Mussolini e Hitler: uma relação marcada por admiração e desconfiança.| Foto: Wilkimedia Commons/Arquivos Nacionais dos EUA
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Considerado o primeiro estudo realmente abrangente sobre o relacionamento entre os principais líderes do fascismo e do nazismo, 'Mussolini e Hitler: A Fraude da Aliança Fascista' (editora Amarilys) revela como essas duas personalidades se influenciaram e mudaram para sempre a História mundial.

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Ao longo de mais de 500 páginas, o professor e pesquisador Christian Goeschel, da Universidade de Manchester, narra os mais relevantes encontros entre os ditadores – uma convivência marcada, ao mesmo tempo, por admiração e desconfiança.

Começando pela primeira reunião de Hitler com Mussolini, cujos bastidores tumultuados ele relata no recorte a seguir.

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Em março de 1933, semanas após a nomeação de Hitler como chanceler do Reich, Mussolini propôs um pacto quadripartite entre França, Grã-Bretanha, Itália e Alemanha.

No esboço do tratado elaborado pelo Duce, os quatro signatários se comprometiam a dar continuidade às negociações de desarmamento em Genebra. O pacto era uma forma de enfraquecer a Liga das Nações.

Mussolini, com os nacionalistas italianos, acreditava que a ordem pós-guerra estava impedindo que a Itália se tornasse uma grande potência, enquanto Hitler, acompanhado pela maioria dos alemães, entendia que ela havia aleijado a Alemanha e a despojado de importantes territórios.

A despeito de alguma cautela dentro do Ministério do Exterior alemão, os nazistas aproveitaram o esboço do tratado feito por Mussolini como meio de enfatizar seu suposto compromisso com a paz.

Para Mussolini, que acalentava o desejo por uma política exterior agressiva por meio da qual a Itália dominaria o Mediterrâneo, o propósito do pacto era que a Itália fosse reconhecida como grande potência.

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O líder italiano sabia que o domínio de Hitler tinha enorme potencial para desestabilizar a Europa, então tomou o pacto como uma chance de desempenhar o papel de estadista mais experiente e como um meio de aumentar a influência da Itália no cenário internacional.

A ideia básica, compartilhada por muitos homens de Estado italianos antes de Mussolini e articulada mais claramente por Dino Grandi, ministro do Exterior entre 1929 e 1932 e embaixador em Londres de 1932 a 1939, era de que a Itália desempenhava o papel de “peso determinante” entre Alemanha, de um lado, e França e Grã-Bretanha, de outro.

Ainda que, na qualidade de ministro do Exterior, Mussolini fosse formalmente responsável pela política exterior italiana, ele dependia do serviço diplomático da Itália, que estava longe de ser inteiramente fascista.

Muitos funcionários do Ministério do Exterior, apesar de apoiarem a política revisionista da Itália, preferiam um relacionamento próximo com a Grã-Bretanha a um com a Alemanha. Uma aliança da Itália fascista com a Alemanha nazista, tão ardentemente desejada por Hitler, era improvável.

Poucas semanas depois da iniciativa de Mussolini, o regime nazista anunciou o boicote às empresas judaicas, demonstrando assim o papel fundamental do antissemitismo no projeto nazista. A meta do boicote, programado para 1º de abril de 1933, era conter as ondas de violência nazista na base da sociedade civil contra os judeus.

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Logo que soube do boicote, o Duce instruiu o embaixador italiano, Vittorio Cerruti, a intervir junto a Hitler. A preocupação de Mussolini era a possibilidade de Hitler muito depressa vir a causar prejuízos à sua reputação internacional e, desse modo, comprometer os esforços diplomáticos do Duce no sentido de ampliar o poder da Itália.

Mussolini enviou então uma mensagem pessoal a Hitler por intermédio de Cerruti. Agindo como o estadista sênior, Mussolini aconselhava seu colega inexperiente a cancelar o boicote, pois ele causaria danos irreparáveis à reputação da Alemanha e “aumentar[ia] a pressão moral e as represálias econômicas da comunidade judaica no mundo”.

Hitler ficou irritado quando Cerruti apresentou a ele o conselho do Duce, embora este último tivesse deixado clara sua crença antissemita em uma conspiração mundial dos judeus. Contudo, Hitler não queria desagradar Mussolini.

Depois de uma introdução polida, na qual reconhecia que o ditador italiano havia sido grande inspiração para a ascensão dos nazistas ao poder, Hitler pediu que Cerruti dissesse a Mussolini que ele, o líder nazista, conhecia melhor os perigos do “bolchevismo judaico”.

Hitler chegou mesmo a insinuar que seria lembrado dentro de poucos séculos por ter exterminado os judeus, um tema recorrente em sua violenta retórica antissemita.

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Na saída do escritório de Hitler, Cerruti topou com o ministro do exterior, o conservador nacionalista Konstantin von Neurath, que suplicou a ele que pedisse a Roma para emitir uma declaração oficial condenando a previsível propaganda antialemã no exterior que se seguiria ao boicote contra os judeus.

