• Carregando...
Em postagem posteriormente apagada, o Partido Comunista do Brasil quis transformar o ato desesperado do ator num protesto contra Bolsonaro.
Em postagem posteriormente apagada, o Partido Comunista do Brasil quis transformar o ato desesperado do ator num protesto contra Bolsonaro.| Foto: TV Globo / Divulgação

O ator Flávio Migliaccio morreu na manhã de segunda-feira (4), aos 85 anos. Famoso coadjuvante de incontáveis produções para a televisão, ele cometeu suicídio. Em tempos de alguma sanidade moral e política, a forma como o ator deu cabo da própria vida não seria mencionada. Hoje, contudo, o suicídio, bem como o indefectível bilhete desesperado no qual o suicida tenta justificar o injustificável, são usados para se fazer política.

Foi o que fez o Partido Comunista do Brasil, que continuará sendo comunista e usando estratégias comunistas apesar da mudança de nome para Movimento 65. Para o antigo Partidão tão querido de artistas e intelectuais, aparentemente não há problema ético algum em se usar a tragédia pessoal de um homem e, por extensão, de sua família, para fazer proselitismo político.

Num texto publicado no site Vermelho, cujo objetivo é manter “a esquerda bem informada”, o Partido Comunista do Brasil, agremiação que reúne expoentes do pensamento como Jandira Feghali, Orlando Silva e o Flávio Dino, é enfático ao dizer que foi o governo de Jair Bolsonaro que levou o ator a cometer o ato tresloucado. E dá a entender que tudo giraria em torno de como a Secretaria de Cultura, capitaneada pela ex-atriz Regina Duarte, está sendo administrada.

Protesto político

No texto publicado no site Vermelho, o autor do raciocínio segundo o qual a morte de Flávio Migliaccio teria sido (atenção!) “um protesto político contra o governo Bolsonaro e contra os gestores pentelhocostais (sic) da Secretaria da Cultura dirigida por Regina Duarte” diz que, além do bilhete de suicídio, o ator teria gravado um vídeo a um amigo sambista. Neste vídeo, Migliaccio teria dito platitudes como “o artista consegue criar só com liberdade”, citando, entre os grandes artistas, o dramaturgo Molière, o poeta Carlos Drummond de Andrade e... Darwin, que elaborou a Teoria da Evolução.

A menção a Darwin serve como justificativa para o autor xingar os adversários políticos do PCdoB de “idiotas criacionistas, neopentelhocostais e companhia que infestam esse governo de terraplanistas, religiosos ditos pró-vida, e pessoas que enxergam Jesus no galho da goiabeira. Crentes babacas, reacionários, que, se pudessem, imporiam ao País um governo teocrático”.

O autor conclui dizendo que sobra censura na cultura brasileira – e que isso teria levado o ator Flávio Migliaccio a sair de cena antes do previsto.

O argumento do desespero

Sugerir que uma pessoa possa abdicar da própria vida a fim de, com esse gesto extremado, “contestar” determinadas decisões políticas de um governo (transitório como todo governo) é, na melhor das hipóteses, uma degeneração do intelecto. Na pior, do espírito. Até porque não há nada na biografia de Migliaccio que indique que ele fosse capaz de se doar assim tão completamente a uma causa política menor.

Mas é dessa forma que o Partido Comunista do Brasil e seus simpatizantes encaram o mundo: o indivíduo, em toda a sua complexidade, não existe se não for para servir a uma causa maior do que a própria vida – que, neste caso, é a derrubada do atual governo e a substituição dele por qualquer coisa que eles acreditem ser o mais certo e justo.

Para os comunistas do PCdoB, o indivíduo foi e sempre será apenas uma peça numa engrenagem histórica, e não um ser dono de vontade própria, de liberdade de pensamento e ação, e sujeito a transtornos da psique e da alma. O desespero pessoal, para eles, é um sentimento pequeno-burguês reprovável. Tanto é assim que, nos gulags de Stalin e nos campos de concentração da Coreia do Norte, país que os comunistas não cansam de elogiar, os presos políticos que ameaçam cometer suicídio são mantidos vivos graças à ameaça aos familiares.

Necrofilia antiga

A política brasileira nutre uma triste predileção pela necrofilia política desde que Getúlio Vargas resolveu meter uma bala no peito e escrever uma delirante carta de suicídio na qual soberbamente dizia estar saindo da vida para entrar para a história.

Sem pudor algum, já faz algum tempo que a esquerda brasileira usa aqueles que morrem para insuflar seus simpatizantes. Quem não se lembra do ex-presidente Lula usando politicamente a morte da esposa, Marisa Letícia, insinuando que ela tinha morrido por causa da “imbecilidade e a maldade que fizeram com ela”? Lula se referia às investigações da Lava Jato que acabariam por torná-lo um corrupto condenado que só está solto por causa de uma decisão questionável do Supremo Tribunal Federal.

Mas o símbolo maior dessa necrofilia desavergonhada é mesmo o uso político que se faz do assassinato da vereadora Marielle Franco, usado para promover as mais diversas causas progressistas.

Até então, contudo, os suicidas (à exceção de Vargas) continuavam sendo vistos como um tabu. Porque se sabe, ou melhor, se sabia que o desespero de uma pessoa que tira a própria vida nada acrescentava ao debate público.

Isso mudou ainda em 2019, quando um empresário sergipano se suicidou durante um evento que contava com a presença do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e do governador daquele estado, Belivaldo Chagas (PSD). Na ocasião, a deputada Maria do Rosário (PT) culpou o governo de Jair Bolsonaro pelos problemas financeiros que o empresário enfrentava e que o teriam levado a se matar.

Pedido de desculpas

Hoje (5), pouco antes das 13h, o perfil do PCdoB no Twitter pediu desculpas por ter associado a morte do ator Flávio Migliaccio a um protesto contra o governo Bolsonaro. Diz o tuíte:

Publicamos um link de um material jornalístico que não traduz nossa visão e nossa opinião sobre o falecimento do ator Flávio Migliaccio. Pedimos desculpas à família, amigos e todos que admiram o trabalho deste grande brasileiro que nos deixou.

O texto foi retirado do ar.

Fenômeno mundial

O suicídio é um fenômeno mundial que intriga os especialistas na área. No Brasil, por exemplo, entre 2000 e 2016 as taxas de suicídio aumentaram 73%, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre 1950 e 1995, a taxa mundial de suicídios por 100 mil habitantes cresceu 33% entre as mulheres e 49% entre os homens, segundo um levantamento publicado no periódico sueco Suicidologi. Nos Estados Unidos, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), o suicídio é a décima maior causa de mortes todos os anos.

ONDE PROCURAR AJUDA

CVV - Centro de Valorização da Vida

Site: http://www.cvv.org.br

Email: atendimento@cvv.org.br

Telefone: 188

Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio

Site: https://vitaalere.com.br/

email: contato@vitaalere.com.br

Associação Brasileira de Estudos e Prevenção de Suicídio - ABEPS

Site: https://www.abeps.org.br/

Email: faleconosco@abeps.org.br

Setembro Amarelo

Site: http://www.setembroamarelo.org.br/

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]