Experiências passadas mostram que os erros são muitos e evidentes, mas as escolhas sábias raramente são reconhecidas e admiradas.| Foto: AFP
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Há dois temas bem conhecidos na literatura clássica. Um trata das descrições explícitas que Tucídides, Sófocles e Procópio escreveram sobre as pragas — sobretudo o sofrimento e desespero humanos que acompanham epidemias que mataram muitas pessoas. A desconhecida praga de Atenas (430–429 a. C.) matou um quarto da população ateniense durante a Guerra do Peloponeso, arruinando a estrutura social da cidade. Em 542 d. C., durante a epidemia de peste bubônica, milhões pereceram no Império Bizantino, prejudicando e por fim anulando os esforços grandiosos do imperador Justiniano de restaurar o Império Romano reconquistando as províncias perdidas do Ocidente.

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Com a mesma frequência, lemos sobre incontáveis pânicos que tiveram efeitos letais. A descrição que Tucídides faz dos preparativos da armada ateniense às vésperas da malfadada expedição à Sicília é uma espécie de conclusão fantástica do pânico que ele tinha descrito antes envolvendo a praga de verdade.

Em 415 a. C., o povo ateniense foi tomado por um repentino ímpeto de governar a distante Sicília e enriquecer com as promessas de alianças. A Sicília era vista como uma antecessora do império ateniense que abarcava todo o Mediterrâneo — até que o dinheiro e os aliados se provaram inexistentes e o plano se mostrou impossível de ser executado. No final das contas, cerca de 40 mil atenienses e aliados morreram.

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Nos Estados Unidos, o colapso do mercado acionário e bancário em 1893 e 1929 alteraram a vida norte-americana por gerações, em parte motivado pelo pânico. Uma das cenas mais dramáticas do cinema é a corrida ao banco Bailey Building and Loan em A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra. A corrida ao banco ameava transformar a idílica Bedford Falls numa favela. Na minha infância, lembro-me de pisar em besouros durante todo o verão de 1962 para impedir a disseminação da doença contagiosa que eles supostamente estavam transmitindo em todo o país — imitando o comportamento dos atenienses que desenhavam mapas da Sicília na areia, apegados à fantasia de riquezas provenientes da extravagante expedição de 415 a.C.

Na situação atual de desespero em torno do COVID-19, temos de lutar ao mesmo tempo contra o vírus e o pânico que a doença desperta, já que os dois podem ser igualmente fatais. Várias estatísticas assustadoras sobre a infecção e letalidade do coronavírus estão sendo divulgadas, geralmente para mostrar diferenças entre o vírus e a gripe comum e outras epidemias virais. Algumas pessoas argumentam que, se o coronavírus tiver uma letalidade de 1% a 3% nos Estados Unidos, de 97% a 99% das pessoas infectadas sobreviverão à doença, apesar dos vários graus de gravidade. E, para a maioria dos norte-americanos com menos de 50 anos, possivelmente 99% se recuperaram da infecção, o que é diferente de praticamente toda pandemia conhecida da história.

COVID-19 e gripe comum

Outros, mais pessimistas — ou talvez realistas — dizem que uma taxa de letalidade tão baixa não deveria ser motivo para alívio. Afinal, o COVID-19 provavelmente continuará sendo de 10 a 20 vezes mais letal do que as gripes sazonais (que têm taxas de mortalidade entre 0,01% e 0,02%). Assim, em teoria ele pode matar não entre 30 mil e 60 mil dos 60 milhões de infectados por ano, como no caso da gripe comum, e sim de 300 mil a 600 mil pessoas, e até o dobro disso. Mais uma vez, contudo, são apenas possibilidades.

O problema com todas essas previsões é que simplesmente não temos dados brutos, ao menos não ainda. Se supormos que cerca de 43 milhões de norte-americanos pegaram gripe na temporada de 2018–2019 e que 61 mil deles morreram (uma taxa de letalidade de 0,14%), chega-se a esse número graças à precisão na contabilidade das mortes — determinada por dados de hospitalizações e relatórios dos necrotérios, além de ajustes anteriores e experiência.

Mais uma vez, as taxas de mortalidade da gripe comum não são previstas com base na quantidade de casos conhecidos, uma vez que a grande maioria das pessoas não recorrem aos hospitais em busca de tratamento (menos de 2%, na maioria dos anos). Não há outro caminho que não os modelos matemáticos sofisticados e postos à prova ao longo dos anos, juntamente com o estudo das mortes passadas causadas pela gripe, para se saber a quantidade de casos de gripe necessários a fim de se calcular a taxa de mortalidade. Claro que as cepas anuais de gripe variam muito em termos de mortes e hospitalização, e os modelos matemáticos refletem taxas de letalidade diferentes.

