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Mudanças climáticas

Otimismo quente: as boas consequências do aquecimento global

Arte do planeta com um termômetro mostrando alta temperatura
As consequências negativas do aquecimento global ganham muita atenção, mas as positivas existem e devem ser compreendidas. (Foto: Bigstock / Small Smiles)

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Somente um compromisso com a filosofia da ciência de Karl Popper, que prega que uma teoria pode ser refutada a qualquer momento, levaria hoje os estudiosos do clima e do tempo a admitir que podem estar errados a respeito do aquecimento global e a participação humana nisso — a assim chamada antropogenicidade. A modéstia falibilista desses climatologistas e meteorologistas pode ser mal interpretada por observadores. Na realidade, restam entre eles pouquíssimas dúvidas quanto à realidade do fenômeno.

O senso comum já indica que a conclusão faz sentido. Como fizeram os pioneiros na área ao encher aquários com gases estufa, um microambiente com mais desses gases retém mais as altas temperaturas. Além disso, não seria sensato esperar que liberar no ar toneladas e mais toneladas de carbono retidas na crosta terrestre por milhões de anos, ou na madeira e no solo por centenas a milhares de anos, não teria efeito nenhum nas temperaturas, em conformidade com os simples experimentos dos aquários.

Precisamos de energia, e isso tem consequências indesejáveis. Mas não é só de desastre que vivem as previsões do aumento das temperaturas médias na Terra. A opinião de que o aquecimento global será bom para as coisas ruins e ruim para as coisas boas “é uma visão caricata do mundo”, diz o cientista político dinamarquês Bjørn Lomborg em seu livro Alarme Falso: Como o Pânico das Mudanças Climáticas Custa Trilhões, Machuca os Pobres e Fracassa em Consertar o Planeta (tradução livre para o título False Alarm, de 2020, ainda sem edição no Brasil). Bjørn já dirigiu o Instituto de Avaliação Ambiental do governo da Dinamarca e hoje preside a organização Copenhagen Consensus.

Expansão das fronteiras agrícolas

“Como a maioria das outras coisas, o aquecimento global tem altos e baixos”, declara o escandinavo. O potencial de mais chuvas não serve só para causar enchentes, mas também para aliviar secas. Ele aposta que o problema das enchentes será menor que o benefício de levar água onde antes ela era escassa.

As novas temperaturas expandirão as fronteiras agrícolas especialmente na Rússia, deixando disponível uma grande área de tundra com um solo rico. Os russos também poderão se beneficiar de rotas comerciais facilitadas pelo degelo no Ártico.

Boa parte da Ásia Central depende de água que vem de gelo acumulado no topo de montanhas. A atmosfera mais quente tem maior capacidade de carregar umidade até o topo dessas montanhas, abastecendo rios mais caudalosos e beneficiando a irrigação de plantações. São informações do meteorologista paulista Leandro Cardoso à reportagem.

Menos mortes por hipotermia

Em uma análise do número de vítimas da pandemia baseada em excesso de mortalidade, a revista The Economist teve que excluir várias mortes causadas por ondas de calor no mesmo período — para que essas mortes não fossem confundidas com mortes por causa da Covid-19 ou medidas de contenção do vírus. Mas a hipertermia mata menos que a hipotermia.

Uma estimativa publicada em 2015 por Antonio Gasparrini, da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical em Londres, na revista médica The Lancet, com uma base de dados de 74 milhões de mortes por todas as causas em 13 países, concluiu que o calor causou meio porcento das mortes, mas o frio matou sete porcento: a hipotermia mata 14 vezes mais que a hipertermia. Por ano, cerca de 140 mil morrem de calor e mais de dois milhões morrem de frio.

Como as mortes por catástrofes naturais têm caído vertiginosamente nos últimos anos, isso pode até levar o aquecimento global a salvar mais vidas do que as que serão ceifadas, presumindo que a tecnologia consiga superar dificuldades alimentares causadas pelos efeitos na agropecuária.

