Ernesto Geisel governou o Brasil entre março de 1974 e março de 1979| Foto: ARQUIVOARQUIVO

O documento da CIA descoberto pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor reabriu a discussão sobre o real papel das altas esferas do poder na execução de opositores durante a Ditadura Militar (1974-1985). Desde que veio à tona ontem, o memorando da CIA tem gerado discussão entre historiadores e comentários controversos tanto do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) quando de militares.

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Para Marcos Paladino, autor de 1964: História do Regime Militar Brasileiro (Ed. Contexto), o documento prova que a repressão era institucional no período e que as execuções aconteceram com o conhecimento do alto escalão. Para o historiador, se comprovada a reunião narrada no memorando, ela mostra que, a despeito do tom conciliador, Geisel sabia e aprovava as medidas. “O memorando vai contra a ideia de que as torturas e execuções nos porões da Ditadura eram apenas ‘excessos’ ou ‘acidentes’”, diz Paladino. 

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O historiador, contudo, diz que o documento precisa ser confrontado com outras fontes históricas antes que se chegue a uma conclusão. “É uma prova importante, da CIA, e não da KGB. Mas vale lembrar que foi feita por uma agência de espionagem e é só um indício”, afirma. 

Comissão da Verdade 

O ex-membro da Comissão Nacional da Verdade, o advogado Pedro Dallari, compartilha do espanto e estarrecimento expressos por Matias Spektor ao se deparar e divulgar o memorando até então secreto. “O documento mostra que Geisel endossou as execuções”, diz. Para ele, as mortes de opositores eram discutidas em reuniões como uma coisa fútil ou como hoje se discute políticas públicas. “A imagem mais favorável de Geisel agora não se sustenta. Aquilo foi um horror”, afirma. 

Para Dallari, a aparente discrepância no número contido no memorando, de 104 mortes no ano de 1973, não afeta em nada o relatório final da Comissão da Verdade, que apontou números diferentes. “São levantamentos de períodos diferentes”, argumenta. Já para o historiador Marco Paladino, a diferença nos números revela tão-somente o que pode ser exagero ou uma estimativa aproximada por parte do general Milton. 

Instalada em 2012, a Comissão da Verdade realizou 1121 entrevistas e 80 audiências públicas em 20 estados da Federação para concluir que a Ditadura Militar no Brasil executou 191 pessoas, 180 durante o regime ditatorial e 11 antes do Golpe de 1964.

O memorando descoberto por Spektor sugere que este número pode estar errado. No terceiro parágrafo, ao resumir durante a reunião as “ações extralegais” contra os inimigos do regime, o general Milton falou em 104 pessoas executadas “no último ano, mais ou menos”. 

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O número é bem diferente do apresentado no relatório final da Comissão da Verdade. De acordo com este documento, resultado de dois anos e sete meses de trabalho da comissão, o número de mortos em 1973 foi de 15 pessoas, com 53 desaparecidos. Em 1974, ano do memorando, este número caiu para dois mortos e 53 desaparecidos. 

Mesmo se computarmos os desaparecidos como mortos, a diferença entre o número apontado pela Comissão da Verdade é de 36 pessoas.

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Já o historiador Marco Antônio Villa prefere ver o documento com o máximo de cautela possível. Em comentário realizado no Jornal da Manhã, da Rádio Jovem Pan, Villa disse achar estranha a presença de algumas pessoas à reunião. “Tenho minhas dúvidas de que o documento retrate a realidade”, diz. “O que não significa que não tenham ocorrido todas aquelas barbaridades”, ressalva. 

Bolsonaro 

Mais cedo, o deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista à Rádio Super Notícia, em Belo Horizonte, comparou as execuções sistemáticas de opositores a palmadas de um pai no filho indisciplinado. “Errar, até na sua casa, todo mundo erra. Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece”, disse. 

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Para Bolsonaro, a revelação do documento foi feita com intenção de prejudicá-lo, uma vez que sua imagem está ligada às Forças Armadas e, por consequência, ao Regime Militar. 

Fantasia 

Já o presidente do Clube Militar, Gilberto Pimentel, foi mais enfático. Ao comentar a revelação do memorando para o jornal O Estado de São Paulo, Pimentel chamou a publicação de “inteiramente fantasiosa” e ecoou a impressão de Bolsonaro de que o documento vem à tona com intenção de causar prejuízo eleitoral ao candidato ligado à caserna. 

“O documento não vale um tostão furado”, disse o general Pimentel, defendendo a honra dos generais Geisel e Figueiredo com o argumento de que “a ordem era restabelecer a plenitude da democracia e devolver o poder aos civis”.

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