Memorial a médicos falecidos com Covid em Lima, Peru, janeiro de 2021.| Foto: EFE / Paolo Aguilar
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A Doença de Coronavírus 2019 (Covid-19) causou um impacto negativo na expectativa de vida global a um nível sem precedentes nos últimos 70 anos. São as conclusões de um novo estudo publicado na revista Nature Human Behaviour por pesquisadores do Centro de Ciência Demográfica Leverhulme, na Universidade de Oxford, Reino Unido, e do Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica, na Alemanha. A expectativa de vida é uma medida do número médio de anos adicionais que uma pessoa de uma certa idade pode esperar viver. Se aumenta o número de mortes, o valor cai.

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Os cientistas usaram dados de população de 29 países, a maioria deles europeus, além dos Estados Unidos e Chile. Foram comparados os anos de 2019 (pré-pandemia), 2020 (auge da pandemia) e 2021 (ainda com pandemia, mas início de recuperação). O pior resultado foi o da Bulgária, que perdeu 3,6 anos de expectativa de vida entre 2019 e 2021, seguido por Eslováquia (-2,75 anos), Estados Unidos (-2,35), Polônia (-2,21), Lituânia (-2,14), Hungria (-2,05), Estônia (-1,93), República Tcheca (-1,85), Chile (-1,76) e Croácia (-1,75).

Como se vê neste grupo dos dez piores, leste europeu e Estados Unidos foram os mais afetados dentro da amostra. Os países do leste europeu correspondem ao antigo Bloco Oriental da União Soviética. Para eles, a pandemia foi comparável à fome sob o regime comunista. Quanto aos EUA, é preciso apontar que, além da Covid, suas comorbidades comuns no país como a obesidade, além da onda de violência junto a protestos e a epidemia de overdose por drogas são fatores contribuintes para a mortalidade no período.

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Alguns países voltaram a ter ganho de expectativa de vida em 2021, mas não é o caso dos países acima, além de Grécia e outros países com perdas abaixo de 10 meses: Escócia, Irlanda do Norte e Alemanha. As perdas acumuladas da Alemanha não somam 6 meses de vida. Quatro países recuperaram em 2021 o que perderam de expectativa de vida em 2020: França, Bélgica, Suíça e Suécia.

Idade e sexo são informativos sobre os padrões observados na mudança de expectativa de vida. Os Estados Unidos, por exemplo, recuperaram o que perderam entre os idosos em 2021, mas as perdas foram ampliadas pois nesse ano mais pessoas abaixo dos 60 anos começaram a morrer. Surpreendentemente, 60% da redução de expectativa de vida entre os americanos em toda a pandemia é explicada pelas mortes nessa faixa etária. O padrão geral foi que os maiores de 60 morreram mais em 2020, e esses idosos continuaram sendo a principal força na redução da expectativa de vida em 19 de 28 países em 2021.

Em 16 dos 29 países analisados, a já conhecida vantagem feminina na expectativa de vida — mulheres costumam viver mais que homens — foi ampliada. Como já indicavam estudos desde o começo da pandemia, os homens foram mais afetados. O líder do aumento da diferença foram os EUA, em que a vantagem feminina foi de 5,72 anos antes da pandemia para 6,69 anos em 2021.

Quanto mais pessoas vacinadas um país tinha até outubro de 2021 (data de corte do estudo), menor foi sua perda em expectativa de vida, com alta correlação (90%), o que confirma o importante papel das vacinas contra Covid-19 em evitar mortes. A Bulgária, com o pior resultado, teve baixa taxa de aderência à vacinação. Esse efeito foi mais importante entre os vacinados acima dos 60 anos.

Atitude liberal da Suécia é corroborada?

Entre os cinco melhores resultados estão quatro países escandinavos e a Suíça, que perderam menos de um mês de expectativa de vida no período. A Noruega chegou a ganhar quase dois meses de vida, em vez de perder. Chama a atenção que, atrás da Noruega, em segundo lugar nos resultados melhores, com perda de apenas um décimo de um mês de vida, está a Suécia, país que se rebelou contra medidas sanitárias de fechamento, confinamento e máscaras obrigatórias na pandemia, contrariando recomendações da maior parte da comunidade científica e órgãos internacionais.

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No excesso de mortes, que são aquelas que aconteceram acima do esperado na série histórica — número usado como indicativo mais objetivo do impacto da pandemia — a Suécia se saiu pior que Dinamarca e a Noruega, mas melhor que a vizinha Finlândia, a Alemanha e a maioria dos países europeus. A taxa sueca de excesso de mortes foi menos de um terço da americana. É importante lembrar que as mortes consideradas na análise da expectativa de vida e da taxa de mortalidade da pandemia não aconteceram necessariamente por causa da Covid. Também podem advir de outras causas, inclusive as causas ligadas às medidas para tentar conter a pandemia, como os lockdowns que a Suécia rejeitou.

Os autores do estudo, no entanto, acreditam que a Suécia pagou um preço por sua atitude com “uma perda substancial de expectativa de vida em 2020”, “diferente de seus vizinhos escandinavos”, apesar de voltar a níveis pré-pandêmicos em 2021. Há muitos fatores de confusão: no ano de 2019, por exemplo, a Dinamarca teve mais mortes de idosos por causa de um surto de gripe. A ausência desses idosos seria uma das explicações para menores perdas de expectativa de vida no país em 2020 em comparação à Suécia. No período completo de dois anos, no entanto, a taxa de excesso de mortes dos dois países foi aproximadamente a mesma. O debate continua, mas no mínimo o “liberalismo sanitário” da Suécia não foi a tragédia que muitos previram.

E o Brasil?

Na segunda metade do último século, a expectativa de vida subiu rapidamente na maioria dos países. O número mais usado é a expectativa de vida ao nascer, que no Brasil é de 76 anos, no cálculo de 2020, segundo o Banco Mundial — três anos acima da média mundial. No ano 1900, os brasileiros tinham a expectativa de viver somente 29 anos em média ao nascer, e o mundo tinha 32.

Antes da pandemia, a taxa de crescimento nos anos de vida esperados havia desacelerado nos Estados Unidos, Reino Unido e alguns outros países ricos. Os autores do estudo lamentam que não puderam olhar os dados em lugares como a América Latina e a Índia, mas especulam que as perdas neles poderiam ser maiores que as observadas na Europa e nos Estados Unidos.

Em se tratando da taxa de excesso de mortes, enquanto o Brasil teve 160 mortos extras por 100 mil pessoas em 2020 e 2021, os Estados Unidos tiveram 140, segundo a Organização Mundial da Saúde. A Bulgária teve 415 mortes extras por 100 mil, o Chile teve 101 e a Croácia, 210. Se essa taxa serve para prever o quanto o Brasil poderia ter perdido em expectativa de vida entre 2019 e 2021, então essa perda foi entre dez meses e dois anos, segundo um modelo linear simples feito pela reportagem. O resultado está de acordo com uma publicação de 2021 na revista Nature Medicine, com primeira autoria de Marcia Castro, de Harvard, que calculou uma redução de 1,8 ano em expectativa de vida no Brasil após dois anos de Covid-19.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]