Quando assisti a Vladimir Putin, com o que os russos chamam tão graficamente de seus “olhos de lata”, justificar sua invasão da Ucrânia, pensei, como muitos outros, que ele parecia um pouco fora de si. "Desnazificação", ora essa! Será que ele não percebeu que a Ucrânia, não conhecida ao longo de sua história por seu filo-semitismo, elegeu um presidente judeu, e isso por grande maioria, sugerindo assim uma grande mudança cultural no país?
Então me ocorreu que o rosto de Putin parecia um pouco inchado, e eu me perguntei se ele poderia estar tomando corticoides. Essas drogas são conhecidas por seus inúmeros efeitos colaterais, entre os quais alterações psicológicas, como paranoia e elevação e depressão do humor. Então havia a questão, é claro, de por que Putin estaria os tomando. Câncer, talvez — um linfoma? Isso trouxe à mente a observação um tanto pouco caridosa de Evelyn Waugh [escritor britânico] quando Randolph Churchill [filho único de Winston Churchill] foi submetido a uma cirurgia de câncer: que era característico da medicina moderna remover a única parte dele que não era maligna.
Se Putin estivesse tomando corticoides, sua ansiedade extrema e aparentemente bizarra sobre contrair o Covid-19 seria explicada. Tanto a condição subjacente do câncer em si quanto as drogas o teriam tornado vulnerável a tal ansiedade, e o homem que uma vez gostava de se apresentar como o Crocodilo Dundee russo, de andar por aí sem camisa e coisas do gênero, passou por uma mudança de gestalt: a invulnerabilidade foi substituída pelo oposto, o perigo invisível a cada respiração.
É arriscado, no entanto, atribuir ações das quais não gostamos à loucura. Isso ocorre por dois motivos: primeiro, o diagnóstico pode estar errado — o aparentemente louco pode de fato ser são — e segundo, a loucura pode ter sua própria racionalidade. De fato, os loucos de caráter forte muitas vezes podem levar outros consigo: eles podem persuadir os outros de que sua visão paranoica do mundo está correta. Isto é especialmente verdade quando eles possuem poder sobre pessoas de caráter menor do que eles.
As pessoas podem ser loucas e realistas ao mesmo tempo. A paranoia deles tem uma qualidade autorrealizável: se você se comportar como se as pessoas estivessem contra você, as pessoas logo começarão a se comportar como se estivessem contra você. As origens do problema perdem-se num círculo vicioso de recriminações históricas. Mas, dada uma premissa paranoica, o louco pode proceder racionalmente. Se você acha que sua comida está envenenada, é perfeitamente sensato dar para o gato experimentar antes.
O poder dos paranoicos sobre seus seguidores é, porém, frágil, assim como o dos que governam principalmente pelo medo. Separados por um tempo do contato com a visão de mundo de seu líder, ou se o domínio do medo for subitamente quebrado, o poder desmorona. A loucura do louco se revela de repente; os medrosos de repente percebem que são precisos dois para serem governados pelo medo. O megalomaníaco louco ou instilador de medo então ataca — pois ele sabe que, como o falecido Nicolae Ceaușescu, ele é poderoso ou está morto.
Na grande peça de Ionesco "A Agonia do Rei", o governante de seu reino em ruínas, absurdamente chamado Bérenger, descobre que está prestes a morrer (até então pensou que nunca morreria), e faz um discurso no qual exige que depois de sua morte todos os livros de história deveriam ser sobre ele, todas as estátuas deveriam representá-lo, todas as instituições públicas deveriam ter seu nome. É sua vingança contra a mortalidade, como talvez seja a ameaça de guerra nuclear de Putin.
Eu deveria, talvez, avisar: estou sob o efeito de corticoides. Talvez isso esteja obscurecendo meu julgamento.
Theodore Dalrymple é editor colaborador do City Journal, membro sênior do Manhattan Institute e autor de muitos livros, incluindo "Não com Um Estrondo, Mas com Um Gemido. A Política e a Cultura do Declínio".