Antes de Jair Bolsonaro se tornar presidente e ser acusado de atacar a liberdade de imprensa, partidos de esquerda já aplicavam técnicas de intimidação e perseguição a jornalistas. O histórico de agressões a jornalistas por parte de militantes e políticos de esquerda foi alimentado por dinheiro público distribuído para sites que apoiavam os governos Lula e Dilma, e incluiu até ataques machistas e falas de teor racista, além da relativização da morte de um cinegrafista da TV Bandeirantes.
Hoje, o apoio ao candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva, é feito com muito entusiasmo por vários jornalistas. Jair Bolsonaro é tido por muitos como uma ameaça real à liberdade de imprensa, enquanto Lula seria seu contraponto. O jornalista Fábio Pannunzio, ex-âncora do Jornal da Band, chegou a publicar no Twitter, nesta última terça-feira (13), que nesta eleição só há duas possibilidades: “ou você vota em Lula ou vota nos nazistas''.
A mesma condescendência da imprensa também é direcionada a outros candidatos de esquerda, como Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que em plena campanha eleitoral de 2018 agrediu o jornalista Luiz Nicolas Maciel Petri, com socos e xingamentos, durante uma entrevista coletiva realizada em Boa Vista, Roraima, pois este fez perguntas incômodas sobre declarações de Ciro acerca de uma manifestação de brasileiros na fronteira. Durante os xingamentos, o candidato acusou Petri de trabalhar para o senador por Roraima Romero Jucá (MDB) e o mandou prender ali. Petri, que apresentava o programa Saldo Positivo na TV Tropical, afiliada do SBT em Roraima, no dia seguinte à agressão registrou um Boletim de Ocorrência contra Ciro no 1º Distrito Policial, por injúria e lesão corporal dolosa.
A Folha de S. Paulo, ao noticiar o caso, utilizou o eufemismo “leve empurrão” para amenizar a situação. Mesmo que a publicação tenha sido editada após a repercussão negativa, ainda hoje o tuíte com o termo está no ar. Já a extinta revista Época afirmou na ocasião, já no título de uma reportagem, que Petri provocou Ciro Gomes, em uma inversão dos papéis de vítima e agressor.
Embora um estudo recente tenha demonstrado que 80% dos jornalistas brasileiros declarem ser de esquerda, contra apenas 4% dos jornalistas com posicionamento mais à direita, nem sempre esquerda e imprensa estiveram em clima amistoso. Em 2004, Lula se envolveu em um incidente diplomático quando pediu a expulsão do jornalista americano Larry Rohter, decidindo pelo cancelamento de seu visto de permanência no Brasil. A fúria de Lula foi causada pela reportagem de Rohter com o título "Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional", publicada no The New York Times. O texto trazia a revelação de que o então presidente era um consumidor habitual — e excessivo — de bebidas alcoólicas. O Planalto publicou uma nota alegando que a acusação era "calúnia, difamação e preconceito", e não jornalismo.
"Partido da Imprensa Golpista"
Este tipo de abordagem crítica aos integrantes do partido sempre preocupou o PT, que se via — e ainda vê — como vítima de um suposto "Partido da Imprensa Golpista (PIG)", termo criado pelo falecido militante e jornalista Paulo Henrique Amorim (1943-2019), para se referir a um conjunto de veículos midiáticos que conspiraram e formariam uma oposição à esquerda, e principalmente ao PT.
O "PIG", segundo o jornalista e ex-deputado pelo PT baiano baiano Emiliano José, seria uma “força antidemocrática incansável, que se dedicaria à luta contra quaisquer governos progressistas porque sempre foi a favor de privilégios, e não aceitaria políticas públicas que beneficiam os mais pobres promovidas pelo PT”. Desta forma, o "PIG" manipularia o povo em favor das elites internacionais. Era representado, de forma grosseira, em charges publicadas na blogosfera chapa-branca petista, como um porco que ostentava armas, num processo de desumanização dos profissionais que justificava quaisquer agressões feitas a estes “golpistas”.
Estas ações agressivas foram aplicadas em massa pelos chamados black blocs, que entre 2013 e 2014 aterrorizaram o país em meio às “manifestações dos 20 centavos”, que lutavam contra o aumento das passagens de ônibus. Durante uma destas manifestações — que frequentemente terminavam em conflito com a polícia e depredações — no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2014, a tática black bloc foi longe demais: o cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, de 50 anos, que cobria os protestos, foi atingido na cabeça com um tiro de rojão disparado por black blocs e morreu dias depois por causa do ferimento. Os black blocs chegaram a ser defendidos pelo então secretário-geral do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Edilson Silva, que criticou a criminalização da estratégia Black Bloc e a elogiou pelo seu "inegável charme político". Os responsáveis pelo crime até hoje não foram a julgamento e seguem respondendo em liberdade.
