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A prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio completou uma semana e os motivos que o levaram à detenção são considerados injustificáveis pela defesa. Ouvido pela Polícia Federal, ele negou qualquer articulação ou participação em atos antidemocráticos – alvos de investigação conduzida pelo Superior Tribunal Federal. Porém, mesmo diante de uma possível arbitrariedade cometida pelas instâncias superiores da Justiça, como o fato de a defesa só ter tido acesso aos autos cinco dias depois da prisão, entidades de defesa de classe têm se calado diante da situação.
A ordem de prisão temporária foi expedida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes no dia 26 de junho, e prorrogada a pedido do Procurador Geral da República em 1º de julho. Tudo após uma postagem de Eustáquio em seu Twitter, feita da região de fronteira com o Paraguai, em que ele fala sobre o suposto “sucesso do país vizinho no combate ao Coronavírus (...): Comércio aberto e combate à desinformação da mídia”. No entendimento do STF, havia o risco de o jornalista fugir do Brasil, e duas horas depois da postagem ele foi preso em Campo Grande (MS).
Depois de ter sido transferido para a carceragem da PF em Brasília, Eustáquio teve um mal-estar na madrugada do dia 2 de julho. Uma ambulância do Samu foi chamada e prestou atendimento ao jornalista. No mesmo dia ele prestou depoimento, ocasião em que, segundo a defesa, foi “ouvido em declarações e não interrogatório”, um sinal de que ele não teria sido indiciado no inquérito.
Eustáquio disse que foi a uma manifestação na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 21 de junho. Lá, manifestantes exibiram faixas e cartazes contra o ministro Alexandre de Moraes. O jornalista disse que esteve no ato como jornalista, para cobrir a manifestação. Questionado sobre seu apoio a atos antidemocráticos, como a volta do regime militar, Eustáquio disse que apoia “a intervenção popular” por meio da “utilização do voto de forma consciente” para “colocar no Parlamento pessoas que tenham o desejo de mudar a história da nação brasileira.”
Elias Mattar Assad, advogado de Eustáquio, disse em nota que como nenhuma outra diligência foi determinada pelo STF e nem solicitada pela Polícia Federal, não há motivos que justifiquem a manutenção da prisão do jornalista. Assad também enviou uma carta aberta a Augusto Aras, procurador-geral da República, pedindo a revogação do pedido de prisão de Eustáquio.
Assad, na carta enviada ao PGR, relata que não encontrou no pedido de prisão motivos que o justificassem. A possível fuga para o Paraguai não se justificaria, segundo a defesa, por dois motivos: Eustáquio tem relações familiares que justificariam a ida dele à região, e contra ele não havia nenhum mandado de prisão ou algo similar que lhe proibisse o direito de locomoção e livre exercício profissional.
Atuação contestada
Em outubro de 2019, Eustáquio afirmou que o jornalista Glen Greenwald teria mentido sobre o estado de saúde da própria mãe para acelerar o processo de concessão de visto americano dos filhos menores, para com eles se mudar para os Estados Unidos. Eustáquio disse ter analisado postagens da mãe de Glen em redes sociais e concluiu que ela não estava “em fim de vida”. Arlete Greenwald morreu em dezembro do mesmo ano, vítima de um tumor no cérebro. Eustáquio foi condenado a pagar R$ 15 mil a título de indenizações a Glen Greenwald.
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) fez uma postagem no Twitter se posicionando contra a prisão de Eustáquio. No texto, ela disse que só foi conhecer “esse rapaz” na entrevista feita por ele com o jurista Ives Gandra. “Eu quis ver a entrevista do Professor e acabei conhecendo o entrevistador. Não gostei do estilo dele, nem dele, para falar a verdade. Muito provavelmente, os Ministros do STF também não gostam. Mas antipatia é suficiente para mandar prender alguém?”, questiona.
O próprio advogado de Eustáquio disse, em nota à imprensa no dia da prisão do jornalista, que pela Constituição todos podem discordar do “modo de ser ou pensar de qualquer pessoa, mesmo de Oswaldo Eustáquio, em seu candente estilo próprio de jornalismo”, mas que “levar jornalistas ao calabouço, pelo uso da palavra escrita ou falada, mesmo por militância política, exige melhor reflexão e ponderação, pelo perigosíssimo precedente.”
