Nos Estados Unidos, um dos países mais afetados pela Covid-19, dois irmãos judeus sobreviventes do Holocausto morreram sem poder se despedir. As mortes ocorreram em Nova York e com apenas um mês de diferença entre elas. Pior: os dois morreram com as relações ainda afetadas pelo conflito que terminou há 75 anos.
Alexander e Joseph Feingold, apesar de irmãos, tiveram destinos diferentes durante a II Guerra Mundial. Joseph e seu pai, Aron, ameaçado de prisão pela Gestapo, fugiram para a parte da Polônia ocupada pelos soviéticos. Ambos acabaram presos e enviados para campos de trabalho forçado na Sibéria.
Enquanto isso, Alexander, juntamente com a mãe e um irmão mais novo, Henryk, permaneceu na Polônia ocupada pelos nazistas, onde foi obrigado a viver como um animal no Gueto de Kielce.
Certa noite, ainda no gueto, ele e outros judeus foram obrigados a pegar em pás. Alexander achava que estava cavando sua própria cova, mas na verdade estava abrindo valas onde seriam jogados centenas de corpos que chegavam em vagões. Além disso, ele foi obrigado a revistar os cadáveres até os dentes em busca de algo de valor para os oficiais.
Mais tarde, sua mãe e seu irmão de apenas 13 anos foram enviados ao campo de extermínio de Treblinka. Alexander acabou mandado para o complexo Auschwitz-Birkenau, onde viu cadáveres queimados do lado de fora das câmaras de gás.
Reencontro frio
Quando a guerra terminou, Joseph e seu pai voltaram à Polônia. Não foi uma volta pacífica. Em 1946, Joseph quase morreu espancado no famigerado Pogrom de Kielce. Trinta e oito judeus não tiveram a mesma sorte e morreram nas mãos dos antissemitas. Uma vez recuperado, Joseph viajou para a Alemanha, onde reencontrou o irmão num campo para refugiados.
De acordo com o jornal St. Louis Today, Alexander se lembrava do reencontro com Joseph como “um momento triste”, como se ele não conseguisse sentir nada. Traumatizado pela experiência nas mãos dos nazistas, Alexander passou a vida sem conseguir falar sobre a última vez em que viu a mãe e o irmão que morreram no campo de concentração.
Assim que puderam, Alexander e Joseph deixaram a Europa e escolheram Nova York como cidade para reconstruir suas vidas. Lá, eles se tornaram arquitetos e viveram a poucas quadras um do outro. Os dois até mesmo perderam as esposas com dias de diferença.
Culpa
De acordo com a agência Associated Press, Joseph, que fugiu para a Polônia ocupada pelos soviéticos, se culpou a vida inteira por ter deixado a mãe e os dois irmãos mais novos para trás a fim de escapar dos nazistas.
Quando Alexander adoeceu da pneumonia que o matou em 17 de março, Joseph pediu para que sua enteada o levasse ao asilo onde o irmão morava. “Acredito que ele queria dizer adeus e também pedir perdão”, disse Ame Gilbert. Infelizmente eles não puderam se encontrar por causa das medidas restritivas impostas para impedir a disseminação do coronavírus.
No livro de memórias Joe's violin: a survivor remembers [O violino de Joe: memórias de um sobrevivente], Joseph escreveu: “Tenho sentimentos de culpa que não posso superar, que ainda estão comigo. Alex nunca me repreendeu por ter sido abandonado pelo pai e o irmão mais velho (...). Mas ele não precisava”.
De acordo com sua enteada, Joseph era um homem “caloroso e generoso, mas que sentia uma dor profunda e insondável e era assombrado frequentemente por pesadelos”.
Sem chance de visita
Quando Alexander foi internado no Hospital Monte Sinai West, em março, os médicos acharam que ele estava com Covid-19. O exame deu negativo, mas a pandemia o deixou isolado em seus últimos dias. É possível que uma visita de Joseph tivesse lhe dado algum conforto.
“Depois que Alexander morreu sem que Joseph tivesse a chance de se desculpar, pensei: ‘Ah, Joe vai morrer em breve’”, disse Gilbert, que se despediu do padrasto por videoconferência.
Alexander Feingold, de 95 anos, morreu no dia 17 de março, de pneumonia. Joseph Feingold, de 97 anos, morreu quatro semanas mais tarde, no dia 15 de abril. Os dois viveram seus últimos dias de vida no mesmo hospital em Nova York.
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