Todo mês de agosto nos últimos 43 anos, Twinsburg, Ohio, recebeu o maior encontro de gêmeos do mundo. Duas décadas atrás, os organizadores adicionaram uma atração à programação de desfile, show de talentos e lanches que atraiu mais de dois mil pares este ano: a chance de participar de pesquisas. Cientistas competem pela chance de testar a exposição dos gêmeos ao sol, seu risco de derrame e suas preferências alimentares.
"Todos os anos recebemos mais pedidos de pesquisa do que conseguimos atender", diz Sandy Miller, organizadora do Festival Twins Day e mãe de gêmeos de 54 anos. "Nós simplesmente não temos espaço para todos os cientistas que querem vir."
Desde que o cientista inglês Francis Galton publicou um artigo sobre a hereditariedade de características em 1875, os pesquisadores ficaram fascinados em como o comportamento e a saúde de gêmeos idênticos diferem ao longo de suas vidas.
"Os gêmeos são o experimento da natureza", diz o neuropsiquiatra australiano Perminder Sachdev, que dirige o Older Australian Twins Study, que já recrutou mais de 300 pares de gêmeos com mais de 65 anos para analisar como a atividade física, trauma psicológico, consumo de álcool e nutrição afetam seus cérebros, psiques, metabolismos e corações.
Como os gêmeos idênticos são o resultado de um único óvulo que se divide em dois, eles compartilham o mesmo DNA e fornecem um laboratório perfeito para responder questões antigas sobre os papéis dos genes e do ambiente: Por que um gêmeo tem câncer de mama e o outro não? Como a obesidade aumenta o risco de diabetes tipo 2? A genética realmente determina se você tem mais chances de possuir uma arma ou de ir para a faculdade?
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"Quando você faz um estudo na população em geral, você está comparando pessoas de diferentes idades, sexo, origens, histórias alimentares, níveis educacionais e socioeconômicos", diz Sachdev. "Mas com gêmeos, você controla automaticamente muitas dessas variáveis."
As ferramentas de sequenciamento genético, que detalham a nossa biologia mais do que nunca, fornecem novas respostas para sabermos por que ficamos doentes ou por que somos como somos. Nesta era da genética molecular, os cientistas podem identificar quais genes estão ligados a doenças – e, mais recentemente, se certos genes são ligados e desligados ao longo do tempo, um campo conhecido como epigenética.
"Podemos extrair mais dos componentes genéticos da natureza versus a criação", diz Christopher Mason, geneticista da Weill Cornell Medicine, em Nova York. Quando gêmeos idênticos nascem, são 99,999% iguais, mas à medida que envelhecem, os efeitos do estilo de vida, de traumas, de estresse ou de doenças fazem com que seus genes sejam expressos de maneiras distintas. "Eles experimentam as pressões do ambiente de maneira diferente", diz ele. "Os estudos de gêmeos ajudam você a ver os fatores de mudança."
Em um dos experimentos mais puros com gêmeos já projetados, Mason fez parte da equipe que comparou os efeitos de um ano passado no espaço pelo astronauta de 52 anos Scott Kelly com a experiência baseada na Terra de seu gêmeo idêntico, Mark. Os pesquisadores descobriram que o tempo de Scott Kelly na Estação Espacial Internacional havia alterado a expressão de 7% de seus genes, incluindo aqueles envolvidos na oxigenação do sangue e no reparo do DNA. "Foi surpreendente quantos genes responderam ao estresse dos voos espaciais", diz Mason.
Mason diz que a pesquisa oferece uma visão sobre como estudar os efeitos de ambientes agressivos. "Queremos aproveitar a capacidade dos estudos com gêmeos para entender a fisiologia humana em condições extremas, como mergulhar, escalar o Monte Everest ou voar em aviões de caça", diz ele.
O intenso interesse em como os genes afetam nossas vidas inspirou cientistas de todo o mundo – inclusive nos Estados Unidos, na Holanda, na Dinamarca, na China e em Cuba – a criar grandes registros nacionais de gêmeos. O maior deles, que tem dados sobre 85 mil pares de suecos, está sendo usado para pesquisar alergias, câncer, demência, doenças cardiovasculares e outros tópicos.
Um dos objetivos do Older Australian Twins Study é descobrir os fundamentos genéticos da perda das capacidades cognitivas à medida que as pessoas envelhecem. Usando imagens cerebrais de 92 pares de gêmeos idênticos e outros testes, Sachdev concluiu que 70 por cento da doença dos pequenos vasos cerebrais, um tipo de lesão cerebral associada à demência, é determinada geneticamente. Ele espera que o mapeamento do genoma completo dos gêmeos e a comparação de seus epigenomas para ver quais genes foram ativados revelem os mecanismos por trás do desenvolvimento. "O objetivo final seria um medicamente que impediria a doença de progredir", diz ele.
