Hoje os EUA têm um líder barato cuja vaidade não conhece limites. Têm uma família predadora fazendo seus ninhos sem respeito à lei ou a decência. Temos um desprezo pelos valores internos e externos, desdém pela democracia, fome de restringir a imprensa livre e admiração por brutamontes de qualquer lugar do mundo.
Temos todos as características de uma república das bananas. Mas pior que isso, estamos mostrando os típicos sinais de um estado em decadência. Nosso governo parou de funcionar. A política partidária e o interesse próprio fizeram com que os partidos se rendessem a um apagamento de suas responsabilidades com os constituintes e com a Constituição dos EUA. Diariamente, republicanos veem seu líder violar não só as tradições e os padrões do escritório que ocupa, mas também, por inatividade, permitem com que ele lucre com a presidência, promovendo políticas que beneficiam seus camaradas e sua classe em detrimento da maioria dos americanos e atacando os princípios sob os quais o país foi fundado - desde liberdade de religião até a separação dos poderes.
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Acontecimentos recentes fizeram que a situação, que já era cruel, piorasse. Agora sabemos que Donald Trump escolheu para conselheiro de segurança nacional um homem que foi demitido pelo presidente anterior — que inclusive alertou Trump sobre a contratação. Sabemos que a Casa Branca falhou em vetar a entrada desse homem, que agora tem acesso a alguns dos segredos e decisões mais delicadas do governo. Sabemos que esse homem, o General Michael Flynn, recebeu pagamentos consideráveis em dinheiro da Rússia e de um aliado nominal com quem temos relações precárias, a Turquia. Sabemos que Flynn falhou ao declarar esses pagamentos, violando a lei.
De fato, sabemos que a única coisa que pode deixar Flynn de fora da cadeia é se ele conseguir fazer um acordo com os procuradores que investigam seu caso. Como consequência das revelações associadas a essa investigação, sabemos que Flynn tinha contato frequente com oficiais russos durante a campanha de Trump e que, depois de ter sido nomeado conselheiro nacional de segurança, teve conversas com o embaixador russo sobre as quais mentiu para o povo americano e, aparentemente, para o vice-presidente dos EUA. Sabemos que essas conversas provavelmente foram ilegais.
Não sabemos quando o presidente percebeu as relações de Flynn com a Rússia e se as aprovava ou não. Mas sabemos que outros membros da campanha - incluindo o diretor da campanha, nomeado conselheiro de política externa - também tem relações próximas o suficiente com Moscou para que se sentisse forçado a renunciar durante a campanha. Nós também acreditamos que eles estejam no centro de uma investigação federal que começou durante a campanha do ano passado sobre a natureza das relações com o governo russo e até que ponto eles tentaram influenciar a democracia americana. Também sabemos que outro conselheiro de campanha de Trump, Roger Stone, admitiu ter contato com agentes russos conhecidos incluindo contato que pode sugerindo uma conspiração sobre o momento de disponibilizar documentos hackeados que prejudicaram a campanha da candidata oponente, Hillary Clinton.
O Trump já sabia dessas relações controversas ainda antes da Convenção Republicana no ano passado. Obviamente ele tem ciência das investigações desde que ganhou as eleições. Mas isso não serviu para mudar sua posturas públicas - ao contrário, várias vezes expressou abertamente sua admiração por Vladimir Putin, apoio ao ataque de Moscou contra a democracia americana e às políticas que beneficiariam os russos e chegou até a defender que os russos não eram responsáveis por esses ataques - ainda que toda a inteligência dos EUA acredite que sim.
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Em 24 de janeiro Trump foi avisado pela procuradora geral dos EUA, Sally Yates, que existiam evidências convincentes de que Flynn tivesse mentido e estivesse relacionado com os russos. E Trump não fez nada. Por três semanas, Flynn continuou a servir à segurança nacional, recebendo informações secretas, participando de chamadas delicadas e planejou as atividades da segurança nacional interna e externa da administração de Trump. Foi só quando um jornal revelou a investigação que Trump foi forçado a tirá-lo do cargo. Antes disso, Trump, além de ter outros motivos, mostrou seu descaso com as operações independentes do Departamento de Justiça - tanto que demitiu a mensageira das notícias sobre Flynn.
Agora, dias depois do testemunho de Sally Yates e do ex-diretor do FBI no Congresso, ficou claro que existia uma investigação séria em andamento sobre as relações da equipe de Trump com a Rússia. O presidente escolheu demitir o diretor do FBI. No meio de uma investigação sobre a possibilidade de que alguns de seus conselheiros mais próximos tenham cometido crimes gravíssimos - e antes de alguém saber qual teria sido o papel ou conhecimento de Trump em relação a esses crimes - Trump demitiu o homem que comandava as investigações. Incluindo a exoneração do procurador americano Preet Bharara, foram três demissões de grandes figuras que estavam envolvidas centralmente na investigação da administração de Trump no curto espaço de tempo que o presidente está em serviço.