Mussolini concordou com essa solicitação, porque desejava manter relações básicas com Hitler. O papel central do antissemitismo para os nazistas revelava as diferenças ideológicas entre o fascismo e o nazismo da época, e Hitler não faria concessões quanto à política antissemita Agora que havia chegado ao poder, ele não tinha razões para ser servil a Mussolini.

Entretanto, o Duce continuou a se beneficiar da afinidade de Hitler em relação a ele e exerceu pressão pessoal sobre o chanceler do Reich pela aceitação do pacto das quatro potências.

Em uma mensagem enviada diretamente a Hitler, Mussolini enfatizava que sempre fora apoiador do novo governo alemão – um nítido exagero – e que a relutância de Hitler em assinar o pacto estava debilitando a posição do próprio Mussolini. No final, Hitler concordou em assinar o tratado, que, em decorrência da oposição da França, nunca chegou a ser ratificado.

Parecia, assim, que dava frutos a estratégia de Mussolini de explorar o ativo interesse de Hitler em relação a ele, e Hitler congratulou o Duce no quinquagésimo aniversário deste, em 29 de julho de 1933, por meio de um telegrama, publicado na imprensa alemã, no qual elogiava Mussolini por seu “admirável trabalho em prol da consolidação da paz na Europa”, uma referência ao pacto das quatro potências.

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Na verdade, a rivalidade quanto a qual país seria a potência fascista líder na Europa logo viria a caracterizar as relações ítalo-germânicas. Muitas questões estavam em jogo no relacionamento entre as duas nações; a principal delas era se a Áustria, país natal de Hitler, deveria ser incorporada ao Reich.

Em outubro de 1933, na conferência para o desarmamento realizada em Genebra, as negociações sobre a demanda da Alemanha pelo rearmamento se intensificaram. A delegação alemã, impelida pelo ministro da Guerra do Reich, general Werner von Blomberg, exigiu que a França e a Grã-Bretanha abandonassem sua insistência em limitar o rearmamento da Alemanha.

Em 12 de outubro de 1933, Mussolini, apresentando-se como defensor da diplomacia europeia e sublinhando novamente sua condição de líder sênior, tentou apaziguar Hitler e orientou Cerruti a sugerir ao chanceler um rearmamento gradual da Alemanha ao longo de alguns anos.

De acordo com o cônsul-geral americano em Berlim, George Messersmith, que afirmava ter tomado conhecimento desse assunto por uma “fonte muito confiável”, um Hitler enfurecido gritou para Cerruti que Mussolini “o estava abandonando e sentia inveja, porque o fascismo nunca tivera influência mundial, e que o Nacional-Socialismo era o fascismo verdadeiro”.

Ao partir, Cerruti supostamente falou às pessoas que estavam do lado de fora do escritório do chanceler que elas tinham um chefe “desequilibrado”. Eis aí uma imagem precoce do complexo de superioridade de Hitler em relação à Itália fascista.

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Para não deixar margem a dúvidas sobre a rejeição da ordem pós-Versalhes pela Alemanha nazista, a delegação alemã abandonou a conferência para o desarmamento e também a Liga das Nações em outubro de 1933, depois do lobby de Blomberg e Neurath junto a Hitler.

Esse passo representou uma enérgica reafirmação de que a Alemanha nazista não aceitaria nada menos que paridade com as grandes potências. Essa foi uma estrondosa vitória interna para Hitler, pois suas políticas fortemente revisionistas encontraram apoio em muitos alemães.

Embora Hitler tivesse tentado, na noite anterior, avisar Mussolini sobre sua saída da conferência, esse passo unilateral foi um golpe para o Duce, pois efetivamente minava uma potencial aliança revisionista ítalo-germânica dentro da estrutura da Liga.

É significativo que, a despeito de sua extrema autoconfiança, Hitler tenha julgado necessário explicar sua atitude ao Duce. Ele se dirigiu educadamente a Mussolini como “Vossa Excelência” e, para conferir autoridade à carta, fez com que ela chegasse às mãos do ditador italiano por intermédio do ministro-presidente da Prússia, Hermann Göring, em 6 de novembro de 1933.

A exemplo de ocasiões anteriores, Hitler se manteve vago sobre paralelos ideológicos entre o fascismo e o nazismo, sublinhando seu “desejo de cooperação entre nossas duas nações, unidas pelo espírito de amizade verdadeira, que [são] ideologicamente afins e podem, por meio de uma busca efetiva de [seus] mesmos interesses, contribuir sobremaneira para a pacificação da Europa”.

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Dada a experiência de ambos nas trincheiras, Hitler insistiu que ele e Mussolini deveriam preservar a paz na Europa. O líder alemão agradeceu ao Duce o apoio dado à Alemanha, antes de acusar a França e a Grã-Bretanha de ignorar a busca legítima da nação alemã pelo rearmamento.