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Por outro lado, a maioria dos estudos que fornecem estatísticas para a pandemia atual de coronavírus até aqui se baseiam nas mortes registradas e numa quantidade limitada de casos conhecidos. O primeiro número é aparentemente obtido a partir de autópsias e o segundo é obtido por meio das taxas de hospitalização, tratamento médico e exames. O resultado é que supomos que boa parte dos casos de coronavírus não são registrados e, por isso, a taxa de letalidade pode ser bem menor do que imaginamos.

Assim, embora seja legítimo dizer que a gripe comum mata menos pessoas do que o coronavírus, baseamos essa premissa sem ter uma ideia exata de quantos norte-americanos realmente pegam gripe todos os anos — e, portanto, sem termos certeza de que a gripe é mesmo tão “inofensiva” quanto supomos. Quanto ao COVID-19, atualmente contamos com números bastante precisos para chegarmos a uma taxa de letalidade provavelmente exagerada.

Pessimistas e otimistas

Os pessimistas mencionam a Itália, onde, na semana passada, quase 7% das pessoas infectadas morreram. Enquanto isso, os otimistas, mencionam o que tem acontecido na Coreia do Sul, onde a taxa de letalidade caiu para menos de 1% dos casos conhecidos. Mas cada país terá uma abordagem diferente, assim como acontece com a gripe. A porcentagem dos que morrem por gripe e pneumonia na Arábia Saudita, por exemplo, é 16 vezes maior do que na Finlândia.

Até onde sabemos, é importante que os países adotem a restrições a viagens, quarentenas e pronto-atendimento do sistema de saúde. Também é relevante a idade média da população em regiões específicas, a qualidade e disponibilidade do sistema de saúde, a rapidez com que o país impede voos de áreas infectadas, a porcentagem de fumantes na população, o fato de o país ter ou não recebido muitos turistas, expatriados ou trabalhadores chineses com probabilidade de terem sido expostos ao vírus nas primeiras semanas da pandemia e até a temperatura e o clima da região infectada.

Quando reunimos esses diferentes critérios, ficamos com apenas as probabilidades, não fatos concretos que não a sabedoria popular de que a maioria dos norte-americanos provavelmente se recuperará da pandemia nos próximos dias ou semanas. Até agora, ao que parece, acreditamos que menos de 4 pessoas em 1.000 morrerá entre os infectados com menos de 40 anos.

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Da mesma forma, a taxa de letalidade do coronavírus é influenciada pelas mortes das pessoas com mais de 65 anos e sobretudo das pessoas com mais de 80 anos (quase 15%) —e não se trata apenas de idade, mas também da combinação do coronavírus com doenças cardíacas, câncer, diabetes e outras doenças crônicas. Para o público em geral, quando falamos dos supostos graus de letalidade e depois os aplicamos à população com menos de 40 ou 50 anos, a projeção otimista de que 99% das pessoas provavelmente se recuperarão é mais relevante do que comparações assustadoras de que muito mais pessoas — até 99,8% — sobreviverão à gripe. Trata-se de uma preocupação legítima?

Abelhas e vespas matam cerca de 10 vezes mais pessoas por ano do que aranhas. Isso significa que deveríamos ter mais medo das colmeias de polinização (nossa fazenda de amêndoas de 16 hectares tem 80 delas) do que da escuridão infestada por aranhas quando estamos consertando canos sob a casa? Ou não, já que aranhas matam seis norte-americanos por ano e abelhas e vespas matam dez vezes mais, totalizando 60 das 2,9 milhões de mortes por ano nos Estados Unidos?

É uma questão de perspectiva: até que ponto fazemos a população entrar em pânico e arruinamos a economia assimilando o fato de que uma taxa de sobrevivência entre 98% e 99% ainda significa milhares de mortes a mais do que uma taxa de sobrevivência de 99,8%?

Custo/benefício

Com as novas medidas draconianas de contingenciamento, entramos no reino da análise de custo/benefício, já que para cada ação drástica há uma reação igualmente radical — que tem de levar em conta tudo, desde questões de saúde mental até reviravoltas econômicas, financeiras, de segurança, jurídicas e políticas. Gostemos ou não, as medidas abrangentes atuais para conter o vírus têm um custo alto — e a conta não é apenas financeira e econômica, como muitas vezes tantos os defensores quanto os críticos das quarentenas, dos cancelamentos de eventos e do distanciamento social radical. Ela envolve questões de saúde também.

Se um país entra numa recessão ou até depressão séria, se trilhões de dólares em investimento e liquidez continuam desaparecendo enquanto as empresas fecham e os empregados são demitidos, se milhões de desempregados deixam de poder pagar pela tratamento, se eles aumentam o uso de drogas, álcool e tabaco e se exercitam menos e sofrem de depressão ou precisam fazem empréstimos e lutar para conseguir creche para seus filhos, se eles até cogitam o suicídio — então o custo humano explode em termos de vida e morte.

