No início do ano, a projeção de crescimento da economia brasileira era de 2,5%, mas agora o Ministério da Economia estima apenas 0,8%, contrariando as próprias expectativas.
Fatores externos contribuíram para a deterioração deste quadro, como a guerra comercial entre China e Estados Unidos, a desaceleração da economia global e o provável retorno do Kirchnerismo na Argentina. Porém, é possível apontar erros internos da equipe econômica do governo Bolsonaro.
À frente do Ministério da Economia, Paulo Guedes protagonizou diversos acertos: embora muitas sejam apenas a conclusão de processos iniciados pela equipe de Michel Temer, foram listadas 68 ações concluídas até aqui. Entre elas, a elaboração de um projeto de reforma da previdência mais robusto do que o encaminhado pelo governo anterior, a Lei da Liberdade Econômica e planos ambiciosos de privatização de estatais.
Porém, há também muitos pontos a serem criticados em sua atuação: listamos 7 deles.
1) A promessa de zerar o déficit primário ainda em 2019
Desde a campanha eleitoral Guedes passou a vender uma promessa que já nasceu morta: a de que seria capaz de equilibrar as contas públicas da União já em 2019.
Desde 2014 o governo federal é incapaz de gastar menos do que arrecada, fechando 2018 com um déficit de R$ 120,3 bilhões. A previsão do rombo deste ano é de R$ 105,919 bilhões.
Para conseguir fechar no azul, seria preciso ter receitas extraordinárias, como privatizações. A despeito da venda da BR Distribuidora, que arrecadou R$ 8,6 bilhões e da divulgação da lista de estatais que o governo estuda vender até 2022, os valores não devem ser suficientes diante do problema fiscal brasileiro.
Outra receita extraordinária que pode ajudar a melhorar a situação fiscal é o megaleilão de petróleo do pré-sal, agendado para 6 de novembro: o valor estimado é de R$ 106,6 bilhões. Porém, ele será repartido com a Petrobras. Além disso, por se tratar de receitas extraordinárias, o resultado poderia ajudar no resultado fiscal em 2019, mas não resolve o rombo dos anos seguintes.
O próprio Secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida admite que as contas devem ficar no vermelho até 2023. Isso significa que, ao contrário do prometido por Guedes, o Governo Bolsonaro não apenas será incapaz de entregar um superávit primário em seu primeiro ano de mandato, mas não fechará com as contas no azul em nenhum dos outros quatro anos.
2) Vender “R$ 1 trilhão em imóveis”
Paulo Guedes afirmou em agosto de 2018 que conseguiria R$ 700 bilhões a partir da venda de cerca de 700 mil imóveis da união.
O discurso foi endossado por sua equipe. Segundo afirmou em fevereiro seu secretário de Desestatização Salim Mattar, o governo federal tem “cerca de R$ 1,1 trilhão em imóveis para serem vendidos”.
Atualmente a União tem cerca de 3,8 mil imóveis sem utilização efetiva, sendo que muitos estão em estado de abandono.
De acordo com o secretário de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, Fernando Bispo, foram arrecadados apenas R$ 18,45 milhões até aqui em 2019. Foram feitas duas concorrências públicas, uma não contou com participantes e na outra vendeu-se apenas um dos três imóveis ofertados.
Ele projeta que ainda é possível arrecadar R$ 1 bilhão em 2019, e outros R$ 36 bilhões até o final de 2022. Se houver sucesso em seu plano, obterá R$ 37 bilhões em 4 anos de governo, 5% do número anunciado por Guedes.
3) Privatizar R$ 1 trilhão em estatais
No período da campanha, Guedes afirmou que conseguiria entre R$ 700 a 800 bilhões a partir da venda de participação do governo nas estatais.
Após assumir o Ministério da Economia, suas projeções aumentaram: R$ 1,25 trilhão para os cofres públicos.
A realidade, porém, é bastante diferente. Até aqui, foram privatizadas quatro empresas: a BR Distribuidora, a Stratura Asfaltos, a BB Turismo e a TAG. Todas elas tiveram o início de sua privatização no Governo Temer.
Na relação anunciada pelo governo federal, há 15 estatais que podem ser vendidas até o final do mandato. Enquanto isso, há outras 115 que ainda não estão nos planos.
Mesmo empresas deficitárias e dependentes de aportes do Tesouro Nacional não tiveram a venda cogitada.
