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Em 1991, a mãe de Paula K. Peyton foi estuprada, engravidou e optou por ter a filha. Paula K. Peyton nasceu em Memphis, no Tennessee, e ali também foi vítima de estupro, em 2017. Decidida a levar adiante a gravidez, apesar da pressão para que abortasse, hoje é mãe de Caleb, um garoto que completa três anos no dia 4 de outubro.
Ativista pró-vida, Paula criou uma fundação para prestar suporte para outras mulheres que se veem na mesma situação – e também as crianças nascidas a partir de agressões sexuais.
Paula, que tem 28 anos e continua morando em Memphis, concedeu entrevista à Gazeta do Povo, por escrito. As respostas foram organizadas na forma de um relato, em que ela não só descreve seu drama pessoal, como também apresenta suas motivações para defender que os filhos que nascem nessa situação podem ajudar suas mães a superar o trauma. Esta é sua história:
"O que é um aborto?"
“Minha mãe biológica foi estuprada em 1991, aqui em Memphis. Ela tinha 32 anos, quase 33. Até onde eu sei, ela não procurou a polícia. Quando eu tinha cinco anos, minha mãe discutiu com a mãe dela, minha avó. Algumas coisas foram ditas na ocasião, e então minha mãe foi embora de casa. Perguntei a minha avó sobre alguns dos comentários que ouvi durante a briga.
Ela me respondeu que minha mãe não sabia quem era meu pai, porque ela tinha sido estuprada. Disse também que eu teria sido abortada se minha mãe soubesse fazer as coisas direito.
Eu não entendia nem um dos dois conceitos, nem estupro, nem aborto, então continuei fazendo perguntas. Descobri então que aborto é quando um bebê é morto antes de nascer.
Não lembro dos comentários específicos dela sobre estupro, mas lembro de perceber que era algo realmente ruim. Entendi nesse dia também que é por eu ser concebida em um estupro que as pessoas me tratavam diferente.
Fiquei envergonhada e chorei muito naquele dia. Esses conceitos, de aborto e estupro, me foram apresentados de forma tão negativa que derrubaram minha autoestima.
Estudei em escolas públicas e sou agradecida por essa oportunidade. Tive professores maravilhosos, que preencheram uma série de vácuos na minha vida, já que minha infância não foi a ideal, fui muito negligenciada.
Mas Deus sempre providenciou tudo o que eu precisava e me ajudou a atravessar pelos períodos mais difíceis, com frequência graças a meus professores.”
O estupro
“Fui estuprada em janeiro de 2017. Estava conhecendo um rapaz, que me convidou para assistir televisão. Fui a seu apartamento, e depois de algum tempo ele começou a tocar em mim de uma maneira que me deixou desconfortável.
Quando me levantei para ir embora, o colega de quarto apareceu de outro cômodo com uma arma nas mãos, e os dois me estupraram diante da mira da arma. Eu fiquei com hematomas e mais tarde desenvolvi uma infecção feia, que poderia causar aborto espontâneo. Sangrei muito na primeira metade da minha gravidez por causa dessa infecção.
Quando descobri que estava grávida, sorri pela primeira vez desde o estupro. Estava vivendo em luto e perguntando por que Deus poupou minha vida. Descobrir que estava grávida do meu filho deu-me razão para continuar vivendo.
Eu sabia que Deus me tinha dado uma dor que eu conseguiria suportar, e tinha dado por uma razão. Nunca houve nenhuma dúvida em minha mente de que eu manteria o bebê. Ele era meu filho, e eu o amei instantaneamente.
Fui abençoada de ter contato com muitas mães cujos filhos foram concebidos por estupro e hoje são adultos. Elas compartilharam o que funcionou bem, e também o que não funcionou, com relação a contar a seus filhos como eles foram concebidos. O conselho que recebi foi o de compartilhar informações apropriadas para a idade, na medida em que meu filho comece a fazer perguntas.
No início do ano, ele começou a perguntar por que não tem um pai, então eu contei uma história bem básica, que ele ama e pede para ouvir novamente o tempo todo. Ele chama de ‘a história da mamãe feliz’!”
O que dizer a seu filho?