Próxima era do gelo postergada

O aquecimento global é uma das maiores marcas postas no planeta pela espécie humana. Ele deve atrasar em 100 mil anos ou mais a próxima era do gelo. É a conclusão de Andrey Ganopolski, do Instituto Potsdam de Pesquisa do Impacto Climático na Alemanha, junto a dois colaboradores em artigo publicado em 2016 na revista Nature.

O planeta passa por um ciclo de eras do gelo. Para Andrey e colegas, quase começou outra logo antes da Revolução Industrial. Não estamos passando por uma era do gelo hoje, em condições como as enfrentadas pelos nossos parentes neandertais, porque havia uma concentração atipicamente alta de dióxido de carbono na atmosfera na parte derradeira do Holoceno (época geológica entre 11,65 mil anos atrás e o presente) e também graças a uma excentricidade na órbita da Terra (um movimento atípico do planeta inteiro). Eles pensam que, na ausência dos humanos, ainda estaríamos em tempos interglaciais de equilíbrio delicado. O que muda com a nossa presença é o quanto esse período menos congelante vai durar: no mínimo, mais 100 mil anos, o dobro do estimado sob condições naturais.

Algumas espécies contentes

Em seu documentário Uma Verdade Incoveniente (2006), o ex-vice-presidente americano Al Gore mostrou um urso polar tristonho flutuando sobre um pedaço de gelo em derretimento. Houve uma campanha política para declarar o ursídeo ártico “em risco de extinção”, o que foi feito pelo governo americano em 2008. Mas entidades da conservação ecológica internacional resistiram à campanha, declarando-o apenas “vulnerável”. Faz mais sentido, pois a espécie sobreviveu por um período interglacial mais quente que a atualidade, entre 130 e 115 mil anos atrás. A maior ameaça ao urso polar foi a caça indiscriminada, não as temperaturas ascendentes. Desde os anos 1960, graças à regulação da caça, seus números têm crescido, atingido mais de 26 mil em 2019 — de um mínimo estimado de cinco mil nos anos 1960.

Outros alarmes a respeito de grandes mamíferos se revelaram falsos, como uma cena de morsas caindo de penhascos da Sibéria no documentário “Nosso Planeta” (2019), da Netflix. A afirmação do documentário que a causa disso foram as mudanças climáticas foi “mentira”, declarou em seu blog a zoóloga Susan Crockford — as morsas estavam fugindo dos cada vez mais numerosos ursos polares. Uma triste mancha para a carreira do narrador do documentário, o britânico nonagenário David Attenborough.

Sem dúvida há espécies afetadas negativamente pelo aquecimento global, como os corais que perdem parte de sua carapaça de carbonato de cálcio na água acidificada pelo gás carbônico adicional — e os parceiros ecológicos que dependem deles como produtores primários desses ecossistemas submarinos.

Mas outras espécies estão exultantes com as novas temperaturas. Em uma revisão de estudos publicada na revista PNAS, Martin Daufresne, do Instituto Leibniz pelas Ciências Marítimas em Kiel, Alemanha, junto a colegas, mostra que o aquecimento global é benéfico para as espécies com menor tamanho da superfície do mar — bactérias, fitoplâncton, zooplâncton e peixes. Não é uma boa notícia para pescadores, que querem peixes maiores. Mas para os nanicos do oceano, representa oportunidade de ocupar latitudes mais altas do planeta.

Outro confortável no calor é o lagarto da Patagônia Phymaturus tenebrosus, em risco de extinção. O lagarto prefere temperaturas maiores que a temperatura média atual de seu habitat, concluíram Facundo Cabezas-Cartes e colegas do Laboratório de Ecofisiologia e História de Vida de Répteis, da Universidad Nacional del Comahue, na Argentina.

Há más consequências no aquecimento global. Mas a discussão pública passou décadas enfatizando somente as negativas — como mostrado, até quando eram falsas. Uma dose de otimismo não fará mal para ter uma noção mais precisa do que os próximos anos — das poucas dezenas aos milhares de anos — nos reservam.

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