É o caso de 8 estatais que anualmente dão prejuízo superior a R$ 12 bilhões: a Ebserh, que gerencia hospitais universitários; o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA); o Grupo Hospitalar Conceição (GHC); a Embrapa, empresa de pesquisa e desenvolvimento na área da agropecuária; a Amazul, que busca desenvolver tecnologias nucleares; a Emgepron, estatal de projetos navais; a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM); e a Imbel, que é fabricante de armas.
A Embrapa é reconhecida por excelência em pesquisas, e sua privatização tende a ser dificultada por seu modelo de negócios (pesquisa). Acaso fosse extinta, haveria falta de serviços que atualmente são prestadas pela empresa. No caso das demais, porém, a não privatização é controversa.
Há outros casos polêmicos que não estão na relação atual para serem privatizadas. A EBC, conhecida como a “TV do Lula”, cuja venda foi uma promessa de campanha, foi retirada da lista.
Mesmo estatais historicamente ineficientes, como a Valec, não devem ser privatizadas. A empresa pública demorou 26 anos para executar as obras da Ferrovia Norte-Sul, que liga Açailândia (MA) a Estrela d'Oeste (SP). Foram construídos 1.150 km no período, uma média inferior a 45 km por ano. Além disso, a Valec conseguiu operacionalizar apenas o trecho entre Açailândia (MA) e Porto Nacional (TO).
Antes de completar 100 dias de governo, o Secretário de Desestatização Salim Mattar declarou estar "frustrado" com o andamento dos trabalhos.
Para completar, mesmo uma empresa estatal criada no governo Temer teve dedo do governo Bolsonaro. Criada "foi criada uma nova estatal. Criada a partir de Medida Provisória a 11 dias ao final do governo Temer, a NAV Brasil surgiu de uma cisão da Infraero e será responsável pelo controle aéreo.
Porém, a base do governo Bolsonaro na Câmara trabalhou para a aprovação de sua criação. O líder do governo na Casa, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), afirmou que o objetivo é evitar que haja um “apagão” na navegação aérea. Apesar disso, ele reafirmou que o governo Bolsonaro “é liberal e tem compromisso com a diminuição do Estado”.
A prática até aqui se mostra muito distante da promessa de trilhão em privatizações.
4) Não cortou subsídios
O Brasil é uma das economias mais fechadas comercialmente do mundo. Levantamento da Inter B Consultoria, com base em dados do Banco Mundial, mostrou que a média de participação do comércio exterior em relação ao PIB entre 2009 e 2015 foi de 24%, estando o país atrás somente de Myanmar, com 22%. A média global é superior ao dobro: 51,3%.
O isolacionismo comercial é considerado o principal fator para que o Brasil seja apenas o 61º colocado entre 63 países do ranking de competitividade global, pois inibe o aumento de produtividade.
Desde que assumiu a pasta da Economia, Guedes promoveu avanços, como o fim da taxação para 2.367 produtos e iniciar negociações para acordo de livre comércio com México.
Mas durante a participação no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o Ministro da Economia estimou que cortaria os subsídios e o protecionismo brasileiro em cerca de R$ 10 bilhões.
O anúncio gerou mal estar com a Ministra da Agricultura Teresa Cristina, e acabou não avançando até aqui.
5) Ausência de projeto de reforma tributária
No início do governo, Paulo Guedes afirmava que sua equipe econômica apresentaria proposta de reforma tributária na Câmara dos Deputados assim que a reforma da previdência fosse aprovada.
A aprovação em primeiro turno ocorreu em 12 de julho, e em segundo turno logo após o recesso parlamentar, em 7 de agosto. Apesar disso, nenhum projeto foi apresentado até o momento.
A última previsão dada por Guedes ocorreu na última segunda (23) em evento promovido pelo Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte: “Semana que vem acho que a gente já começa a entrar com a nossa proposta tributária”.
Isso significa uma demora de 9 meses para a elaboração da proposta do governo.
Enquanto isso, tramitam propostas de reforma tributária tanto no Senado quanto na Câmara. O relator da comissão especial da Câmara Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) deve apresentar seu parecer em 8 de outubro.
6) Perda de tempo ao propor nova CPMF
Ironicamente, tal como Dilma Rousseff propôs no início de seu segundo mandato, Paulo Guedes defendeu a recriação de um imposto sobre transações financeiras, aos moldes da extinta CPMF.
O Ministro chegou a afirmar que um valor baixo na alíquota “não provocaria tantas distorções”. Porém, entre as alíquotas especuladas, chegou-se a falar em 0,6%, quase o dobro da CPMF.