“É assim: ‘Há muito tempo, algumas pessoas machucaram a mamãe, e ela estava muito triste. Chorou, perguntou para Deus por que tinha que estar tão triste o tempo todo. Deus estava triste também, porque não gosta de nos ver machucados, e Ele sabia exatamente o que fazer para me ajudar. Ele decidiu que eu precisava de um presente especial, então me deu um menininho doce, forte, esperto e lindo, que dá os melhores beijos e abraços. E esse é o Caleb!
Então Deus colocou você dentro de mim, e quando eu descobri que você estava lá fiquei tão feliz! Você foi o melhor presente. Você cresceu e cresceu dentro de mim, e, no seu aniversário, você saiu e nasceu. Então você chorou até que colocaram você nos meus braços, e parou de chorar quando eu te acalentei. E eu estava ainda mais feliz por finalmente segurar você nos braços.’
Ele ainda não entende que foi concebido num estupro, mas estou plantando as sementes, de forma que a informação não seja tão chocante quando ele for mais velho.
Vou continuar garantindo que ele entenda que coisas ruins acontecem com todos nós, mas que, quando Deus atua em nossas vidas, podemos usar tudo isso para nosso bem. Uma beleza que vem das cinzas!
Sou cristã. Eu não teria sobrevivido à minha gravidez e à intensa pressão que sofri de outras pessoas para fazer um aborto se não fosse por meu relacionamento com Cristo. Deus tem estado comigo a cada passo do caminho, escrevendo uma linda história de redenção em minha vida.
Meu versículo favorito da Bíblia é Gênesis 50:20, e esse trecho tem se mostrado certeiro [o versículo diz: Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos.]”
Uma fundação que dá esperança
“Eu criei uma fundação, chamada Hope After Rape Conception [“Esperança para a Concepção após o Estupro], que tem por objetivo oferecer esperança para mães que passaram por essa situação, e também para seus filhos.
As necessidades de cada uma delas são diferentes. Algumas precisam apenas contar histórias que elas não se sentem seguras para compartilhar com os amigos e as famílias.
Outras precisam de aconselhamento para lidar com o trauma, e muitas pedem aconselhamento legal porque os homens que as estupraram entram na justiça para ter o direito de visita ou de custódia das crianças.
Aqui nos Estados Unidos, essas leis variam para cada estado. Alguns fornecem proteção adequada para as mulheres, mas aproximadamente metade não fornece. Também estou trabalhando com os legisladores para implementar uma legislação mais adequada para proteger vítimas de estupro e seus filhos.
Acredito que toda mulher, em qualquer situação, deveria continuar a gravidez. Há casos, como a gravidez ectópica, em que a vida da mãe é ameaçada pelo fato de o bebê se implantar fora do útero.
Num caso assim, a intenção importa: se a intenção é fazer o parto antes para garantir a saúde da mãe, e o bebê acaba morrendo por não conseguir sobreviver por conta própria, essa é uma situação inteiramente diferente da de arrancar o bebê do útero da mãe apenas por conveniência.
As pessoas com frequência citam o estupro, que responde por 1% dos abortos praticados nos Estados Unidos, como uma justificativa para todos os abortos. A existência de pessoas como eu e como meu filho é usada para justificar o assassinato de milhões de bebês no mundo todo, todos os anos.
Mesmo entre as pessoas que se identificam como pró-vida, você vai encontrar quem justifique o aborto em casos de estupro, e isso é simplesmente um ato de compaixão deslocada. Essas pessoas não entendem o que sentimos porque não conversaram diretamente conosco e não conhecem os fatos.
Todo estudo de grande alcance já realizado sobre o assunto mostra que a esmagadora maioria das mulheres que engravidaram em resultado de estupro escolhem pela vida.
Daquelas que abortam depois do estupro, quase todas relatam terem sido forçadas a realizar o procedimento e agora expressam grande arrependimento, e 90% diz que não recomendariam o aborto para mulheres que se veem nas mesmas circunstâncias.
O aborto após o estupro apenas adiciona mais trauma para a situação. Nossos bebês nos curam com alegria e um propósito.
Então, sim, eu acredito que toda vida importa e deveria ser protegida. A gravidez é temporária, a morte é permanente. O desejo de não estar grávida não justifica matar outra pessoa. No entanto, também tenho grande compaixão por mulheres que passaram pelo aborto, porque, por gerações, nossa cultura mentiu para elas e disse que bebês no útero são grupos de células, e não seres humanos únicos, que apenas estão num estágio diferente da vida.”