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Comprimido de Paxlovid (representação artística)
Representação do Paxlovid, novo medicamento da Pfizer para tratar precocemente a Covid-19. O medicamento contém dois princípios ativos complementares.| Foto: Bigstock | Plyushkin

Um coquetel de duas substâncias antivirais proposto pela farmacêutica Pfizer para Covid-19 foi incluído pelo Ministério da Saúde nos protocolos de tratamento da doença. O medicamento, chamado Paxlovid, é administrado em comprimidos nos cinco primeiros dias de sintomas para evitar que a síndrome respiratória evolua para um quadro mais grave. Em outras palavras, o Paxlovid é a solução da Pfizer para o tratamento precoce.

Há um mês e meio a droga conta com aprovação de uso emergencial. Com a nova diretriz do ministério, deverá ser disponibilizada no SUS em até seis meses para idosos a partir dos 65 anos e/ou pessoas com sistema imunológico fragilizado. A idade mínima indicada para tomar é 12 anos, a partir do peso corporal de 40kg.

A BioNTech, parceira da Pfizer no desenvolvimento da vacina de mRNA para Covid, também colaborou no desenvolvimento do Paxlovid. Em novembro, os fabricantes anunciaram resultados preliminares com 774 pacientes indicando que o medicamento reduz em 89% o risco de evolução para quadro grave da doença pandêmica.

Os resultados com mais escrutínio vieram em dezembro e foram publicados na revista New England Journal of Medicine em fevereiro. Ao contrário do que aconteceu com o medicamento Molnupiravir da Merck, a “checagem” do Paxlovid para a publicação científica foi promissora.

Como funciona o Paxlovid?

As drogas que compõem o medicamento têm ações complementares. Quando o vírus SARS-CoV-2 entra na célula humana, ele a induz a produzir peças que montam cópias de si mesmo. Uma das peças é uma grande proteína que precisa ser cortada em pedaços para funcionar. O vírus traz consigo instruções para fazer a tesoura molecular que faz esses cortes — esta tesoura é impedida de operar pelo nirmatrelvir, um dos componentes. O nirmatrelvir existe desde 2002, quando foi desenvolvido pela Pfizer para a gripe asiática naquela época, que é causada por um vírus aparentado ao novo coronavírus da Covid-19.

O outro componente é o ritonavir, desenvolvido com a intenção de tratar infecções com o vírus da AIDS. Sua função no Paxlovid é evitar que o nirmatrelvir seja destruído pelo fígado antes que possa inibir a tesoura do coronavírus. É possivelmente o componente mais delicado, pois impede que o fígado faça a digestão de outras drogas específicas além do nirmatrelvir, então o risco de interação medicamentosa com outras drogas é substancial e a atenção médica deve ser redobrada.

Há preocupações sendo levantadas não quanto à eficácia do Paxlovid, mas quanto ao rebote do vírus quando os cinco dias de administração do medicamento são encerrados. Uma vez que esse tratamento ataca diretamente as partículas virais, ele age antes que o sistema imunológico possa levantar suas próprias defesas, e, quando ausente, a presença de alguma partícula viral ainda viável é suficiente para o vírus lançar uma retaliação.

Além disso, a eficácia é conhecida somente entre pessoas não-vacinadas, que foram as incluídas no estudo. Vinay Prasad, professor de epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia em São Francisco e crítico das medidas de fechamento na pandemia, expressa preocupação que a aprovação do Paxlovid pode ter sido rápida demais e que o efeito entre vacinados pode ser diferente.

Ivermectina morreu?

Quando o assunto ainda era controverso e enfrentava uma forte resistência em junho de 2021, a Gazeta do Povo cobriu propostas para tratamento precoce da Covid-19 pela via da reaplicação de medicamentos já existentes no mercado para tratar outras doenças. Três foram citados: ivermectina (vermífugo), budesonida (para asma) e fluvoxamina (antidepressivo). Desses, somente a ivermectina foi controversa como tratamento para Covid, provavelmente por politização específica do seu nome, e posteriormente também pela revelação de fraudes em resultados a seu favor.

Após a revelação dos estudos fraudulentos com a ivermectina, Scott Alexander, psiquiatra americano que faz prática clínica na Califórnia e há nove anos mantém um blog popular de ciência e cultura, se debruçou sobre as evidências que sobraram a favor do uso da droga. Diante de estudos favoráveis à sua eficácia como o de Mahmud e colaboradores, Alexander especulou que o motivo de a ivermectina parecer funcionar é que poderia livrar as pessoas de vermes cuja presença seria um agravante na evolução do quadro da Covid-19. Essa especulação é estranha, já que presume que as verminoses são muito mais comuns do que de fato são. Mais parcimonioso é propor que há alguma eficácia na ivermectina, mesmo que convenções estatísticas como o valor p (um indicador de que o resultado de um estudo é confiável e não fruto do mero acaso) não a capturem sempre. Outros comentaristas de ciência previamente ferrenhos opositores da aplicação da ivermectina para esse propósito, como o epidemiologista australiano e divulgador de ciência médica Gideon Meyerowitz-Katz, moderaram o tom e abraçaram a dúvida.

Com a ascensão de drogas de eficácia menos disputada — seja essa disputa científica ou política — como o Paxlovid, talvez jamais saibamos com o rigor máximo o quanto a ivermectina ajudou.

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