Silêncio
A reportagem entrou em contato com sete instituições conhecidas por seus posicionamentos contra abusos sofridos pelos cidadãos, em especial jornalistas, pedindo por um posicionamento a respeito da prisão de Oswaldo Eustáquio. Até o fechamento dessa reportagem apenas três responderam o pedido – duas disseram que não vão comentar o caso e uma delas atacou Eustáquio.
Anistia Internacional
A Anistia Internacional, em seu site oficial, se define como um órgão compromissado com a justiça, igualdade e liberdade: “Quando o direito de uma pessoa é violado, o de todas as outras está em risco.” Em janeiro de 2020, a Anistia Internacional classificou como “profundamente grave” a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o jornalista Glen Greenwald. À época Operação Spoofing investigava a invasão de celulares e roubos de mensagens de autoridades (entre as quais procuradores da Lava Jato e o então juiz Federal Sérgio Moro). A Justiça rejeitou a denúncia.
No texto, a Anistia Internacional afirma que a denúncia “se soma a uma série de agressões que o presidente Jair Bolsonaro tem praticado contra repórteres, além de medidas que soam como ameaçadoras contra veículos de comunicação nos últimos meses no país.” Para o órgão, causou estranheza o fato de “Greenwald ter sido denunciado sem sequer ser investigado”. Eles cobraram esclarecimentos das autoridades policiais sobre os procedimentos que embasaram a decisão. Por fim, a entidade ainda fez outra cobrança: “É dever das autoridades garantir liberdade e segurança de atuação para os jornalistas. (...) As violências sofridas por jornalistas atentam também contra o direito à informação de todos os brasileiros e brasileiras.”
Procurada pela reportagem, a Anistia Internacional não emitiu nota oficial sobre a prisão de Oswaldo Eustáquio.
OAB Paraná
Em 4 de maio de 2020 o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, classificou como preocupantes as agressões sofridas por jornalistas dois dias antes, em uma manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, enfermeiros que faziam um ato pacífico também foram agredidos.
No texto,Telles lembrou que “a informação é um direito do povo e por isso a atividade de imprensa deve ser feita com liberdade. A imprensa ajudou muito o país na restauração da democracia, na fiscalização dos poderes constituídos e no combate à corrupção. Direito à informação é um direito constitucional, em favor da cidadania. As agressões de ontem, exatamente no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, trazem muita preocupação, porque isso não condiz com a nossa Constituição e denota repudiável atitude antidemocrática.”
A OAB Paraná, porém, não se manifestou sobre o caso do jornalista preso.
ABI
A Associação Brasileira de Imprensa tem um histórico de notas de repúdio contra agressões e ataques a jornalistas. Assim foi em junho de 2020, em pelo menos duas ocasiões. No dia 21 a associação repudiou, com razão, os atos de violência policial sofridos por um repórter e pelo diretor de um jornal gaúcho. No dia 29, quando Oswaldo Eustáquio já estava preso, a ABI repudiou uma tentativa de intimidação cometida por um deputado estadual contra uma repórter de Cabo Frio (RJ). Mas não há no site da Associação Brasileira de Imprensa nenhuma menção a Eustáquio.
Questionada sobre o fato, a ABI não se manifestou.
Fenaj
A Federação Nacional dos Jornalistas tem uma seção em seu site apenas para as notas oficiais da entidade. Somente em junho foram 14 manifestações contra agressões e ataques à imprensa. A mais recente é de 26 de junho, dia da prisão de Oswaldo Eustáquio, mas não tem relação com a prisão. A nota repudia a indicação de um profissional sem formação acadêmica no Jornalismo para assumir o cargo de subcoordenador da TV Câmara e Rádio Câmara, órgãos da Câmara Municipal de Juiz de Fora (MG). Apesar do contato feito pela reportagem, a Fenaj não se manifestou sobre a prisão de Eustáquio.
Sindijor/PR
O Sindicato dos Jornalistas do Paraná tem, entre tantas outras formas de atuação, a iniciativa de “estimular, divulgar e reconhecer o trabalho dos jornalistas paranaenses em todos os segmentos da comunicação”, o Prêmio Sangue Bom. Na 9ª Edição, em 2014, Oswaldo Eustáquio – junto a outros 7 jornalistas – ficou em terceiro lugar na premiação.
Em 4 de junho de 2020, o SindijorPR deu destaque a uma videoconferência na qual “representantes dos jornalistas e políticos de vários partidos reafirmaram que a imprensa é a essencialidade da democracia brasileira.” A nota classifica que o ato “Imprensa livre, democracia livre (...) foi uma reação ao aumento das agressões físicas e verbais contra a imprensa e aos movimentos inconstitucionais que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).”
