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Algo de estranho começou a acontecer em São Francisco depois que a cidade passou a combater a pandemia de Covid-19. O mundo dos ricos encolheu por conta dos decretos de quarentena e o mundo dos pobres cada vez mais se assemelha a Mad Max — sem leis, tomado pelo crime e sem qualquer autoridade legítima.
Em poucas semanas, São Francisco instituiu medidas que podem ser descritas como “desencarceramento, descriminação e despoliciamento”. A redução da população carcerária, a permissão de acampamentos públicos e outras formas de desordem e a diminuição da força policial em regiões pobres sempre foram medidas defendidas pelos progressistas de São Francisco. No passado, os moradores e os empresários conseguiram conter os impulsos mais extremados da classe política. Mas agora, usando o coronavírus como escudo, os líderes municiais impõe sua pauta com mais vigor.
Preocupada com a possibilidade de um surto de coronavírus entre os presos, a procuradora distrital Chesa Boudin reduziu a população carcerária em quase 50%. Ao contrário do que dizem os defensores do desencarceramento, os presos soltos não são “traficantes de baixo poder ofensivo”. O mais recente retrato do Departamento Prisional de São Francisco mostra que 68% dos presos no condado eram acusados de crimes violentos, uso de arma de fogo e outros crimes sérios; apenas 4% deles tinham sido presos por crimes relacionados ao tráfico de drogas. A campanha de soltura humanitária de Boudin beneficiou muitos criminosos violentos que agora andam pelas ruas em meio a uma enorme crise social.
À medida que o vírus se espalhou pelo maior abrigo de emergência da cidade, e depois que planos de colocar os moradores de rua em hotéis naufragaram, as autoridades locais adotaram uma política de “Barracas para Todos”, descriminalizando os acampamentos em vias públicas. Depois de passar os últimos 4 anos fazendo campanha para reduzir a presença dos acampamentos nas vias públicas, as lideranças municipais mudaram de ideia e adotaram a postura de ver nos acampamentos — onde sobram crimes e faltam condições básicas de higiene — a melhor forma de a cidade conter o vírus. As lideranças municipais e as organizações sem fins lucrativos estão distribuindo centenas de barracas; o prefeito instruiu o Departamento de Obras Públicas e as equipes que tratam dos moradores de rua a montarem acampamentos públicos.
As lideranças políticas de São Francisco na verdade deixaram de exercer qualquer autoridade legal e passaram a instruir o departamento de polícia a investigar e punir apenas os crimes mais sérios. Em Tenderloin, o bairro dos opioides da cidade, a delegacia local anunciou que iria “temporariamente redirecionar a maior parte dos seus esforços para crimes sérios e violentos”, acrescentando que essa medida “diminuiria consideravelmente seu contato com o público”. Temendo o crescimento nos crimes contra a propriedade, os empresários começaram a instalar grades e câmeras de segurança.
O impacto das novas medidas tem sido drástico. Nas regiões de Tenderloin, SOMA e Mid-Market, os moradores de rua se reúnem em mercados de drogas a céu aberto; traficantes usam máscaras e luvas para vender heroína, fentanil e metanfetamina em plena luz do dia. Nos bairros residenciais, moradores antigos descrevem o cenário como “apocalíptico”, com acampamentos, lixos e tráfico de drogas em cada esquina. Como disse um funcionário público ao San Francisco Chronicle, “os becos estão cheios de gente chapada, e eles são basicamente controlados por dois traficantes e um cafetão”.
Ironicamente, na busca por equalizar a hierarquia social, os progressistas lhe deram força. Os ricos obedecerão as ordens de quarentena e encontrarão formas de amenizar os contratempos, entre elas o trabalho remoto e a entrega de comida, praticamente se isolando das consequências do desencarceramento, descriminalização e despoliciamento; os pobres e os trabalhadores que vivem nos bairros mais afetados pelos acampamentos e pelo mercado de drogas ao ar livre, pagarão o preço. Na teoria, os progressistas querem elevar os pobres; na prática, eles acabaram por derrubar o teto sobre as cabeças da classe trabalhadora.
Quando o coronavírus tiver passado e as autoridades retirarem os decretos de quarentena, os moradores de São Francisco perceberão que a cidade deles está diferente, não mais próxima da igualdade, e sim mais próxima da miséria, da anarquia e da desordem. Os ganhos dos últimos anos — a redução dos acampamentos em vias públicas e a criação de programas regulares de limpeza — foram perdidos. Será preciso muito trabalho para se recuperar.
Christopher F. Rufo é editor do City Journal e diretor do Centro de Riqueza e Pobreza do Discovery Institute.