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Um estudo realizado em outubro e novembro de 2020, e publicado agora em 2022, com cientistas sociais britânicos descobriu que entre eles há um alto nível de preocupação com a liberdade acadêmica, especialmente em áreas que lidam com política e relações internacionais. O trabalho, que tem primeira autoria de Tena Prelec, socióloga afiliada ao Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford, Reino Unido, mostra que mais de 67% desses acadêmicos pensam que a liberdade acadêmica está ameaçada. Essa percepção é maior entre aqueles que trabalham com política e relações internacionais (71%), seguidos pelos especialistas dos departamentos de economia, negócios e direito (70%).
Uma porção substancial, 44%, diz que faz autocensura em aulas online. Pouco mais de um terço disseram que não fazem. Em se tratando de dar aula para alunos de países autocráticos como a China no Reino Unido, uma maioria expressiva de 73% diz que não sente necessidade de fazer autocensura nessas aulas. Quando a pergunta é se a nacionalidade dos estudantes restringe o conteúdo das aulas, quase um quarto diz que sim. 10% se sentem pressionados a colaborar com parceiros não-democráticos da instituição. As publicações de acadêmicos britânicos com coautoria com chineses subiram 41% no curto período entre 2016 e 2019.
Os pesquisadores mandaram seu questionário para 25 mil acadêmicos, 1500 dos quais responderam. Apesar da baixa taxa de resposta, os autores pensam que a amostra é representativa. A maioria dos respondentes eram professores com variados graus de estabilidade de emprego, somente 1% eram alunos de doutorado. O fim de 2020 foi um tempo conturbado, pois os acadêmicos estavam começando a utilizar ferramentas para dar aulas online ou aulas híbridas por causa da pandemia.
Quanto a como exatamente os professores universitários das ciências sociais sentem que sua liberdade está ameaçada, 56% dos que trabalham com política e relações internacionais sentem que não podem selecionar o conteúdo a ser ensinado, 50% dizem que sua liberdade de conduzir pesquisa é restringida, e 39% relatam censura institucional.
Universidades cada vez mais internacionais
Nas últimas duas décadas, intensificou-se a internacionalização das instituições acadêmicas. Os grandes centros universitários do mundo, como a própria Oxford, Cambridge, Harvard e Yale, têm aumentado a participação de estudantes estrangeiros, especialmente na pós-graduação. Esses estudantes têm sido usados em intensas disputas políticas. Com o conflito na Ucrânia após a invasão de Vladimir Putin, o parlamentar Democrata americano Eric Swalwell conclamou pela expulsão de todos os estudantes russos dos Estados Unidos, por exemplo.
O caso britânico é especialmente informativo porque há uma combinação de prestígio histórico das instituições e o fato de o inglês ser a língua franca acadêmica do mundo. A meta do governo britânico é chegar a 35 bilhões de libras esterlinas anuais em exportação de educação e 600 mil estudantes internacionais por ano no Reino Unido até 2030. Exportar cultura é um tipo de soft power, um capital de influência global que gera frutos econômicos e políticos para os países exportadores. A área, portanto, é de sensível interesse e pode atrair conflitos.
Um ponto de tensão evidente é o abuso da China e da Rússia sobre a propriedade intelectual produzida por acadêmicos e instituições ocidentais. Donald Trump reclamou em 2017 que os dois países são ‘poderes revisionistas’ que ‘roubam e exploram’ essa propriedade. É neste contexto que se encontram sob pressão os cientistas sociais, que não só participam da produção do valor intelectual, mas tocam nos assuntos mais sensíveis para esses grandes atores em disputa.
Campus sem autonomia, espiões acadêmicos
Um relatório de 2019 do Comitê de Assuntos Internacionais do Parlamento Britânico alerta para a deterioração do princípio de Um País, Dois Sistemas em Hong Kong, que foi acordado quando o Reino Unido devolveu a tutela do lugar à China. Desde então, o presidente chinês Xi Jinping patrocinou um colapso desse princípio.
Em 2020, acionou a Lei de Segurança Nacional contra Hong Kong. Em dezembro passado, a ditadura removeu a estátua O Pilar da Vergonha, em memória ao massacre da Praça da Paz Celestial em 1989, do campus da Universidade de Hong Kong, o que exemplifica uma perda da autonomia da instituição. A remoção foi feita na calada da noite, quando tapumes foram postos em torno do monumento à meia noite. O conselho da universidade disse que a escultura foi guardada. A CNN relata que estudantes foram vistos em prantos por essa derrota simbólica, mas até o informante pediu anonimato por medo de represália.
O Pilar da Vergonha foi feito pelo artista dinamarquês Jens Galschiøt em 1997, e contém a inscrição “os velhos não podem matar os jovens para sempre”. O artista reagiu à remoção: “um ataque muito duro contra a palavra livre no mundo”.
Há mais de 20 pessoas com ligação ao governo chinês sob acusação de espionagem nos Estados Unidos no momento. Quase 40 foram condenadas nos últimos anos, dez foram inocentadas. Entre os condenados estão Yanjun Xu, condenado por um júri em novembro de 2021 por espionar empresas de aviação como a GE Aviation para passar tecnologia aeroespacial ao Ministério Chinês de Segurança de Estado. Xu convencia acadêmicos a viajar para a China sob o pretexto de intercâmbio acadêmico. Pode pegar até 60 anos de prisão.
Outro espião é Song Guo Zheng, que atuava como professor e pesquisador de reumatologia no estado de Ohio. Em maio de 2021, foi condenado a 37 meses de prisão e a devolver 3,8 milhões de dólares às agências de financiamento de pesquisa americanas. Ele faz parte do Plano de Mil Talentos da China, que o FBI caracteriza como um programa de recrutamento de acadêmicos e especialistas para roubar tecnologia e propriedade intelectual ocidental. Ao menos sete outras pessoas condenadas por espionagem para a ditadura chinesa nos Estados Unidos têm alguma conexão com instituições acadêmicas.