Alguns dias mais tarde, em 12 de novembro de 1933, foram realizadas as eleições para o Reichstag, com um referendo sobre a saída da Alemanha da Conferência de Genebra. Não causou surpresa a vitória nazista com ampla maioria em uma eleição manipulada, o que garantiu um tremendo impulso ao prestígio doméstico e internacional do nazismo.

Afora os aduladores movimentos de Hitler, visando a uma aproximação com Mussolini, os jornais italianos e alemães, todos sujeitos a censura, publicaram muitos artigos hostis sobre o outro país.

Era tal a hostilidade dos relatos que Cerruti queixou-se para Neurath, no final de fevereiro de 1934, que as relações ítalo-germânicas estavam “piores [do que haviam estado] em muitos anos”.1

Reflete bem essa hostilidade a troca de relatos agressivos por ocasião da promulgação da Lei para a Ordem do Trabalho Nacional alemã em janeiro de 1934: a lei havia sido elogiada pela imprensa alemã como muito superior à Carta do Trabalho (Carta del Lavoro) italiana de 1927, a qual havia entronizado o corporativismo na economia italiana.

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Ao preservar as empresas privadas e o capitalismo e, ao mesmo tempo, suprimir os sindicatos livres, a ordem corporativista era vista por muitos na Europa como uma forma de superar os conflitos de classe, em especial durante a grande depressão mundial.

Karl Busch, um jornalista que viajara pela Itália, publicou suas experiências em março de 1934 no Der Deutsche, órgão oficial da Frente do Trabalho Alemã, a organização nazista de empregadores e empregados, cujo formato seguiu, em parte, o modelo corporativista introduzido pelos fascistas.

O artigo escrito por Busch foi temperado com observações desdenhosas, como “o fascismo não se entranhou em todo o povo italiano”. O autor valia-se de típicos estereótipos anti-italianos, insistindo: “O povo alemão é, em sua totalidade, racialmente superior”.

Para a Alemanha nazista, gabava-se Busch, “não há muito mais a ser aprendido” com a Itália fascista. Os nazistas haviam claramente consolidado seu poder de modo muito mais rápido que os fascistas, e Busch articulou essa percepção com grande agressividade.

Porém, as investidas não terminaram aí. Ele atacava também a pessoa de Mussolini: “Diz-se que recentemente o Duce envelheceu”.

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Renzetti queixou-se a Hitler das declarações “ofensivas” e escreveu uma réplica ao editor do Der Deutsche. Esta não foi publicada, pois o preconceito antiitaliano era proeminente entre os círculos nazistas e a sociedade alemã como um todo.

Hitler, desejoso por não ofender Mussolini, demonstrou a Renzetti uma fingida preocupação com o artigo. O líder alemão poderia facilmente ter orientado o editor a publicar a réplica de Renzetti, mas não o fez.

Hitler admirava Mussolini, mas não confiava no povo italiano

Essa situação revela um paradoxo na opinião de Hitler sobre a Itália e Mussolini: ao mesmo tempo que admirava o Duce como pessoa e como modelo político, ele, a exemplo de muitos alemães, via os italianos como indolentes, traiçoeiros e não confiáveis.

Finalmente, em maio de 1934, o pedido de desculpas de Busch a Renzetti colocou um ponto final nas desavenças.

Também nos círculos fascistas, muitos criticavam duramente o nazismo. Por ocasião da publicação da edição italiana de Mein Kampf, na primavera de 1934, o alvo foi ninguém menos do que o próprio líder nazista.

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No começo de março de 1934, Hitler havia escrito um novo prefácio para a edição italiana. Nesse prefácio, ele dava voz a uma opinião comum sobre semelhanças ideológicas superficiais.

Ele afirmava: “O fascismo e o nazismo, que são intimamente semelhantes em seus ideais básicos, são conclamados a mostrar novos caminhos para uma frutífera cooperação internacional”.

Antes mesmo da data da publicação oficial, o Il Popolo d’Italia exibiu uma resenha desanimada do livro de Hitler escrita por “Farinata”, o jornalista fascista Ottavio Dinale, que fora recebido duas vezes por Mussolini dias antes da publicação da resenha.

Embora não existam claras evidências de que Mussolini tenha orientado Dinale a escrever uma resenha desfavorável a Mein Kampf, essa possibilidade não deve ser descartada.

Dinale, como muitos outros fascistas hostis à Alemanha nazista, insistia que a Itália, o primeiro regime fascista, deveria traçar o caminho, e não a Alemanha, que estava obcecada com o ideal da raça alemã.

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Mussolini deve ter aprovado entusiasticamente essas ideias, pois elas confirmavam seu papel de superioridade sobre Hitler, cuja meteórica ascensão ao poder o havia destituído da posição de decano da direita europeia.

Nesse contexto, os funcionários do governo alemão tomaram a iniciativa, na primavera de 1934, de organizar um encontro entre Mussolini e Hitler.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]