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Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os números sobre a morte de negros pela polícia no Brasil são distorção militante

Números sobre mortes de negros: população negra é inflada nas estatísticas
Números sobre mortes de negros: população negra é inflada nas estatísticas (Foto: BigStock)

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Sempre, sempre que o leitor se deparar com estatísticas acachapantes sobre negros no Brasil, aposte que está lidando com distorção de militante. Agora saiu o relatório de uma ONG chamada Fórum Brasileiro de Segurança Pública segundo o qual 79% dos que morrem em operações policiais são negros. Ao ouvir esse dado tão alardeado, um paranaense, um mato-grossense ou até um paulista achará plausível a ideia de que o racismo cause isso, pois os negros são muito poucos na população. Não sabem, porém, o significado de “negro” no jargão militante. Em 2004, após lobby do movimento negro, o IBGE passou a considerar que “negro” significa o somatório de pretos e pardos.

Como funciona o IBGE 

Classificação racial é algo que nunca fez muito sentido no Brasil, porque aqui somos muitos mestiços. Assim, o censo brasileiro tradicionalmente classifica por cor da pele, sem referência à ancestralidade. Um sarará é branco; o índio puro e o mulato são pardos. Negro, só o bem escuro. O censo do Império trabalhava com cores desde 1849. No Brasil colônia, censos mais localizados tinham termos que variavam de região para região, e que hoje deixam historiadores encafifados – termos como “cabra” para se referir a um biotipo humano.

Desde quando foi  criado, em 1940, o IBGE pergunta ao entrevistado qual a sua cor, em vez de sair com uma tabela cromática usada pelos racistas da época. Desde então, os brasileiros escolhem se autodeclarar pretos, brancos, pardos, amarelos ou indígenas. Estas duas últimas categorias são novas, feitas para caberem os descendentes japoneses e os índios que vivem em tribo.

É claro que alguém com traços indígenas pode se autodeclarar índio, como fez o vice-presidente Hamilton Mourão; mas o habitual na área de maior sangue indígena – a Amazônia – é que os cristãos descendentes de índio, mesmo puros, se declararem pardos, e os índios de reserva ambiental se declararem índios. Assim, no Amazonas 68% da população se declarava parda em 2010, 4% índia e 4% preta.

Em 2004, o IBGE aderiu ao lobby racialista, e resolveu criar a categoria de negros, que consiste no somatório dos autodeclarados pretos aos autodeclarados pardos. Dizia-se que falta consciência aos afrodescendentes para reconhecer a própria negritude, de modo que cabia ao burocrata retificar as autodeclarações por meio desse expediente que apaga o caboclo. Que a autodeclaração gera distorções, é verdade. Mas nenhum expediente foi tomado contra os pardos que se autodeclaram brancos: todo o interesse é o de inflacionar os negros.

Ao cabo, isso serviu para transformar os negros – que hoje são só 9,4% da população brasileira – em maioria (56,2%) do Brasil. E isso municiou os militantes de sempre para clamar por cotas raciais para negros, as quais são preenchidas após comparecimento num tribunal racial composto por militantes do movimento negro. O moreno que se declara pardo comparece, é recusado pelos militantes, e depois tem a sua cara estampada em jornais como falsário que quis se passar por negro. O jornalismo, amiúde engajado nas pautas identitárias, nunca esclarece que o tribunal racial usa um conceito novo e muito contraintuitivo de “negro”.

No relatório não tem pardo 

No relatório da ONG, as categorias raciais são negros, brancos, amarelos e indígenas. Sem pardo. Logo, ficamos sabendo que “negro” é usado segundo o jargão militante.

O relatório mete até George Floyd no meio. Cito-o: “A morte de George Floyd, em maio de 2020, reacendeu o debate sobre letalidade policial e racismo nas instituições policiais não só nos Estados Unidos, mas também no mundo. No Brasil, casos como o de João Pedro, Mizael e Rogério somam-se às recentes vítimas de intervenções policiais com resultado morte no país, cujo perfil, majoritariamente formado por jovens, negros e do sexo masculino, deve ser considerado enquanto evidência na formulação de políticas públicas de segurança e de controle do uso da força.” Os casos aludidos são o de um mulato de 14 anos morto em São Gonçalo numa operação trapalhona feita prender um traficante, um moreno claro de apenas 13 anos morto dentro de casa em uma cidadezinha do interior do Ceará dominada por traficantes que mandaram fechar o comércio por dias  e um outro moreno claro de 19 anos morto por não querer parar numa abordagem policial no bairro paulistano de Sacomã. Este último estava de capacete, e era impossível o policial ver a sua cor. De todos, o único que poderia ir para um tribunal racial sem medo de ser feliz é o fluminense.

