Produtor Harvey Weinstein está envolvido em uma série de acusações de abuso sexual e estupro| Foto: ROBYN BECK/AFP

Um dia, quando eu tinha 19 anos, estava no meio de uma sessão de fotos para um filme da Miramax quando, de repente, recebi o aviso de que tinha que sair. Estava usando um vestidinho preto, bem decotado, deitada de lado, sedutoramente, olhando de um jeito maroto para a câmera. A personagem que interpretava em "A Lente do Desejo" não poderia ser mais diferente do que aquilo que a pose implicava: ela era uma garota esquisita, meio desastrada, que vivia de moletom e jeans e não tinha muita consciência de seu poder sexual. Porém, era daquele jeito que decidiram vender o filme e, a certa altura, cansei de ser o "problema", que é como uma atriz é invariavelmente tratada toda vez que reclama ou denuncia um tratamento pouco respeitoso ou objetificador.

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Fui retirada dali abruptamente. O assessor de imprensa disse que precisávamos estar no escritório de Harvey Weinstein dali a 20 minutos.

"Já acabamos?", perguntei. "Não, mas Harvey quer você lá agora", foi a resposta.

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No táxi, o rapaz olhou para mim e disse: "Vou com você. E não vou sair do seu lado." Soube tudo o que tinha que saber naquele momento e fiquei agradecida.

Quando cheguei lá, Weinstein não perdeu tempo: me disse, na frente do assessor e do colega ao seu lado, que uma estrela famosa, alguns anos mais velha que eu, já tinha se sentado na mesma cadeira onde eu estava agora – e que por causa de sua "relação muito íntima", tinha conseguido vários papéis de destaque e ganhado diversos prêmios. Sem rodeios, disse que se eu estivesse disposta a manter o mesmo tipo de relacionamento, teria uma carreira semelhante. "É assim que funciona", eu me lembro de tê-lo ouvido dizer. As implicações não eram nada sutis. Respondi afirmando que não era muito ambiciosa nem tinha grande interesse em atuar, o que era verdade. A seguir, perguntou a respeito do meu ativismo político e se reposicionou então como ativista "de esquerda", decididamente uma das maiores piadas que já ouvi.

Dei a entender que ele estava perdendo seu tempo, que provavelmente não seríamos amigos nem teríamos uma "relação íntima". Eu não dava muita importância à carreira de atriz. Adorava atuar, e ainda adoro, mas depois de 14 de trabalho profissional, aquilo não valia a pena, e por motivos que não estavam relacionados com o tom daquele encontro há quase 20 anos.

A atriz e diretora Sarah Polley 

Nos sets, eu via mulheres sob pressão constante para explorarem a própria sexualidade – e, quando o faziam, eram tachadas de vadias. Se atuavam como técnicas, eram praticamente invisíveis – e se tinham que fazer algo importante, ficavam sendo constantemente testadas para mostrar que realmente sabiam o que estavam fazendo. Você se sentia só no meio daquele mar de homens. Notei a minha própria tendência em querer ser "um dos rapazes", de me distanciar da humilhação de ser mulher naquele ambiente de trabalho, onde havia tão poucas de nós. Aí vinham as sessões de fotos, nas quais você era tratada como modelo, sem qualquer outra função a não ser vender a sexualidade, independentemente do tipo de filme que estivesse promovendo.

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De vez em quando penso em como teria me comportado naquele encontro com Harvey Weinstein se fosse mais ambiciosa. Estava sentada à frente de um homem dono de um poder enorme. Se estivesse interessada em fazer filmes dirigidos por cineastas interessantes, ele não era alguém que devia/podia ignorar. Como alguém sairia de um encontro como aquele, ou daquela suíte, já descritas por outras pessoas, mantendo essa relação intacta, quando ele exibia tamanha prepotência e era famoso pelo gênio? Tive muita sorte por não estar nem aí.

Logo depois, comecei a escrever roteiros e a dirigir curtas. Até então, não tinha a mínima ideia da falta de respeito com que tinha sido tratada enquanto atriz. De repente, não havia mais diretores assistentes tentando me convencer a sentar no colo deles, nenhum grupo de homens por perto para julgar a minha aparência em determinada peça de roupa. Eu podia decidir o que achava ser importante dizer e como filmar uma mulher sem fazer de sua sexualidade o foco central do contexto. Com vinte e poucos anos, fiz meu primeiro longa, "Longe Dela".

