• Carregando...
O presidente francês Emmanuel Macron comparece à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, no dia 26 de julho de 2024
O presidente francês Emmanuel Macron comparece à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, no dia 26 de julho de 2024| Foto: EFE/EPA/Joel Marklund

A França esperou cem anos para ver novamente as Olimpíadas em casa e, se não fosse Roma sair do páreo, provavelmente teria passado mais cem. No entanto, agora que a cortina se fechou em Paris 2024, pode-se afirmar com segurança que Macron fracassou. Ávido para dar lições de grande estratégia e geopolítica ao mundo, ele não esperava apenas uma “trégua olímpica”, mas a capacidade de fazer das Olimpíadas uma conquista pessoal.

Os Jogos sempre foram a oportunidade para um país mostrar sua melhor imagem ao mundo, e Macron investiu tudo nisso. O esporte, como se sabe, tem relevância geopolítica, além de ser uma grande ferramenta para o congraçamento dos povos. Na política externa, as equipes esportivas, os campeões e os torneios permitem aumentar o soft power e a visibilidade. Macron quis uma Paris 2024 à sua imagem e semelhança, com uma natureza totalmente woke, que surgiu ao longo do evento, para mostrar ao mundo uma geopolítica do esporte capaz de ignorar o sentimento nacional, que o novo monarca francês está forjando ao enfraquecer a conotação original do país.

Mas se a imagem e a consolidação do poder estavam entre seus objetivos, acabou por entregar ao mundo apenas o perfil de um país fragmentado, sem governo, sem identidade, à mercê de fraturas sociais e culturais insondáveis. Longe da grandeza prometida.

A cerimônia de abertura, planejada há quatro anos, deveria ser algo inovador, nunca visto antes. Macron impôs fantasias e caprichos pessoais para um espetáculo decadente que custou bilhões à custa dos contribuintes de um país em falência, desprezando o povo que o rejeitou três vezes, de forma retumbante, nas últimas rodadas eleitorais.

Procurou uma falsa percepção da realidade para fracassar na tentativa de originalidade: a paródia da Última Ceia, além de blasfema, é algo já visto e revisto. Como se isso não bastasse, encenou a execução sangrenta da rainha Maria Antonieta, relembrando como a Revolução Francesa decapitou a família real católica. Provocação ou apologia ao ódio?

O que é certo é que, em um país que tem sido vítima privilegiada do terrorismo islâmico nos últimos dez anos, com calçadas, teatros, redações e igrejas ainda gotejando sangue, foi algo tremendamente de mau gosto. Eis que, na geopolítica de Macron, as Olimpíadas definitivamente pareciam um pretexto para mostrar algo diferente do esporte.

Os atletas nunca foram os protagonistas. Nós os vimos, já durante a cerimônia de abertura, abandonados em barcos, como turistas, na chuva. A delegação de refugiados passando em uma barcaça. E os holofotes todos para anões, dançarinos e o mundo queer. Ninguém entendeu a conexão com o esporte. Parecia o festival Eurovision, mas eram os Jogos de Paris 2024. É difícil fazer algo mais feio. Uma hipertrofia que viu encadear um fracasso após o outro.

A maior mobilização de forças policiais não conseguiu impedir a sabotagem ao trem francês de alta velocidade que paralisou Paris por quatro dias, nem o corte dos cabos de fibra óptica para minar tudo. Sessenta e oito ataques cibernéticos foram sofridos pela organização dos Jogos durante quinze dias de competições.

Os imigrantes ilegais que as autoridades tentaram esconder, tal como sacos de lixo, para não atrapalhar as fotos de capa, e enviados para fora da capital, logo voltaram montando um enorme favela na Place de la Bastille. Uma autogestão anarquista surreal.

Enquanto isso, nos últimos dias, um promotor público, por ordem de Macron, prendeu seis jornalistas espanhóis do CitizenGo. Mantidos em detenção durante a noite, despojados, inclusive as mulheres, revistados, privados de comida e água e da possibilidade de contatar advogados e familiares, só porque estavam em Paris a bordo de um ônibus com os dizeres “chega de ataques contra cristãos”. Eles foram escoltados para deixar a cidade juntos de seu slogan.