Contudo, tributaristas enumeraram diversos riscos de um tributo sobre. O colunista da Gazeta do Povo Guido Orgis a definiu de "pior ideia da equipe econômica".
O imposto sobre transações incidem em cascata, ou seja, em cada etapa do processo produtivo. Assim, ele criaria uma distorção na produção de bens mais sotisficados e com cadeias longas, o que desestimularia ganhos de produtividade.
Além disso, ele incentivaria a desbancarização de operações, ainda mais em um contexto de popularização de criptomoedas.
Por fim, é um imposto regressivo socialmente, com os mais ricos pagando os mesmos valores proporcionais que os brasileiros de menor renda.
A defesa pela “recriação da CPMF” fez cair o Secretário da Receita Federal Marcos Cintra a mando de Jair Bolsonaro, mas Guedes também a defendia e pode não ter desistido totalmente da ideia.
7) Insistência em desoneração da folha de pagamentos
Apesar do resultado positivo em mais de meio milhão de empregos formais desde o início do ano, segundo o IBGE o desemprego no Brasil ainda atinge 12,6 milhões de pessoas.
Para tentar acelerar a geração de empregos, Paulo Guedes tem uma ideia fixa: a de que desonerar a folha de pagamentos incentivará a criação de novas vagas no mercado uma vez que as contratações formais ficariam mais baratas.
Mas a relação entre desonerar a folha de pagamentos e gerar mais oportunidades não é tão simples.
Estudo feito pelo professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts Jonathan Gruber analisou os efeitos desta política no Chile: houve redução de tributos médios sobre a folha de 30% para 5% ao longo de seis anos. Com o corte drástico, os trabalhadores chilenos que já estavam empregados foram beneficiados com reajustes salariais, mas não houve aumento de empregos.
No primeiro governo de Dilma Rousseff houve desoneração da folha de pagamento também para alguns setores. Porém, segundo conclusão de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não houve efeitos da política sobre o volume de empregos.
Curiosamente, um dos pesquisadores hoje integra a equipe econômica de Paulo Guedes: o economista Adolfo Sachsida hoje é Secretário de Política Econômica.
Além das evidências indicarem não gerar empregos, a política de desoneração da folha salarial pode aumentar o déficit fiscal, aquele mesmo que Paulo Guedes prometeu resolver ainda em 2019, mas que não deve ser alcançado antes de 2023.
Especialistas elogiam preparo equipe econômica, mas com ressalvas
Para o economista e Editor do Terraço Econômico Caio Augusto, Paulo Guedes é capacitado, sabe do que fala, mas exagera em dados (“quando não tira alguns da cartola”, diz). “Nesse sentido, o Henrique Meirelles (Ministro da Fazenda do Governo Michel Temer) era muito mais articulado e capaz”, compara.
Já para o economista Gabriel Brasil, Guedes está sendo pressionado porque prometeu muito sem apresentar um plano. "O episódio da CPMF e a reforma tributária mostram bem isso: ele tem uma agenda relativamente clara (liberalização, privatizações, desburocratização), mas peca na materialização dela", afirma.
Brasil analisa que há uma lentidão na execução da agenda de Guedes e também um “diagnóstico meio reativo”, isto é, que muda a todo instante: “Por exemplo, no meio do caminho decidiram que precisavam aquecer a demanda, então liberaram uma parte do valor das contas do FGTS. Então há um diagnóstico reativo e uma execução errática de um plano que nunca esteve pronto”, complementa.
Já Augusto critica o fato de Guedes, para ele, se exceder nos confrontos no debate público. “Serve em alguns aspectos para dar uma chacoalhada na opinião pública sobre temas relevantes, mas não pode ser a única estratégia. Seria muito mais útil que ele focasse seus esforços de articulação em explicar os porquês das reformas ao invés de brigar com quem discorda delas”, afirma.
Para o economista, o problema dessa estratégia é que as declarações polêmicas chamam mais atenção do que aquelas que “realmente interessam”. “A equipe é boa e capacitada, mas precisa ter maior foco nas ações do que nas ideias. Não podem se perder acreditando que tem as melhores ideias do mundo, principalmente porque, tal qual vimos com a Dilma, quando você acha que tem as melhores ideias do mundo talvez você comece a ficar surdo para a razão”, afirma. “Um Paulo Guedes mais Tarcísio de Freitas cairia muito bem: mais ações e menos discursos inflamados”, complementa.
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