Durante as filmagens, tive o privilégio de trabalhar com Julie Christie que, embora mantivesse sua opinião sobre sua personagem, estava profundamente empenhada na nossa parceria, mostrando-se disposta a mudar o rumo da interpretação se assim eu quisesse. Foi um "presente" incrível para alguém que ainda estava começando a engatinhar na direção. Percebi que, no passado, conscientemente ou não, uma parte de mim tinha medo de dirigir. Jurei voltar para a atuação munida dessa nova compreensão sobre o trabalho colaborativo. Seria mais flexível. Fiquei empolgada para me dar inteira, sem restrições, da mesma forma que Julie Christie tinha agido comigo.

Só que eu me esquecera de um ingrediente-chave no processo de atuação: a maioria dos diretores é composta de homens insensíveis – e embora tenha conhecido vários, como também produtores, que provaram ser humanos, gentis, sensíveis, infelizmente eles são exceção, e não regra. Não é tendência desse setor atrair os seres humanos mais delicados e cheios de princípios. Passei por duas experiências no mesmo ano em que entrei para filmar com o coração aberto e fui humilhada, violada, ignorada e, em uma delas, acusada de ser sensível demais quando reclamei. Quando comentei que não achava que a cena de estupro estava sendo encarada com sensibilidade, um produtor gritou, dizendo que Dakota Fanning tinha feito o mesmo tipo de sequência aos 12 anos. "E ela está muito bem!" Uma conjectura altamente discutível, sem dúvida.

Não quero dar nomes em nenhuma dessas circunstâncias, fato que, por alguma razão, atrai críticas – o que não deixa de ser engraçado porque quando dão nomes, as mulheres também são criticadas. Não há uma única maneira de fazer esse tipo de coisa. Tem que ser na sua hora certa, nos seus termos – pelo menos é essa a minha maneira de agir quando se trata de falar sobre experiências de impotência.

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Não atuo há quase dez anos. Ultimamente andei pensando em tentar redescobrir o que já fez essa carreira valer a pena – afinal, é um trabalho muito bonito, baseado na empatia e na conexão entre os seres humanos. Além disso, parece estranho dar as costas para algo que se fez durante tantos anos. Porém, também faz tempo que não acho que valha a pena me abrir e me mostrar vulnerável em uma indústria que faz questão de deixar claro seu desprezo pelas mulheres.

Há alguns anos, procurei duas atrizes bem-sucedidas em Hollywood com uma ideia para uma comédia: escreveríamos o roteiro, dirigiríamos e estrelaríamos um curta sobre as experiências mais malucas e horrendas que já tivemos no set. Contamos nossas histórias umas para as outras, achando que seriam hilárias. Estávamos muito animadas e esperançosas em relação ao projeto, mas ao ouvirmos o que tínhamos para contar, caímos no choro, inconformadas com nossa própria inconsequência – como pensar em transformar aquelas histórias de horror em comédia? Eram casos de abuso. Quando relatadas em voz alta, era só o que contavam, não tinha jeito de adaptá-las para ser outra coisa. Era assim que tentaríamos superar o trauma, integrá-lo à nossa vida – rindo dele. Desistimos do filme, mas não da missão de revelar o peso dessas histórias, que tínhamos escondido de nós mesmas.

Harvey Weinstein poderia ser o protagonista de uma versão hollywoodiana de predadorismo, mas é apenas uma pústula aberta em uma indústria doente. A única coisa que chocou a maioria dos profissionais do ramo nessa história foi que, por algum motivo, as pessoas começaram a prestar atenção. Só esse reconhecimento permitiu que muitas de nós respirassem pela primeira vez em vários anos.

E o que me restou foi um problema inquietante: como muitos, eu sabia o que ele fazia, e não só pelo encontro relativamente comportado que tivemos. Durante anos ouvi as histórias medonhas que agora estão horrorizando as pessoas. Como muitos, eu não sabia como agir em relação a tudo isso. Eu cresci nesse ramo, cercada pelo comportamento predatório, e a ideia de convencer as pessoas a se revoltarem me parecia uma ambição tão inatingível quanto tirar o sol do céu.

Quero crer que a forte onda de nojo que esse tipo de comportamento desperta leve a mudanças reais. Tenho que achar que muitos bambambãs serão mais cuidadosos – mas torço para que, quando este momento de sororidade barulhenta se dissipar, não termine com alguma mulher no banco dos réus, sendo taxada de louca, como geralmente acontece nesses casos.

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Torço para que as formas através das quais as mulheres são degradadas, tanto explícitas como sutis, comecem a parecer coisa do passado.

Para que isso aconteça, acho que temos que identificar o que mais nos assusta. Temos que analisar o que nos vai por dentro. Até agora nos dispusemos a aceitar a impotência por causa do medo, da ideia de que nada pode mudar? O que mais estamos ignorando, em todos os aspectos da vida? O que mais engolimos, mas que, lá no fundo, sabemos ser totalmente inaceitável? E o que faremos a esse respeito agora? 

*Sarah Polley é roteirista, diretora e atriz.

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