Margareth Menezes (ministra da Cultura), Lula, Janja, Jean Paul Prates (ex-presidente da Petrobras) e Mauro Vieira (ministro das Relações Exteriores) durante evento do Programa Petrobras Cultural.| Foto: Filipe Araújo/MinC
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Parece um campeonato de cotas, mas é o resultado do maior edital de incentivo à cultura da história da Petrobras. 

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Na última sexta-feira (29), a companhia divulgou os 140 projetos que serão patrocinados até 2027 com recursos de mais de R$ 250 milhões. São filmes, festivais, manifestações populares, shows, games, podcasts, exposições, discos e peças de teatro escolhidos entre 8 mil inscritos — e por meio de critérios baseados em “eixos temáticos e dimensões transversais”.

Nas redes sociais, muita gente se queixou do atraso com que o anúncio foi feito (quatro meses depois do prazo previsto). Também foram registradas reclamações quanto ao número limitado de beneficiados, a centralização das empresas proponentes em capitais e o apoio a iniciativas já consolidadas (como bienais do livro e grandes produtoras de audiovisual).

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No entanto, o que mais chama a atenção na lista dos contemplados é a predominância de propostas com conteúdos identitários e sobre os chamados grupos minoritários. Segundo um levantamento realizado pelo jornal O Globo, 94% dos produtos culturais agraciados são, de alguma forma, woke.

Um percentual muito acima dos 25% de vagas reservadas para, de acordo com o edital, “mulheres, pessoas negras, pessoas oriundas de povos indígenas, comunidades tradicionais (inclusive de terreiros e quilombolas), populações nômades e povos ciganos, pessoas do segmento LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência e integrantes de outros grupos em situação de vulnerabilidade ou sub-representação na sociedade”. 

A relação dos selecionados, disponível no site da Petrobras, não oferece muitos detalhes sobre os projetos. Porém, uma passada pelo documento dá uma ideia do tipo de proposta que a empresa vai financiar.

Como o “festival de fomento e produção de palhaçaria feminina do Amapá”, o “musical baseado em ‘Sonho de Uma Noite de Verão’, de Shakespeare, com elementos da fauna, flora e folclore brasileiros” e o “podcast para crianças sobre os brincares do Brasil”. 

E o que dizer do “documentário sobre a comunidade quilombola Barra de Aroeira que busca a terra doada pelo imperador”? Ou da “produção e distribuição de longa-metragem ficcional sobre a alfabetização de Paulo Freire”?

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Ilustração do material promocional do edital do Programa Petrobras Cultural: foco em grupos "sub-representados".| Foto: Divulgação/Petrobras

“Classe artística vive delírio coletivo”, diz autor de manifesto anti-woke

No último mês de outubro, o diretor e roteirista Newton Cannito divulgou, com o também cineasta Josias Teófilo, o “Manifesto pela Liberdade de Criação Artística” — uma declaração contra o identitarismo na cultura brasileira e a censura aos intelectuais que não compactuam com os ideais woke.

Procurado pela reportagem da Gazeta do Povo para comentar o resultado do edital da Petrobras, ele diz que a classe artística brasileira está vivendo um “delírio coletivo”. E que o investimento da empresa em quase 140 projetos politicamente corretos é apenas um dos sintomas de um problema muito maior. 

“Quando o Elon Musk fala de vírus woke, não é só um modo de falar. Ele se está se referindo a um sistema ideológico que dominou as pessoas e ataca toda a tradição da cultura ocidental. É uma ideologia que separa a nação e as pessoas, que gera ódio e conflitos”, afirma o responsável pelo roteiro da recente cinebiografia de Silvio Santos e de séries como “Cidades dos Homens”. 

Consultor do ministério da Cultura e secretário do Audiovisual durante os dois primeiros governos do presidente Lula, Cannito admite que só percebeu a infiltração total do identitarismo no meio artístico de um ano e meio para cá. Desde então, tem pensado em formas de recuperar o que chama de “civilização tropical”. 

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“Precisamos investigar as tradições do Brasil, a nossa essência. Para voltar a imaginar possibilidades de futuro, de um futuro bom. Porque esse sistema de valores que está aí não é nosso, é importado. Na verdade, esse pessoal odeia o Brasil”, afirma o cineasta, integrante de um movimento chamado Artistas Livres. 

Em outubro, o grupo promoveu um jantar para declarar apoio a Ricardo Nunes na disputa à prefeitura de São Paulo (contrariando a maioria da classe, eleitora de Guilherme Boulos). O governador Tarcísio de Freitas foi representado no evento por sua secretária de Cultura, Marilia Marton.  

Para Cannito, que se diz católico e conservador, a cultura brasileira sempre foi marcada pela alegria, pelo diálogo e pela criatividade. Essas características, no entanto, não estão sendo retratadas na produção atual — cujos motes são o vitimismo, a criminalização de quem pensa diferente e uma paranoia com relação à população branca e ao campo político da direita.

“O povo brasileiro não é vitimista. E gosta de herói. Das chanchadas a ‘O Auto da Compadecida’ é assim. O povo brasileiro é muito para frente. E esse tipo de estética afastou completamente o público da cultura brasileira”, afirma. 

Cultura financiada pelo Estado é “um hospital do SUS em que ninguém vai” 

Mas, ao contrário de boa parte dos conservadores, Newton Cannito é um defensor do estímulo governamental aos artistas. De acordo com ele, Estados soberanos de todo o mundo, e de qualquer espectro político, incentivam a cultura. 

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“Tem que parar com essa polarização furada, com essa ideia de que ser de direita é ser contra o Estado investir em cultura”, diz. 

A questão central, segundo Cannito, é a forma como a política cultural brasileira está estruturada. Começando pela ideia de que ela é direcionada para o artista, e não para quem realmente importa: o público. 

“É como construir um hospital do SUS em que ninguém vai. E, para justificar, dizer: ‘Mas tudo bem, porque o médico é negro’”, afirma, referindo-se ao pretexto woke de promover a justiça social. 

O cineasta também questiona “a lógica completamente doida da Lei Rouanet”. “Você dá a uma empresa o poder de decidir o que vai ser produzido. Só que a empresa não quer dar dinheiro, quem dá dinheiro é o Brasil. Não tem sentido nenhum.” 

Mas como enfrentar uma ideologia que, como ele mesmo afirma, dominou totalmente o setor cultural do país? Para Cannito, é fundamental aumentar o nível do debate, retomando discussões sobre temas como qualidade e meritocracia. 

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“Precisamos enfrentar esses caras no dia a dia. Em dois anos, essa gente toda vai cair”, diz.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]