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No longo prazo, nos munir contra o vírus pode ser tão nocivo contra o vírus em si, ainda que sugerir isso nesses tempos sombrios de praga é uma heresia.

É fácil criticar decisões, discursos, coletivas de imprensa e análises dos nossos políticos. Os erros são muitos e evidentes; as escolhas sábias raramente são reconhecidas e admiradas. Mas toda decisão dura tomada quanto à pandemia pretende encontrar um meio perfeito, mas desconhecido, de limitar o empobrecimento, a doença e a morte. Temos exemplos relativamente recentes de fracassos causados por medidas demais e de menos.

Passado recente

Em 1976, também ano eleitoral, o país reagiu exageradamente à ameaça da gripe suína depois que a imprensa e “especialistas” alertaram para a volta de uma epidemia de Gripe Espanhola capaz de matar “500 mil norte-americanos” e infectar “ de 50 milhões a 60 milhões”. No começo de 1977, os norte-americanos entraram em pânico e se prepararam para a inoculação em massa de uma vacina feita às pressas e sem testes. Cerca de 45 milhões de pessoas foram vacinadas. Muitas tiveram efeitos colaterais limitados, mas cerca de 450 acabaram com a debilitante Síndrome de Guillain-Barré.

A crença atual de que vacinas essenciais são perigosas nasceu, em parte, do erro de 1976 — com consequências infelizes e às vezes letais no que diz respeito a convencer os cidadãos de que eles precisam tomar a vacina da gripe. Por fim, houve 200 casos e uma morte causada pela pandemia de gripe suína. Lembro-me de, enquanto aluno de Stanford, esperar na fila da vacinação, de ir para casa para as férias de primavera e acabar acamado com uma reação à vacina.

Em 2009, os Estados Unidos foram provavelmente lenientes demais ao não estabelecerem restrições de viagens depois da disseminação rápida da gripe H1N1 que, desta vez, era realmente semelhante ao agente da Gripe Espanhola de 1918. A fronteira com o México, onde o contágio provavelmente teve início, nunca foi fechada. Durante meses, nenhum alarme nacional soou. Ainda hoje não sabemos ao certo quantos foram infectados ou morreram, por causa de erros de registros e monitoramento e também por causa do desdém público.

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Estimativas oficiais posteriores dizem que entre 43 milhões e 89 milhões de pessoas foram infectadas e entre 8.870 e 18.300 morreram. As crianças eram especialmente vulneráveis e mais de mil delas morreram. A partir disso, devemos pensar que, por omissão ou intencionalmente, alguém tomou a decisão de que a vitalidade econômica do país era mais importante para a saúde da nação do que a chance de o vírus H1N1 infectam 50 milhões de norte-americanos, matando cerca de 12 mil, incluindo mil crianças?

A questão não é culpar Gerald Ford, Jimmy Carter ou Barack Obama pela forma como eles reagiram, e sim perceber que o que nos disseram sobre a epidemia – mesmo informações vindas de “especialistas” munidos de “dados” — nem sempre é preciso e provavelmente sofrerá um ajuste radical no futuro.

Na semana passada, o governador de Ohio, Mike DeWine, com medo e compreensivelmente preocupado, tuitou uma fala do diretor de saúde do estado: “Sei que é difícil entende o #COVID19, já que não o vemos, mas sabemos que 1% da população está infectada hoje — são mais de 100 mil pessoas”. Traduzindo, isso quer dizer que DeWine e o direito já “sabiam” que algo em torno de 1 mil e 2.500 idosos de Ohio, dentre os 100 mil infectados, têm o vírus e morrerão nas próximas semanas. Na época do tuíte do governador, havia cinco casos de coronavírus no estado.

Esperemos que o governador se mostre sóbrio e sereno, evitando esses alertas de mortes em massa nas próximas duas semanas, mas também temos de entender que, ao declarar a existência de 100 mil casos (“conhecidos”), DeWine correu o risco de aterrorizar 2 milhões dentre os mais vulneráveis residentes do estado. E o medo deles podem impedi-los de irem ao médico para consultas importantes relativas a outras doenças ou de saírem para comprar comida, remédio e itens de saúde, sem falar no estresse imposto aos mais suscetíveis.

Fazer alertas drásticos podem ser uma questão e vida ou morte tanto quanto não fazê-los. Para as pessoas com menos de 65 anos, deixar de ir ao trabalho pode representar um risco social tanto quanto ir, e o pânico pode ser tão fatal para um país de 330 milhões de habitantes quanto a infecção para os que não estão nos grupos de risco — e todas essas hipóteses podem mudar enquanto escrevo este texto.

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A humildade, e não a certeza — muito menos acusação e pânico —, deveria estar na ordem do dia.

Victor Davis Hanson é editor do City Journal.

© 2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês
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