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20,7% das crianças entre seis e 11 anos dos EUA são obesas. No Brasil, 9,4% das meninas e 12,4% dos meninos são obesos
20,7% das crianças entre seis e 11 anos dos EUA são obesas. No Brasil, 9,4% das meninas e 12,4% dos meninos são obesos| Foto: Bigstock

Em novas diretrizes publicadas na última segunda-feira (9), a Academia Americana de Pediatria (AAP) atualizou suas recomendações para tratamento de crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesos pela primeira vez em 15 anos. A maior novidade é que os autores recomendam não mais “observar e esperar”, mas que os médicos ajam de forma mais agressiva, inclusive pela prescrição de medicamentos que controlem o peso a partir dos 12 anos e até cirurgia a partir dos 13.

A intenção da diretriz, segundo seu resumo executivo, é “promover uma abordagem que considere o status de saúde da criança, seu sistema familiar, contexto comunitário e recursos de tratamento para criar o melhor tratamento baseado em evidências”. Em uma tabela com 13 chamados à ação, a entidade defende que “pediatras e outros profissionais de saúde devem oferecer a adolescentes de 12 anos ou mais com obesidade farmacoterapia de perda de peso” e que “devem encaminhar adolescentes com 13 anos ou mais com obesidade severa para avaliação para cirurgia metabólica e bariátrica”. Duas outras intervenções são recomendadas: a “entrevista motivacional” e a “intervenção intensiva de saúde do comportamento e estilo de vida”, que podem ser aplicadas bem antes, a partir dos dois anos de idade.

A AAP define como sobrepeso a criança ou adolescente estar entre os 15% mais altos valores de índice de massa corporal (IMC, calculado com o peso dividido pela altura ao quadrado), e como obesidade estar entre os 5% maiores valores de IMC, dentro de seu grupo específico de idade e sexo. Os menores considerados “severamente obesos” são aqueles cujo valor de IMC ultrapassa em 120% ou mais o valor base que delimita os 5% maiores. Há cerca de 14,4 milhões de menores de idade obesos nos Estados Unidos atualmente — 20,7% das crianças entre seis e 11 anos são obesas; no Brasil, 9,4% das meninas e 12,4% dos meninos são obesos. Para a entidade, a obesidade “por muito tempo foi estigmatizada como uma consequência reversível de escolhas pessoais, mas tem, na realidade, fatores contribuintes complexos que são genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais”. A academia recomenda que essa explicação das origens da obesidade seja oferecida aos pacientes e famílias para que o tratamento seja livre de estigma. Há ao menos uma doença genética que tem a obesidade como uma de suas consequências, a síndrome de Barde-Biedl, mas é rara.

Detalhes das duas recomendações 

No texto completo das novas diretrizes, que cita 801 fontes acadêmicas, a AAP detalha as duas novas recomendações de drogas e cirurgias. Quanto ao uso de remédio de emagrecimento a partir dos 12 anos, o documento diz que “benefício e dano são individualizados por paciente” e que os pediatras devem avaliar os efeitos colaterais e se eles valem a pena comparados ao benefício em potencial — a preferência do jovem paciente é “importante” e “deve determinar o regime e duração de tratamento apropriados”, além de monitoramento dos efeitos colaterais.

O documento não cita que drogas seriam usadas, porém, a única referência dada nessa parte é um estudo da liraglutida, que atua nos hormônios digestivos e foi aprovada pela Anvisa em 2016. Segundo a Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, afiliada aos Institutos Nacionais de Saúde, a liraglutida, em doses mais altas que as prescritas, está associada ao câncer da glândula tireoide. Ela é contraindicada para quem tem histórico familiar da doença. Além da liraglutida, três outras drogas emagrecedoras estão aprovadas nos Estados Unidos para essa faixa etária.

Em se tratando da recomendação de cirurgia bariátrica a partir dos 13 anos para os obesos severos, as diretrizes informam que há “riscos menores” de complicações em até 15% dos pacientes, e riscos maiores em até 8% deles. Mais procedimentos cirúrgicos podem ser necessários em 13% a 25% dos casos em até cinco anos. “As deficiências de vitaminas são comuns e precisam de monitoramento a longo prazo” após a cirurgia, avisa a AAP. Esse chamado à ação “não recomenda a cirurgia para todos que têm obesidade severa, mas a oportunidade para crianças, adolescentes e as famílias considerarem” o procedimento, esclarece a associação. Mais uma vez, o papel da preferência do paciente é considerado “importante”.

Recepção das diretrizes 

A Academia de Pediatria recebeu o apoio de duas entidades que lançaram nota conjunta: a Sociedade da Obesidade (TOS, na sigla em inglês) e a Coalizão de Ação para a Obesidade (OAC). Ambas concordam que a obesidade é uma doença e que “a intervenção precoce pode reduzir o risco de obesidade persistente além de parar danos aos órgãos pelas comorbidades a longo prazo”. Comorbidades são outras doenças que ocorrem junto com a obesidade.

Daniel Hsia, médico membro da divisão pediátrica da TOS, disse que “como outras doenças crônicas como a asma, hipertensão e diabetes, precisamos de uma gama de opções de tratamento a depender do paciente, e, para a obesidade, isso inclui modificações de estilo de vida, remédios e cirurgia”. A intervenções de estilo de vida envolvem “ajudar a criança e a família a adotar mudanças de nutrição, atividade física e comportamento”, explicam Ihuoma Eneli e Denise Wilfley, membros da equipe que elaborou as diretrizes.

As diretrizes atraíram críticas. O governador da Flórida, Ron DeSantis, do Partido Republicano, reagiu na quinta-feira (12) declarando em um evento dedicado a medicamentos mais baratos que “penso que eles estão só tentando monetizar esse problema”. Uma das drogas de emagrecimento aprovadas para as crianças, a semaglutida, tem um custo de cerca de quase R$7 mil por mês no país. Um estudo sugeriu que essa droga ajuda adolescentes a perder cerca de 16% de seu IMC alterando a regulação de energia nos intestinos e no cérebro. Como a liraglutida, a semaglutida está associada a câncer da tireoide sob determinadas condições. “Anos atrás, as crianças eram mais ativas do que são agora”, continuou DeSantis. “Elas tinham dietas melhores do que agora, então por que não damos foco a essas coisas em vez de enchê-las de medicamentos?”

Como informou anteriormente a Gazeta do Povo, estudos indicam que crianças obesas têm mais de 40 vezes mais chances que as mais magras de apresentar ao menos três fatores de risco cardiovascular. Entre crianças obesas, 70% tendem a continuar assim na vida adulta; entre os adolescentes, são 85%. Nessa vida adulta, têm o dobro do risco de morte comparadas a pessoas mais magras.

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