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A Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, publicou um estudo sobre o desenvolvimento de “ratos humanizados” com excertos de pele extraída de fetos abortados. Segundo o documento, que inclui fotos dos experimentos, pedaços de pele humana de “espessura completa”, retirados do couro cabeludo e das costas de fetos, foram enxertados nos roedores, enquanto tecidos linfóides (ligados ao sistema imunológico do organismo) e células-tronco do fígado do feto foram inseridos nos animais, de modo que os roedores fossem “humanizados” com órgãos e pele da mesma criança. Em seguida, os ratos foram infectados com uma bactéria para que os pesquisadores pudessem estudar a reação dos órgãos. O caso veio à tona por conta de uma reportagem produzida pela Fox News.
A alegação dos pesquisadores da universidade é que o estudo tem como objetivo auxiliar futuras pesquisas sobre a ação do sistema imunológico quando a pele está infectada por alguma doença. Tecidos de fetos humanos abortados - de forma espontânea ou induzida - são amplamente utilizados pela medicina desde a década de 1930. Desde que o público passou a ter acesso a informações sobre a existências dessas pesquisas, contudo, várias questões éticas têm sido levantadas.
Na “justificativa ética” apresentada pela Universidade de Pittsburgh para a realização do estudo, consta que foram utilizados “tecidos fetais humanos não-identificados” na idade gestacional de 18 a 20 semanas, fase abarcada pela legislação do estado da Pensilvânia, onde o aborto é permitido até a 24ª semana (seis meses) de gestação. A própria ciência atesta o surgimento de um novo indivíduo, com código genético único, desde o encontro dos gametas masculino e feminino. Ou seja, existe um ser humano desde a concepção.
Os pesquisadores afirmam que os bebês foram obtidos de abortos “com indicação médica ou eletiva” por meio do Hospital Magee-Women, especializado em ginecologia e obstetrícia, e do Banco de Tecidos de Ciências da Saúde, ambos ligados à faculdade de medicina da universidade.
O documento afirma também que as “doadoras maternas” deram consentimento por escrito para uso dos fetos, de acordo com um protocolo revisado e aprovado pelo Conselho de Revisão Institucional da Universidade de Pittsburgh. “O uso de tecidos fetais humanos não-identificados não constituiu pesquisa em seres humanos, conforme definido nos regulamentos federais”, afirma a instituição. O trabalho foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) e apoiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID). O responsável pelo NIH é o imunologista Anthony Fauci, que autorizou o financiamento das pesquisas de ganho de função no Instituto de Virologia de Wuhan.
"Esse tecido é o resultado de uma ação que teve este fim como objetivo? Neste caso, para mim, é inconcebível. Agora, se existem abortos e há tecidos disponíveis para uso, se a operação não aconteceu com essa finalidade, aparece um critério de justificativa", diz o filósofo Francisco Razzo, colunista da Gazeta do Povo e autor do livro “Contra o Aborto” (Ed. Record). O erro, portanto, está um passo atrás. "O consentimento para a doação do tecido aconteceu por conta de um aborto - ou seja, o erro já está feito. O próprio aborto já feriu a dignidade humana".
Questões éticas e filosóficas
Muitos tratamentos e vacinas sem os quais é difícil imaginar a vida como conhecemos foram produzidos a partir de culturas de células de tecidos derivados de fetos abortados - como é o caso da vacina contra a poliomielite. Os casos mais famosos de células provenientes de fetos abortados utilizados pela ciência são o de uma menina abortada na Holanda, em 1972, cujas células renais deram origem à linhagem HEK-293, e um bebê de 18 semanas de gestação, abortado em 1985, cujas células da retina levaram à linhagem PER.C6.
Desde então, essas culturas de células vêm sendo amplamente replicadas e utilizadas em dezenas de estudos em diversas áreas, inclusive para a produção de vacinas contra a Covid-19. Até agora, sabe-se que as vacinas de Oxford, Janssen e Sputnik usaram essas culturas na fase de produção, enquanto Coronavac, Moderna e Pfizer utilizaram na fase de testes. Em dezembro do ano passado, o Vaticano já se posicionou oficialmente sobre o assunto, explicando que é moralmente aceitável que se receba um tratamento oriundo destas culturas, dada a gravidade da pandemia da Covid-19.
No caso do estudo de Pittsburgh, contudo, a questão moral é outra, uma vez que são tecidos retirados de fetos recém-abortados - o que também não é tão incomum. “Pesquisas sobre diabetes, esclerose múltipla e osteoporose foram feitas com estes tecidos. E uma das questões éticas postas desde o princípio é a de que esse tipo de ação poderia levar à indução de abortos por conta do interesse científico. Atualmente, existem regras para impedir que as instituições lucrem com isso”, explica o biólogo Tiago Garros, membro da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2).
O problema é que, embora nos protocolos da universidade conste que as doadoras em questão devem estar completamente decididas pelo aborto antes de assinar o documento que viabiliza a doação, é difícil garantir por completo que nenhuma vida humana seja deliberadamente instrumentalizada pela ciência - e que a pesquisa com as células seja “apenas” uma tentativa de fazer um “bom uso” de um mal que já está dado.