Mudar de ideia fica difícil, afirmam os pesquisadores de Harvard, quando se vive num ciclo em que só se lê aquilo que já confirma sua própria visão de mundo, seja ela qual for.| Foto: Imagem de <a href="https://pixabay.com/pt/users/terimakasih0-624267/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=557586">Dean Moriarty</a> por <a href="https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=557586">Pixabay</a>
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O que França, Alemanha, Itália, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos têm em comum? Em geral, seus cidadãos não fazem a menor ideia de quantos são, quem são, que religião praticam e quanto ganham os imigrantes legais de seus países. Foi o que concluíram, em 2018, três pesquisadores do Departamento de Economia da Universidade Harvard, Alberto Alesina, Armando Miano e Stefanie Stantcheva.

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Utilizando um questionário online desenvolvido especialmente para o projeto, a equipe entrevistou cerca de 24 mil pessoas nos seis países. “Em todos os locais, os entrevistados superestimam o total de imigrantes, consideram que eles são muito distantes em termos culturais e religiosos e têm menor potencial econômico do que de fato possuem. Os cidadãos em geral consideram os imigrantes menos educados, com maiores taxas de desemprego e maior dependência de ajuda do governo do que a realidade aponta”. As pessoas também exageraram o percentual de imigrantes vindos do norte da África e o total de praticantes do islamismo.

No Brasil, na mesma época, a pesquisa Perigos da Percepção, realizada pelo instituto Ipsos, chegou a resultado semelhante: apenas 0,4% da população nacional é formada por imigrantes, mas ainda assim os entrevistados disseram, em média, que 30% dos moradores do país são cidadãos vindos de outros lugares. Os brasileiros também afirmaram que 16% da população é muçulmana. Na verdade, a religião é praticada por menos de 1% do total.

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Por que isso acontece? Como é possível que a percepção das pessoas seja tão diferente da realidade? Os três pesquisadores de Harvard realizaram um novo estudo, que abrangia outros temas sensíveis além da imigração. O trabalho foi publicado em janeiro deste ano (no dia 23 de maio, um dos autores, Alberto Alesina, morreu aos 63 anos). E confirma: a ideologia interfere diretamente na capacidade de apreender fatos.

Construção de narrativas

A pesquisa de 2020, chamada The Polarization of Reality, comparou a posição de republicanos e democratas a respeito de temas como imigração, mobilidade social e políticas para tentar diminuir as desigualdades sociais, como um sistema tributário progressivo e a concessão de ajuda financeira da parte do governo. O objetivo era entender como cada entrevistado constrói sua opinião.

Os economistas identificaram que os conservadores são muito mais otimistas sobre as chances de uma pessoa, saindo de classes sociais mais pobres, alcançar classes mais abastadas.  Por outro lado, entre quem se identifica com um espectro político mais à esquerda, 37,4% consideram que uma pessoa pobre continuará sendo pobre. Entre os republicanos, esse percentual é muito menor, 29,5%.

De fato, a percepção da economia varia muito de acordo com a visão política do cidadão, como apontou a pesquisa Consumer Confidence Survey realizada em abril de 2019: 80% dos republicanos expressavam confiança na economia sob o governo do presidente Donald Trump, contra 42% dos democratas. E esse tipo de visão da realidade interfere nas opiniões dos entrevistados sobre programas sociais de todo tipo, e até mesmo na posição sobre, por exemplo, a adoção de medidas mais educativas ou mais violentas contra criminosos.

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Olhar aberto

Essas diferenças são construídas ao longo dos anos, dizem os pesquisadores, na medida em que as pessoas buscam informações em fontes coerentes com sua visão de mundo. “Muitos assuntos são sujeitos a narrativas políticas. Apresentar fatos que apontem numa direção diferente mudam pouco a visão de mundo das pessoas”. Mudar de ideia fica difícil, afirmam os pesquisadores de Harvard, quando se vive num ciclo em que só se lê aquilo que já confirma sua própria visão de mundo, seja ela qual for.

Adam Berinsky, professor de ciência política do Massachusetts Institute of Technology (MIT), chegou à conclusão parecida quando analisou rumores e boatos na política. Descobriu que, na maioria dos casos, tentar corrigir as fake news só pioras as coisas. “As pessoas usam sua experiência metacognitiva – ou seja, quão fácil é relembrar ou coletar novas informações – como um sinal de veracidade da informação. Ou seja, quando mais uma afirmação é repetida, mais fluida se torna sua apreensão”, concluiu no artigo Rumors, Truths, and Reality: A Study of Political Misinformation. Por outro lado, quando se rompe esse ciclo, a atitude de se manter aberto a novas informações e novas experiências altera até mesmo a percepção visual.

Foi o que concluiu uma pesquisa realizada dentro das Universidade de Melbourne, na Austrália. “Indivíduos mais abertos a observar um determinado ambiente apresentam experiências visuais diferentes, na medida em que captam detalhes que outras pessoas não percebem”, conclui o trabalho, chamado Seeing it Both Ways: Openness to Experience and Binocular Rivalry Suppression. É possível, portanto, e recompensador, abrir-se para novas informações e novas experiências.