novo Projeto de Cidade, em direção à aventura do século XXI". O século XXI não quis se pronunciar sobre a acusação.
4 - SESC Pompeia
Local: São Paulo
Ano: 1982
Contexto: O prédio disforme e de poucas janelas se ergue, arrogante, sobre um conjunto de galpões industriais antigos que também integram o complexo do SESC. Graças à obsessão pelo uso do concreto sem pintura, o edifício tem aparência de sujo. Não foi o melhor momento da carreira da arquiteta Lina Bo Bardi, que também desenhou o MASP (Museu de Arte de São Paulo). Há prédios mais bonitos nas ruínas da Pompeia original, destruída por uma erupção do Vesúvio há dois milênios.
3 - Capela São Pedro Apóstolo
Local: Campos do Jordão (SP)
Ano: 1987
Contexto: Parte do Palácio Boa Vista, a antiga residência de inverno do governador de São Paulo, a capela já seria feia se fosse uma oficina mecânica. Como templo religioso, fica ainda mais assustadora. Um dos cânones da arquitetura cristã costuma ser a elevação do olhar: as igrejas removem as preocupações com as coisas do mundo e apontam para o alto. Já a capela de Mendes da Rocha, de teto baixo, pesado e acinzentado, faz o contrário: força o fiel a olhar para a terra.
2 - Destruição do Arco da Conceição
Local: Recife
Ano: 1913
Contexto: O arco foi construído em 1643, na época da dominação holandesa, e controlava o acesso à ponte Maurício de Nassau (antiga Ponte do Recife). A construção veio abaixo em 1913, em meio a um projeto de modernização do Recife Antigo. Para não destoar, os outros prédios da rua também foram devidamente enfeiados com o tempo. Na mesma leva modernizadora, a prefeitura destruiu a Igreja do Corpo Santo, construção icônica que tinha então 300 anos, e o Arco de Santo Antonio, do outro lado da ponte. Tudo em nome do progresso.
1-Destruição do Palácio Monroe
Local: Rio de Janeiro
Ano: 1976
Contexto: O Palácio Monroe foi construído para a Exposição Universal em Saint Louis, nos Estados Unidos, em 1904, e ganhou o principal prêmio arquitetônico do evento, que reuniu representantes de 62 países. Como previsto, o edifício foi desmontado e transferido para o Rio de Janeiro, onde foi reconstruído. Adornado por anjos de bronze e leões de mármore de carrara, a construção de estilo eclético funcionou como sede do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. A campanha para colocar o prédio abaixo (em nome do trânsito e da estética moderna) teve o apoio de arquitetos de renome. Um deles foi Lúcio Costa, responsável pelo projeto urbanístico de Brasília. Hoje, no local, existe… nada. Para ser exato, o Palácio Monroe foi substituído pela praça Praça Mahatma Ghandi, que abriga moradores de rua e tem um chafariz eternamente desativado. É difícil explicar como isso justificou a demolição de um palácio.