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Os estudos com gêmeos têm sido tão populares que uma meta-análise de 2015 descobriu que os pesquisadores analisaram nada menos que 17.800 características – incluindo depressão, doenças cardiovasculares e porte de armas – envolvendo mais de 14,5 milhões de pares de gêmeos nos últimos 50 anos. A análise concluiu que tanto "natureza" (com o que você nasceu) quanto “criação” (a que você é exposto enquanto envelhece) são quase igualmente importantes para entender a personalidade e a saúde das pessoas: a variação de características e doenças foi, em média, 49% atribuível a genes e 51% ao ambiente.
Ainda assim, o debate está longe do fim, dizem os especialistas, porque as influências genéticas e ambientais mudam com o tempo. Por exemplo, um estudo de 2017 que mediu o IMC de 140 mil pares de gêmeos de todo o mundo descobriu que o papel do meio ambiente (tradução: sua capacidade de perder peso através de dieta e exercícios) aumenta à medida que você envelhece – oferecendo esperança a quem culpa seus genes pelo número na balança.
Uma das maiores promessas da pesquisa com gêmeos é explicar por que as pessoas com DNA idêntico não adoecem na mesma taxa.
Em um estudo de 2016, pesquisadores da Universidade do Sul da Dinamarca analisaram os epigenomas de 28 gêmeos idênticos em que um tinha artrite reumatoide e o outro não. O tabagismo é uma das principais causas da doença, e os pesquisadores descobriram que alguns dos fumantes do grupo tinham danificado a função do DNA em regiões associadas a inflamação e autoimunidade, mesmo muito depois de terem parado de fumar. Os resultados também identificaram marcadores biológicos importantes que ajudarão a futuras pesquisas, diz o co-autor Qihua Tan, um bioestatístico que estuda epigenética em gêmeos.
Apesar de um consenso sobre o valor dos estudos com gêmeos, há discordância sobre onde focar os recursos. Alguns cientistas acreditam que o sequenciamento genético de um grande número de pessoas não aparentadas – nos chamados estudos de associação genômica ampla (GWA) – resultará na próxima onda de progresso científico.
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"Em vez de fazer outro estudo olhando para a hereditariedade da esquizofrenia com gêmeos, façamos um grande estudo de GWA com 250 mil pessoas e identificar onde ela existe no genoma", diz Patrick Sullivan, psiquiatra da Universidade da Carolina do Norte, que fundou um consórcio de 800 pesquisadores que estudam transtornos mentais. "Podemos entrar diretamente na biologia. Isso é algo que estudos de gêmeos não podem fazer". Ele diz que a tecnologia é vantajosa agora: cerca de US$ 30 por pessoa, em comparação com US$ 1.000 uma década atrás.
Talvez o estudo genético ideal do futuro contenha tanto o poder do GWA quanto o conhecimento que pode vir da pesquisa com um grupo menor de gêmeos. Em um estudo de 2017 sobre a ligação entre obesidade e diabetes tipo 2 e doenças cardíacas, os pesquisadores analisaram os epigenomas de 5.400 pessoas não relacionadas da Europa e da Índia. Eles descobriram que a expressão de DNA em pessoas com IMCs mais pesados era diferente em 187 locais, incluindo locais envolvidos no metabolismo do colesterol e inflamação. Os resultados sugeriram que a obesidade ligou genes associados a essas doenças.
No entanto, o estudo também incluiu o trabalho de pesquisadores do registro TwinsUK que estudaram amostras de sangue e tecido adiposo de 200 gêmeos. "Vimos que irmãs gêmeas idênticas com diferentes IMCs tinham riscos diferentes de desenvolver diabetes tipo 2", diz Jordana Bell, pesquisadora em epigenômica do King's College London. "Este é um trabalho empolgante. A pesquisa dos gêmeos nos ajudou a entender como a obesidade é um fator de risco".
Os gêmeos também acrescentam um contexto importante sobre suas experiências de vida, que John Hopper, epidemiologista e diretor da Twins Research Australia, chama de abordagem "de marreta" de sequenciar pessoas aos milhares. Por exemplo, para auxiliar um estudo internacional baseado na Universidade do Sul da Califórnia, ele está recrutando pares em que um gêmeo tem câncer de mama e o outro não.
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"Poderemos preencher as lacunas perguntando: 'Quem passou pela puberdade primeiro? Quem desenvolveu seios primeiro?’"diz Hopper. "A magia de estudar gêmeos é que você obtém insights sobre as causas da doença que você não poderia ter de outra maneira. Há ouro entre os gêmeos".
Sandy Miller, do Twins Days Festival, diz que as tendas de pesquisa são um grande sucesso. "A área está sempre lotada, e todos os anos, as pessoas ligam para ver quais programas serão apresentados", diz ela. "Os gêmeos fazem isso porque querem. Eles sabem que os resultados ajudam a todos – não apenas gêmeos, mas você e eu também".
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