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Não sabemos quais crimes foram ou não cometidos - mas conseguimos perceber um padrão de comportamento que é muito preocupante. Trump tem mostrado um desrespeito imprudente com a segurança e os interesses nacionais. E quando apareceram questionamentos sobre a legalidade do comportamento de seus aliados, Trump agiu de formas que impediam o trabalho daqueles em busca da verdade. (Ou ainda pior, ele usa o Twitter e outras mídias para fazer o que nunca fez com os russos que atacaram a nossa democracia: ele denigre e desacredita indivíduos que estavam fazendo seu trabalho e seguindo seus juramentos).
Esse comportamento perturbador se torna pior pelo fato de que em outras circunstâncias, como quando a legalidade das políticas de imigração foram repetidamente atacadas nos tribunais, ele atacou juízes e mostrou falta de apreciação quanto a independência e o status equivalente do jurídico e do executivo perante o sistema de governo americano. Em outras palavras, ele mostrou repetidamente um desejo de atacar o sistema, as leis e a Constituição que jurou preservar. Ele fez isso usando todas as ferramentas de um demagogo, algumas inclusive associadas a regimes autoritários.
Chegamos a um momento de crise da história da democracia americana. É necessário voltar ao Massacre de Sábado a Noite de Richard Nixon para achar um equivalente ao massacre em slow motion de Yates, Bharara e Comey enquanto eles exerciam suas responsabilidades de investigação. Mas a pressão vai aumentar. A CNN noticiou que citações judiciais foram emitidos por associados ao Flynn sobre a questão da Rússia. Eles também noticiaram que o Comitê de Finanças do Senado está procurando registros financeiros da equipe de Trump (que necessariamente inclui o próprio Trump e seu genro, Jared Kushner, dado ao histórico de negociações com a Rússia) como parte da investigação.
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Mas enquanto a investigação ganha impulso, Trump age com mais desespero e cara de pau (como ilustrado pela ação com Comey ou seus tweets para intimidar Sally Yates antes do seu testemunho, ou ainda pelo seu comportamento bizarro como distorcer a interpretação do testemunho do ex-diretor nacional de inteligência James Clapper). A carta de Trump para a demissão de Comey referenciou “três ocasiões” em que o diretor do FBI informou o presidente de que ele não estava sendo investigado antes de dizer que ele concordava “mesmo assim” que Comey deveria ser demitido.
O que “mesmo assim” quer dizer? Parece sugerir que se Comey não tivesse afirmado que Trump não estava sendo investigado, ele teria motivos para exonerá-lo.
Trump está agindo como um homem desesperado, sem contar como culpado. O fato de sua equipe, em particular Kellyanne Conway, ter ido na televisão para argumentar o fato de que a demissão de Comey era aceitável porque Trump não estava pessoalmente sendo investigado é a defesa de um homem narcisista que não entende suas responsabilidades como presidente. É mentira depois de mentira para protegê-lo. Com cada sílaba que falam, mais culpado ele parece.
Essa atividade não é perdida no resto do mundo. Eles podem ver os EUA como nunca viram antes e reconhecer um líder que não estava pronto para assumir. Um diplomata de um país aliado disse: “nós sempre discutimos no nosso país se Trump é louco. Nós achamos que sim. Nós tivemos experiências com líderes assim da América do Sul. Mas não esperávamos ver algo assim em Washington”. É um sentimento que ouvi várias vezes nas últimas semanas.
Os EUA se parecem com um país que nunca foi. Trump é uma fonte de risos na melhor das circunstâncias, uma desgraça baseada em seu comportamento público e uma ameaça para a ordem e segurança globais com cada uma de suas ações. Ele desacredita o escritório que assumiu e o governo que lidera.
Mas para cada depredação ou ataque ao nosso sistema por Trump e sua equipe, houve uma porção do governo e sistema americanos para contrabalancear. Juízes barraram ordens executivas ruins. O FBI investiga, para infelicidade das carreiras pessoas de alguns investigadores.
A exoneração de Comey foi uma intensificação. Se Trump pode escapar com isso e nomear um lacaio como investigador chefe do que sua equipe supostamente fez de errado, o mundo vai ver os EUA como um estado em decadência, que está sendo omisso quanto as ideias sob as quais foi fundado - que ninguém está acima da lei e que os que estão no governo, incluído o presidente, trabalham para as pessoas. Somente se um promotor neutro for nomeado os EUA serão vistos como a nação de lei que sempre representou ser. Somente se uma investigação séria foi feita, incluindo a análise das relações da família de Trump com a Rússia (e qualquer outro país) e como podem ter prejudicado os EUA mandaremos a mensagem que os EUA são a nação que é vista há tanto tempo como um exemplo para o mundo.
Isso exige um comprometimento dos dois partidos com a verdade e a justiça. Finalmente, e quanto antes melhor, isso exige que o sistema e as pessoas americanas rejeitem Trump e aqueles que estão ao seu redor - que já fizeram tanto para desonrar os escritórios que ocupam minando a posição dos EUA perante o mundo.
*David Rothkopf is CEO e editor do grupo FP. Seu mais recente livro é "The Great Questions of Tomorrow."
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