Paul Offit, médico especialista em vacinas do Hospital Pediátrico da Filadélfia, um dos mais respeitados do mundo na área, publicou nesta quarta (11) na revista médica NEJM (New England Journal of Medicine) que é hora de repensar as recomendações de dose de reforço das vacinas contra Covid-19. “A experiência do último ano nos ensinou que perseguir essas [sub]variantes da ômicron”, variante dominante do coronavírus SARS-CoV-2 há um ano, “com uma vacina bivalente é um jogo perdido”, declarou o cientista à revista Time.
A dose bivalente é uma atualização da vacina de mRNA (material genético do vírus) para que atue tanto contra a subvariante BA.4/5 da ômicron quanto contra as formas originais do vírus. Essa dose, no entanto, não se mostrou muito mais eficaz que a vacina original.
No artigo, Offit usa os dados de dois colegas, David Ho, da Universidade Columbia, e Dan Barouch, da Faculdade de Medicina de Harvard, para mostrar que as doses de reforço da vacina original e da vacina bivalente dão respostas imunes praticamente indistinguíveis contra a BA.4/5. O desempenho de ambas também não é muito diferente contra novas subvariantes como BQ.1, BQ.1.1, XBB e XBB.1.5, que foram responsáveis por 83% das novas infecções nos Estados Unidos na primeira semana de 2023.
Além disso, como as pessoas já sabem pela observação do que acontece consigo, com amigos e familiares, ninguém parece estar imune a ser infectado e desenvolver Covid. De fato, outro estudo com prisioneiros americanos mostrou que a imunidade híbrida, derivada tanto de vacina quanto infecção prévia, é a que mais evita transmissões, mas com uma eficácia pouco impressionante de 40%.
Países que, acidentalmente ou propositalmente, tiveram políticas que levaram a mais pessoas com imunidade natural e híbrida têm os melhores resultados populacionais de proteção contra Covid, se saindo melhor que países que investiram em políticas como “Covid zero”.
“Pecado original antigênico”
O desempenho da dose bivalente, apesar de ter material genético atualizado para uma subvariante mais recente do vírus, também não impressiona por um motivo conhecido na literatura especializada como “pecado original antigênico”. O “pecado” está em o organismo tratar toda nova versão de um vírus como idêntica àquela que ele primeiro “viu” e registrou nas defesas do sistema imunológico. Esse efeito, comenta Offit, significa que perseguir atualizações de vacinas com novas variantes e subvariantes pode não levar a resultados melhores. De fato, um estudo concluiu que pode levar a resultados piores, aumentando as chances de infecção com o vírus.
As vacinas contra Covid-19 não serviram para conter o espalhamento da doença, mas se mostraram eficazes em bons níveis contra a doença severa. A vacina da Pfizer/BioNTech, segundo o Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME), associado à Universidade de Washington, tem eficácia de 72% contra a doença severa para as subvariantes BA.1, BA.2 e BA.5.
Contudo, o caso de todas essas subvariantes é que causam geralmente doença leve. Inocular todas as pessoas, independentemente de terem comorbidades, com a dose bivalente seria “tentar impedir, em pessoas saudáveis, uma doença leve por alguns meses”, diz Offit, já que, como é o caso geral, essa proteção vacinal decai rapidamente em poucos meses. Até outra dose ser “necessária” para a próxima variante. “Isso não faz sentido”, conclui o cientista.
A dose bivalente “foi anunciada como melhor para impedir a doença leve a transmissão quando não havia evidência para isso”, acrescenta o especialista. De fato, o governo americano investiu milhões de dólares em doses da vacina bivalente apesar da falta de dados em humanos, quando a fabricante só tinha conclusões baseadas em roedores de laboratório. Ela pode ajudar pessoas com comorbidades, tais como os idosos e os imunocomprometidos, mas não há razão para políticas públicas de vacinação generalizada.
Paul Offit pede que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, antes de recomendar o reforço bivalente, justifique sua necessidade estudando quais pessoas ainda estão sendo hospitalizadas com Covid, sua idade, seus problemas imunológicos e outros problemas de saúde. “Forneçam esses dados e podemos descobrir quem realmente precisa do reforço. Inicialmente, todos se beneficiaram com a vacina e o reforço. Mas precisamos descobrir quem se beneficia agora”, reflete o médico.
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