A onda republicana que não veio tem consequências para a elaboração de políticas em Washington. Um resultado da nova maioria republicana na Câmara, bem apertada, é que as propostas extravagantes e marginais das franjas de ambos os partidos terão mais atenção. A batalha vindoura quanto ao aumento do teto da dívida vai servir como exemplo disso.
O teto da dívida, agora em cerca de 31,4 trilhões de dólares, limita o montante da dívida total que o governo federal pode fazer. Para se ter uma ideia, a dívida já é maior do que o PIB dos EUA, de 25,7 trilhões de dólares.
Todo ano o governo dos EUA está deficitário, por isso toda hora o Congresso tem que aumentar o teto da dívida. Se não aumentar, o governo não poderá flutuar para novos limites, correndo o risco de um apagão geral ou parcial. O governo deve chegar ao teto por volta de julho, e tem que aumentá-lo antes disso.
Os aumentos de tetos de gasto costumam ser rotina, mas, como supramencionado, uma maioria apertada dos republicanos na Câmara, a votação deste ano é incerta. Os analistas políticos já estão aventando ideias da qualidade variada para lidar com o drama iminente no Congresso.
Entre as piores está a ressurreição do experimento de pensamento da moeda de um trilhão de dólares, que circulou na imprensa uns anos atrás. O Departamento do Tesouro poderia, em tese, cunhar uma única moeda de platina que valesse um trilhão e depositá-la na Reserva Federal, que a usaria para quitar a dívida e voltar para baixo do teto de dívidas.
A principal razão para isso não funcionar é que o dinheiro deve corresponder a uma produção real para reter o seu valor. Se o montante de dinheiro chegar a um trilhão de dólares enquanto o montante de bens e serviços permanecer o mesmo, o resultado é inflação.
Janet Yellen, atual secretária do Tesouro e ex-conselheira da Reserva Federal, tinha razão em chamar a ideia da moeda trilionária de fantasia que erode a independência da Reserva Federal. Esta já tem o poder de criar dinheiro e comprar a dívida federal. Estava fazendo isso até março de 2022, e poderia continuar a fazer sem a interferência do Executivo. A razão de ter parado é que isso contribuía para a inflação de hoje.
Em resposta à queda da pandemia, a Reserva Federal implementou algo parecido com a moeda de um trilhão, exceto pelo metal. Ela criou cerca de 5 trilhões em dinheiro novo entre 2020 e 2022, numa tentativa de estimular a economia. O resultado foi a inflação massiva que o banco central ainda está lutando para controlar.
A moeda de um trilhão causaria uma inflação equivalente a um imposto excepcional de três mil dólares sobre cada americano — por cima da inflação pre-existente de 6,5% em 2022 e dos 4,9 trilhões que o povo pagou em impostos federais. Esse imposto da moeda de um trilhão iria se manifestar de maneiras sutis, coisa que muitos analistas não perceberam. Haveria um pequeno aumento de preços em tudo, bem como um aumento nas taxas de juros nominais, que distorceria decisões de investimento e de negócios. Haveria uma marola sobre os preços de casas e carros, que dependem muito de financiamento. Parte do custo seriam custos de oportunidade, por meio de crescimento desacelerado.
De qualquer jeito, um trilhão compraria menos do que um ano de alívio no teto de gastos. Depois disso, ou o Tesouro teria de cunhar outra moeda, ou a liderança teria de ceder a quaisquer exigências que os populistas do Congresso inventassem em troca do seu apoio ao aumento do teto.
Há maneiras melhores de abordar o problema, ainda que nenhuma delas seja fácil. Uma é focar na causa: o gasto excessivo. Para começo de conversa, isso exigiria que o Congresso e o Presidente Biden parassem de aprovar infinitas leis gastadoras que pouco têm a ver com o alívio da pandemia. Os republicanos não podem consertar a crise de dívidas dos EUA com um bloqueio, e o Presidente Biden não pode consertá-lo se recusando a levar reformas em conta (nenhuma das quais deveria envolver moedas de um trilhão de dólares).
Ademais, a crise de dívidas teria de ser domada junto com a iminente crise da previdência (entitlement). O seguro social tem obrigações sem fundos de 42,2 trilhões; o Medicare tem 92,1 trilhões. Uma reforma da previdência poderia ser uma terceira via política, mas a matemática não pode ser ignorada. Substituir o modelo insustentável do "vá pagando" por contas pessoais, similares às contas de aposentadoras individuais e de poupanças médicas é a melhor maneira de consertar o problema da dívida no longo prazo.
Propostas menos sérias, como tornar automático o aumento do teto, ou obstruções para travar os deputados extremistas, tampouco vão resolver. O gasto e a dívida vão continuar a crescer. Esta é a raiz do problema.
A política pode ser um entretenimento para alguns, mas as políticas são coisa séria. O tempo decorrido até o votação do teto de gastos neste verão boreal sem dúvida será excitante para a TV, mas não podemos nos desviar da necessidade de uma abordagem esclarecida para o problema do gasto e da dívida. Tem que acontecer em algum momento. Por que não agora?
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