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Desinformação e Fake News: estudo do efeito da terceira pessoa
Em quatro estudos nos EUA e no Reino Unido, 77% dos participantes expressaram que acreditam que as pessoas em geral são mais crédulas que eles próprios. Somente 18% pensavam que eles tinham maior risco de cair em fake news que os outros. O “efeito da terceira pessoa”, que subestima a capacidade crítica dos outros, alimenta chamados por censura, sugerem cientistas.| Foto: Eli Vieira com Midjourney

Um novo estudo concluiu que aqueles que defendem a criminalização da desinformação acreditam equivocadamente que são imunes aos seus efeitos. O estudo ainda apontou que essa postura política está associada à crença de que pessoas fora do círculo íntimo são mais vulneráveis às notícias falsas. O medo da desinformação também está relacionado a atitudes negativas em relação às novas tecnologias e a acreditar que problemas sociais têm soluções simples e causas claras. Além disso, essas pessoas tendem a acreditar que vivemos em um mundo perigoso e que é difícil identificar a desinformação.

O trabalho foi publicado no mês passado na revista acadêmica New Media & Society, e tem autoria de Sacha Altay, da Universidade de Oxford, e Alberto Acerbi, da Universidade Brunel em Londres. Ambos são doutores em ciência cognitiva e investigam crenças políticas e a mudança da cultura. Eles incluíram 1200 pessoas divididas em dois estudos no Reino Unido e dois nos Estados Unidos, com 300 pessoas em cada um.

Houve diferenças sensíveis entre os britânicos e os americanos em relação ao perigo percebido da desinformação. Os britânicos associam a desinformação a atitudes negativas em relação às novas tecnologias e à crença de que o mundo é perigoso, enquanto os americanos não. Ambos os grupos que temem a desinformação e querem criminalizá-la acreditam que os problemas sociais têm soluções simples e causas claras, e é difícil distinguir informações falsas de verdadeiras. O maior componente do medo da desinformação, contudo, com efeito estatístico equivalente ao dobro dos outros, é o chamado “efeito da terceira pessoa”.

Efeito da terceira pessoa

Esse fenômeno psicológico, proposto em 1983, consiste em superestimar a capacidade própria e de seu círculo social próximo de resistir a informações falsas e danosas, e subestimar a capacidade dos outros, especialmente se forem pessoas distantes de si. Em outras palavras, “indivíduos expostos a uma mensagem de mídia em massa vão esperar que essa comunicação tenha um efeito maior nos outros do que neles próprios”, como resume um artigo de 1996 de Hernando Rojas, professor da Faculdade de Jornalismo e Comunicação em Massa na Universidade de Wisconsin-Madison, e colaboradores. É como se as pessoas pensassem “eu e você não caímos em fake news, já eles...”, incentivando a criminalização da desinformação em nome de “proteger” esses terceiros.

O artigo de Rojas já expressava preocupação com a censura: “as expectativas a respeito dos efeitos potencialmente ‘perigosos’ de mensagens da comunicação parecem estar no coração do fenômeno da censura”, comentaram os autores. A ideia ecoa o intelectual americano Benjamin Franklin (1706-1790): “Aqueles que cedem liberdade essencial para adquirir uma segurança temporária não merecem liberdade nem segurança” (carta a um governador colonial em 1755).

O efeito da terceira pessoa pode ter resultados sociais negativos e positivos. Por um lado, pode alimentar o autoritarismo e a exigência por mais leis restritivas e mais censura. Por outro lado, pode estimular a proteção a pessoas mais vulneráveis e marginalizadas, uma característica que é exacerbada na esquerda, como explica o psicólogo social Jonathan Haidt.

Narrativas alarmistas

Uma vez tendo descoberto a importância do efeito da terceira pessoa como o principal preditor para a postura exagerar o potencial danoso da desinformação, Altay e Acerbi dedicaram os dois estudos finais, dos quatro que compõem o trabalho, para investigar se as diferenças entre as pessoas na percepção desse perigo contribuem para o sucesso cultural de “narrativas alarmistas sobre a desinformação”.

Os participantes britânicos e americanos foram expostos a manchetes alarmistas como “Desinformação no Facebook ganhou seis vezes mais cliques que notícias factuais nas eleições de 2020, diz estudo” e “QAnon [teoria da conspiração que diz que o poder está nas mãos de pedófilos anônimos] agora é tão popular nos EUA quanto algumas grandes religiões, sugere pesquisa”. Ambas são exemplos reais provenientes dos jornais Washington Post e New York Times, respectivamente. Elas foram chamadas de alarmistas por outros pesquisadores além dos autores do estudo.

As pessoas que mais pontuaram na percepção de perigo da desinformação foram mais propensas a dizer que curtiriam e compartilhariam essas manchetes. Do mais para o menos importante, os fatores psicológicos por trás dessa atitude, que são componentes do efeito da terceira pessoa, são a percepção de que “as pessoas em geral” são vulneráveis a acreditar em fake news; e o julgamento da pessoa individual que ela, diferente dos outros, não é vulnerável a isso. Considerar-se especial é, portanto, algo que está associado a defender mais censura e mecanismos de controle de informação pelo Estado.

Nos quatro estudos, 77% dos participantes expressaram que acreditam que as pessoas em geral são mais crédulas que eles próprios. Somente 18% pensavam que eles tinham maior risco de cair em fake news que os outros. Os autores do trabalho não pensam que isso significa, necessariamente, que a maioria é muito confiante em si mesma. Algumas das pessoas que dizem que tendem menos a acreditar em desinformação estão certas. A maioria, contudo, é pessimista demais a respeito do senso crítico dos outros.

“Ao menos três razões sugerem que mais otimismo pode ser justificado”, comentam Altay e Acerbi. Primeiro, “na média, as pessoas são boas em identificar fake news em pesquisas”. Segundo, as pessoas em geral não confiam em fontes notórias por serem muito politicamente tendenciosas e publicarem notícias falsas, e evitam consumir esse conteúdo. Em terceiro lugar, “os seres humanos são dotados de um arsenal de mecanismos cognitivos que permitem que eles avaliem a informação comunicada” e são capazes, desde cedo na vida, de “rejeitar informações que vêm de fontes incompetentes ou mal-intencionadas”.

Para os cientistas, atuar contra o alarmismo a respeito da desinformação e corrigir a percepção de que os outros são mais crédulos é importante porque “sustenta o apoio à democracia”. Quem está ameaçando a democracia, portanto, é quem, orientado por uma crença falsa de que é especial e os outros são tolos, poda a capacidade desses outros de influenciar o poder e as direções do próprio país em que vivem. “A legitimidade das decisões democráticas cai em função da irracionalidade percebida em outrem”, comentam.

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