A reportagem pediu uma posição do sindicato a respeito da prisão de Oswaldo Eustáquio, e a resposta do diretor-presidente, Gustavo Vidal, veio por email.
“Não cabe manifestação do SindijorPR, já que a prisão de Oswaldo Eustáquio não envolve a sua atuação enquanto jornalista.”
Abraji
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo também é conhecida por suas fortes posições contra agressões e ataques a jornalistas. Em 19 de junho, por exemplo, a Abraji pediu esclarecimentos sobre uma operação de busca e apreensão realizada na casa de um jornalista paraense “para dissipar quaisquer dúvidas sobre a validade e lisura das investigações.”
Oswaldo Eustáquio já recebeu uma nota de apoio da Abraji, em julho de 2019, quando denunciou uma ameaça recebida por email. O texto, porém, chama a atenção por conta das ressalvas feitas pela associação. “Ao chamar a atenção para cada caso, em nenhum momento avaliamos ou avalizamos a qualidade do trabalho publicado por jornalistas, blogueiros ou comunicadores. Não nos cabe dar tratamento diferenciado aos ameaçados com base no que publicam, ainda que o conteúdo seja controverso, ofensivo ou mesmo falso. Cada um deve ser responsável pelo conteúdo que leva a seu público. Cabe ao público avaliar o conteúdo. Se o autor cometer eventual ilegalidade ou abuso no exercício de sua atividade, é na Justiça que a questão deve ser resolvida.”, diz a nota.
Procurado pela reportagem, o presidente da Abraji, Marcelo Träsel respondeu de forma breve. “Estamos acompanhando o caso, mas não temos uma posição para compartilhar com a imprensa no momento.”
Instituto Vladimir Herzog
Vladimir Herzog é um dos símbolos da perseguição à imprensa durante o período da ditadura militar no Brasil. O jornalista foi torturado e morto em outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi, órgão de repressão do Exército durante o período. A liberdade de expressão tornou-se um dos pilares da instituição que leva seu nome, ao lado da Democracia e dos Direitos Humanos.
No último dia 30 de junho, o instituto protocolou, ao lado de outras entidades, uma ação contra “a omissão do Governo Federal em promover medidas de segurança para garantir a atuação de jornalistas e comunicadores” que trabalham no “cercadinho” do Palácio da Alvorada. Na ação, o instituto reforça que “a proteção aos profissionais de imprensa é, acima de tudo, uma garantia ao direito de liberdade de expressão, pilar fundamental para o bom funcionamento da democracia e condição necessária para o exercício da cidadania.”
Em resposta ao pedido de posicionamento sobre a prisão de Eustáquio, o Instituto Vladimir Herzog classificou a atuação profissional do jornalista como “postura absolutamente incompatível com o Estado democrático de Direito e completamente dissonante do ideal de sociedade justa e plural que defendemos e, há mais de dez anos, atuamos para ajudar a construir.” O texto afirma que nos últimos meses Oswaldo teria ganho notoriedade e atraído simpatia de grupos conservadores e extremistas “basicamente por usar ferramentas de comunicação para caluniar, difamar e ameaçar autoridades, jornalistas e instituições democráticas.”
“Entendemos que a livre circulação de ideias e de opiniões é um pilar fundamental para o bom funcionamento do regime democrático. No entanto, injúria, calúnia e difamação são crimes e ilícitos civis que não podem, em hipótese alguma, ser confundidos com o exercício da liberdade de expressão. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, tem produzido uma série de pareceres que estabelecem esse limite de maneiras bastante claras e, até, pedagógicas”, segue a nota.
Entre as manifestações contrárias à prisão de Eustáquio, algumas o citam como um preso político. Questionado sobre essa condição, o Instituto Vladimir Herzog respondeu de forma enfática. “Oswaldo Eustáquio Filho é um contumaz apoiador do presidente Jair Bolsonaro e das políticas públicas que este governo vem implementando desde que assumiu o poder. Chegou, inclusive, a ocupar um cargo no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A expressão ‘preso político’ para se referir a ele, portanto, não se apoia nos fatos e, na verdade, caracteriza uma lamentável provocação aos cidadãos que lutaram incansavelmente, muitas vezes sacrificando as próprias vidas, pelo fim da ditadura e pela redemocratização do Brasil.”