Quem faz a classificação do morto? As secretarias de segurança pública de cada unidade federativa? Mas elas usam todas o mesmo critério? Ao registrar BO, a polícia baiana me considera parda. Certa feita perguntei como é a classificação, e o policial explicou que o procedimento da polícia baiana é considerar todo mundo pardo, a menos que seja um gringo ou um negro bem negro. Se o mesmo critério do BO é usado no óbito, ignoro. Não há nenhum esforço da parte dos pesquisadores em esclarecer quais sejam os critérios adotados.

Na verdade, nem sempre os dados do relatório são das secretarias estaduais, que em algumas tabelas sobre violência estão substituídas pelos do “Monitor da Violência, elaborado pelo G1, em parceira com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.” Ou seja, a ONG, em parceria com a Globo, subsidia a própria ONG com dados, em detrimento dos órgãos estaduais.

Cota racial pra morto 

Diz o relatório da ONG: “No que tange à raça/cor, 79,1% das vítimas de intervenções policiais que resultaram em morte eram pretas e pardas, indicando a sobrerrepresentação [sic] de negros entre as vítimas da letalidade policial. Este percentual é superior à média nacional verificada no total das mortes violentas intencionais, em que 74,4% de todas as vítimas são negras. É de destacar que padrão similar foi encontrado entre os policiais vítimas de homicídio e latrocínio, sendo que 65,1% dos agentes de segurança assassinados no último ano eram pretos e pardos.”

Qual é o grande problema apontado? A desproporção entre a quantidade de negros (pretos + pardos) mortos e a quantidade de negros (negros + pardos) no Brasil! Os “negros” são 56,2%, daí serem “sobrerrepresentados” nos números citados (79,1%, 74,4% e 65,1%). Tudo se passa como se o real problema da população não-branca no Brasil fosse a pouca morte de brancos, uma vez que, para corrigir a “sobrerrepresentação” dos não-brancos, basta matar mais brancos.

As cores dos brasileiros variam pelas regiões 

Os dados nacionais de cor mais recentes e detalhados por área no IBGE têm somente as categorias preto, pardo e branco. O maior grupo estatístico é o de pardos, com 46,8%. Três regiões do Brasil têm maioria parda: o Norte (72,2%), o Nordeste (62,5%) e o Centro-Oeste (53,4%). O Sul é a única região com maioria branca (73,2%), mas o Sudeste tem os brancos como o maior grupo, constituindo 50,0% da população. O próprio Sudeste tem uma diversidade interna muito grande, já que apenas o estado mais populoso, São Paulo, tem maioria branca (57%), enquanto que o Espírito Santo tem maioria parda (50,4%). Minas Gerais e o Rio de Janeiro não têm nenhum grupo majoritário.

Os pretos não são maioria em nenhuma região ou estado. A região com a maior proporção de pretos é o Nordeste (11,9%), e a única unidade federativa do Brasil com mais pretos do que brancos é a Bahia (cuja maioria, no entanto é parda). Populosa, a Bahia puxa pra cima a média de negros do Nordeste, assim como São Paulo puxa a de brancos do Sudeste.

Um estado de maioria parda, o Espírito Santo, já foi dos mais violentos do país, e deixou de ser. Essa mudança se deu com a ação de burocratas racialistas, ou com coisas práticas, tais como a tomada do controle dos presídios e o combate a criminalidade?

Os estados da Amazônia, agora, têm taxas altíssimas de violência. Chegaram à área as facções narcotraficantes para se somar aos antigos conflitos de índios, posseiros e grileiros. A FDN surge, disputa novas rotas de cocaína, banha a floresta de sangue, mas ativistas tarados por raça insistem em pegar os “negros” pardos da Amazônia e colocá-los na conta do racismo estrutural. Bom pra pedir cota depois.

O relatório da ONG até toca no assunto do narcotráfico, menciona o escândalo de André do Rap, e cita grandes operações da PF de apreensão de drogas. Por que boa parte da imprensa resolve aderir à narrativa interesseira de militante, é um mistério.

Até porque, se as mortes desproporcionais de “negros” provam o racismo estrutural, então deveríamos concluir que o Brasil é estruturalmente misândrico. Se os homens eram 48,9% dos brasileiros em 2019, e foram 91,2% dos que tiveram morte violenta, só poderíamos concluir que estão “sobrerrepresentados”, e que vivem oprimidos pelo machismo estrutural. Nada que uma epidemia de feminicídio não resolva, se for a proporção que importa.

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