Emmanuel Macron, favorito para vencer a disputa pela presidência francesa no próximo mês, tem sido saudado como um potencial salvador dos mercados financeiros e da União Europeia. Isso requer um salto de fé.
O problema é que Macron pode estar se dirigindo a um território que derrubou outros antes dele. O desafio de reformar a França foi demasiado para o ex-presidente Nicolas Sarkozy e só está piorando na medida em que uma nova divisão entre os campeões de protecionismo nacionalista e os defensores de fronteiras abertas realinha a política pós-guerra em todo o mundo ocidental.
A Europa passa por um “terremoto” político semelhante ao da era da industrialização, responsável por gerar muitos dos partidos políticos tradicionais cujo apoio agora está desmoronando, disse Edoardo Bressanelli, professor de política no Kings College, em Londres. Essa mudança sísmica permitiu a Macron preencher o vácuo quando socialistas e republicanos ficaram de fora da corrida presidencial pela primeira vez em seis décadas. Mas ela também ameaça engoli-lo.
O risco ficou exposto em 26 de abril, na área externa de uma fábrica da Whirlpool Corp. próxima a sua cidade natal de Amiens, no norte da França, quando tentou explicar a manifestantes a importância de se respeitar os direitos dos investidores estrangeiros.
Uma mulher disse que eles estavam cansados de governos tradicionais que fazem promessas e depois nada cumprem em prol deles. “Eu não sou de esquerda, eu não sou de direita”, bradou Macron acima da multidão de trabalhadores irritados. Enquanto isso, sua rival, a candidata de extrema-direita Marine Le Pen, prometeu manter as portas da fábrica abertas. Ela atacou Macron como um defensor da “globalização selvagem”.
Apoio
A questão não é tanto se Macron, de 39 anos, ganhará no dia 7 de maio, mas sim se ele acabará por sucumbir a tais forças. E, se o fizer, a alternativa populista de Le Pen estará esperando, preparada.
“Você tem que perguntar, o que Macron fará?” Disse Jan Zielonka, professor de política europeia na Universidade de Oxford. Ele está escrevendo um livro, Counterrevolution (“Contrarrevolução”, em tradução livre), que descreve como a reação atual teve origem antes da crise financeira ou da ascensão da China às reformas liberais na década de 1990. “Ele tem que encontrar uma solução rapidamente e, por esses dias, ele terá pouco tempo.”
Um problema é que o movimento Em Marche! de Macron, criado faz apenas um ano, não tem legisladores no atual parlamento francês, e terá dificuldades para ganhar os 289 assentos necessários para assegurar uma maioria governante nas eleições de junho. Assim, ele ainda precisará contar com legisladores dos principais partidos derrotados para formar um governo e se guiar pela de legislação.
Segundo Mark Leonard, diretor do Conselho Europeu de Relações Exteriores, eles podem estar em dúvida a respeito de ajudá-lo a ter sucesso. Se o fizerem, correm o risco de perder eleitores para a En Marche! Se o prejudicarem, podem desperdiçar uma última chance de manter o tipo de mundo que querem, impulsionando a próxima candidatura de Le Pen à presidência em 2022.
“Para os socialistas em particular, é uma escolha entre a morte por asfixia ou afogamento,” disse Leonard.
Hipótese do congelamento
Em 1967, dois cientistas políticos escreveram um artigo seminal sobre o que eles chamaram de “hipótese de congelamento.” Eles observaram que desde o surgimento de partidos socialistas e conservadores para defender qualquer um dos lados da divisão social criada pela industrialização do século XIX, os mesmos partidos se mantiveram mesmo quando as sociedades mudaram. Agora, o congelamento acabou.
Uma nova leva baseada no nacionalismo está removendo questões de classe social e distribuição de renda como princípios organizadores da política. Os partidos tradicionais em toda a Europa estão perdendo apoio e a transição está se revelando confusa em toda parte.
Na Holanda, onde as barreiras à entrada para os partidos políticos são baixas, alguns novos se tornaram protagonistas no parlamento representando e promovendo a reação nacionalista. Nas eleições de março, o Partido da Liberdade, contrário à imigração e aos muçulmanos, ficou em segundo lugar, enquanto a fatia de votos do Partido Trabalhista, de centro-esquerda, despencou de 25% para apenas 6%.
No Reino Unido e nos Estados Unidos, onde o sistema de votação torna muito mais difícil a entrada de novos partidos, os estabelecidos da direita - Republicanos e Conservadores – estão mudando para envolver a reação violenta.
A Alemanha, grande beneficiária do comércio internacional, está até agora se provando uma importante exceção ao contágio populista.
Última esperança?
Essa nova linha de falha da política não está em nenhum lugar mais claramente exposta do que na disputa acirrada pelo Palácio do Eliseu. Le Pen quer retirar a França do euro e da União Europeia, travar a imigração e endurecer as fronteiras do país. Macron, um ex-banqueiro do Rothschild, apoia o comércio global, a imigração e a UE.
Se ele prevalecer, como é esperado, o risco é que Macron sofra o mesmo destino de outra esperança de reforma europeia, o ex-primeiro-ministro italiano Matteo Renzi.
Renzi chegou ao poder em 2014 como o rosto novo que salvaria o sistema econômico e político de seu país reformando-o de dentro, exatamente como Macron está prometendo fazer na França. No entanto, ele acabou renunciando no final do ano passado. Seu fracasso está conduzindo, outra vez, os eleitores italianos para os partidos populistas que prometem rasgar o sistema.
As pesquisas de opinião estão projetando uma vitória fácil para Macron, um ex-ministro da economia que nunca ocupou um cargo eleito. Isso, mesmo depois que Le Pen e outro candidato anti-establishment, Jean-Luc Melenchon, da esquerda, levaram cerca de 40% dos votos.
O risco é que Macron entre para a história como o último presidente francês a prometer e deixar de entregar as reformas que a economia de US$ 2,4 trilhões precisa para estimular o emprego, o crescimento e a fé no sistema político.
“A votação do primeiro turno mostra, na verdade, que a França está em um estado de crise fundamental – uma crise de Estado e uma crise econômica”, disse Dominique Reynie, professora de política do Instituto Sciences Po, em Paris. “Posso lhe dizer que se um conselheiro presidencial consegue, no intervalo de três anos, tornar-se presidente, é porque o sistema está desmoronando.”