Paris também não passou no teste do Sena. Ela aboliu os ônibus que são fornecidos em todas as Olimpíadas para o deslocamento de uma arena para outra. Eles poluem, segundo a justificativa oficial. Os atletas pagam o preço. O metrô, por motivos de segurança, sempre fechava mais cedo e pegar um táxi significava um desvio caro através de barreiras, bloqueios e controles em cada esquina para proteger contra as ameaças de ataques que não faltavam.

As instalações esportivas de má qualidade, nunca um segundo de silêncio, o que no esporte é precioso e maravilhoso — havia sempre um DJ pronto com várias músicas —, e depois a Marselhesa em cada intervalo entre as avaliações dos juízes. Nem Pequim havia feito isso.

Após 100 anos de espera para receber de volta os Jogos, Paris disse que estava pronta para deixar uma marca indelével. Com um diretor de sustentabilidade ambiental, ela deveria estabelecer o padrão. E assim foi, mas para o que é, para todos os efeitos, o maior tiro pela culatra que o ambientalismo poderia conceber. A sustentabilidade não é sustentável, é uma utopia falsa, doentia e até mesmo perigosa. É disso que se trata Paris 2024 em meio a infecções, doenças diversas e fugas. Nunca se falou tanto, e tão mal, sobre a vila olímpica em toda a história dos Jogos.

Concebida como o protótipo de cidade sustentável do futuro, ela evidenciou todos os efeitos colaterais da ideologia que muitos em seu país passaram a detestar mais do que nunca. Camas de papelão, 300 mil camisinhas – feitas de plástico – doadas aos atletas. Tudo sujo, vulgar e insuportavelmente quente. São incontáveis os condicionadores de ar portáteis que as várias equipes tiveram que comprar para sobreviver nas noites anteriores às competições. A cantina vegana e de baixa emissão de poluentes oferecia comida de má qualidade, insuficiente e estragada. Inclusive com falta de todas as proteínas, gorduras e vitaminas de que um atleta precisa. Que compensavam isso com entregas em domicílio de restaurantes locais. Ecologia, cortes e sacrifícios para todos.

No entanto, não é assim que Macron entretém seus convidados: suas lagostas azuis estão na mira do Tribunal de Contas há alguns dias. O orçamento para as recepções da presidência francesa apresenta um rombo de 8,3 milhões de euros. Jantares fastuosos para si, sustentabilidade para os atletas, que preferiram abandonar a pior vila olímpica de todos os tempos, para se refugiar em concentrações pessoais ou de equipe, esperando que o calendário os chamasse para competir em Paris.

O medalhista italiano Ganna, do ciclismo de pista, mudou-se para uma cabana alpina. A equipe espanhola de tiro com arco escolheu o mosteiro católico Santa María de Bellpuig de les Avellanes. E quando souberam disso, outros fizeram o mesmo.

Pellielo, um veterano da equipe nacional, organizou uma concentração em sua casa para a equipe italiana de arremesso de peso. Ele tem até uma capela, pois é importante retirar-se em oração, como ele vem dizendo há anos. As delegações britânica e americana se mudaram para resorts de luxo contra a ecologia inabitável. Diferente, mas igualmente luxuoso, foi o que escolheram os membros do COI. Outros optaram por apartamentos alugados mais próximos dos locais de competição.

Até mesmo as medalhas, feitas de 100% de metais reciclados, são as mais reles de todos os tempos: nem havia terminado as Olimpíadas, elas foram exibidas como ferro gasto com aparência de sabe-se lá quantas décadas.

Para encerrar os Jogos, eles encenaram um futuro distópico imerso na escuridão, entre pessoas sem rosto e uma voz metálica do alto-falante vindo do nada: como nos pesadelos de Orwell. O cavaleiro que desce do céu é um híbrido entre homem e animal. A mensagem é mais emblemática do que nunca.

Decadência é a única palavra que pode ser usada em Paris 2024. Pobre epopeia de um país sem ética. Um país pequeno demais. Quantas Olimpíadas como a de Paris ainda existirão? E se é verdade que os Jogos medem os princípios e as possibilidades da contemporaneidade, fica a pergunta: para onde está indo o Velho Continente?

Lorenza Formicola é ensaísta e publicitária, além de analista do mundo árabe e islâmico. Especialista em islamismo na Europa, concentrou sua pesquisa na radicalização, nas atividades de organizações e estruturas inspiradas na Irmandade Muçulmana e na dinâmica e evolução das redes jihadistas no Ocidente.

© 2024 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano: “Parigi 2024, decadenza macroniana di un paese senza etica”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]