O âncora e diretor chefe do Jornal Nacional, William Bonner, que hoje é elogiado por atuação crítica diante do governo Bolsonaro, foi duramente atacado durante a cobertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e chegou a ser acusado de ser um dos mentores do “golpe”. Dois anos antes, durante a cobertura da comemoração da vitória eleitoral de Dilma Rousseff na Avenida Paulista, em São Paulo, Bonner foi xingado com palavras de baixo calão por militantes petistas, que entoaram coros contra a imprensa.
Em outubro de 2016, Andréia Sadi, então repórter da Globo News, foi expulsa do diretório do PT, em São Paulo, aos gritos de "Globo Golpista, não passarão!", "A Globo Apoiou a Ditadura!" e "Assessora do PMDB". As agressões continuam até os dias atuais. Em 2019 o repórter da Jovem Pan, Marcelo Mattos, foi hostilizado por petistas durante a cobertura de uma manifestação na avenida Rebouças, em São Paulo. Mattos foi cercado, chamado de “fascista” e “golpista”, e recebeu vaias e apupos para que saísse do local.
Ainda hoje militantes do PT tratam a imprensa com ódio, embora de forma velada. É o caso do ativista Thiago dos Reis, criador do blogue Plantão Brasil, que conta com mais de 1 milhão de seguidores no Facebook e é destinado a atacar Bolsonaro e defender Lula — nesta ordem. Reis, que na última semana informou que teve a sua candidatura a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PT indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por causa de um erro cometido pelo partido em sua filiação, também é ligado às páginas “Eu Odeio a Globo” e “Pig Golpista”.
“Democratização dos veículos de imprensa”
Para barrar críticas a Lula na imprensa, o Partido dos Trabalhadores adota há algumas décadas a bandeira da chamada “democratização dos veículos de imprensa”. Segundo esta tese, existem poucos atores controlando os meios de comunicação, o que supostamente faria com que a notícia chegasse sempre de forma enviesada aos leitores. Seguindo este espírito, Lula condicionou a sua participação ao programa Roda Viva a saber com antecedência quem seriam os jornalistas que o entrevistariam. O programa, claro, recusou estes termos.
Ainda que não esteja claro de que forma a regulação da imprensa defendida por Lula será implementada, ela está nos seus planos desde antes do início desta campanha eleitoral e apreende setores mais à direita, que temem a implantação de um regime de censura nos moldes dos encontrados na Venezuela, em Cuba e na China, coincidentemente regimes defendidos e apoiados pelo PT. Para Rodrigo Constantino, colunista da Gazeta do Povo, o silêncio de jornalistas a esta “ameaça de Lula feita na cara dura” pode ser explicado pelo retorno de verbas públicas suntuosas distribuídas pelo Estado caso Bolsonaro saia do governo.
Esta necessidade de que o partido estivesse em um ambiente controlado fez com que o PT promovesse e se cercasse de diversos veículos chapas-brancas. Justamente nos anos em que o PT esteve à frente do Executivo, estes sites proliferaram à base de polpudos recursos públicos, e o defendiam com unhas e dentes. Segundo reportagem de Fernando Rodrigues, publicada no UOL em julho de 2015, havia uma desproporção entre os altos valores pagos por visitantes dos sites, e chegava a ser 800% maior do que nos grandes portais de notícias, como o G1.
Além disso, havia três empresas estatais mais propensas a patrocinarem propagandas em veículos de baixa circulação: Petrobras e suas subsidiárias, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Todas comandadas por pessoas indicadas e apadrinhadas pelo PT. Os veículos contemplados com estas benesses também eram escolhidos a dedo pela cúpula petista e os critérios eram pouco transparentes.
Diário do Centro do Mundo, Carta Maior, Brasil 247, Conversa Afiada e Jornal GGN viveram o seu auge à base de recursos pagos pelo governo. Com o impeachment de Dilma Rousseff, e a chegada de Michel Temer à Presidência, este repasse, que chegou a mais de R$ 9 milhões em 2014, foi finalmente cancelado.
Ataques a mulheres jornalistas
Ainda que hoje o PT alardeie ser defensor das mulheres, no passado já fez diversos ataques a mulheres jornalistas. Além do caso de Andréia Sadi, há também o caso de Débora Bergamasco, então diretora da sucursal de Brasília da Revista Isto É, que em 2016 foi atacada por causa de sua matéria "A Delação de Delcídio". Débora foi difamada e acusada, em um artigo apócrifo publicado no blog Diário do Centro do Mundo, de ter um caso extraconjugal com o ex-ministro da justiça petista José Eduardo Cardozo para coletar informações para a publicação desta reportagem. Mesma agressividade machista direcionada à jornalista Dora Kramer, que em 2019 recebeu comentários ofensivos do senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado histórico do PT.
Como resposta a um artigo crítico de Dora, Calheiros escreveu em uma rede social que fugiu do assédio feito por ela e encorajou outros políticos a namorá-la, mesmo ela sendo casada. Entre os citados estão o ex-ministro Geddel Vieira de Lima, e o ex-senador Ramez Tebet, pai da candidata à Presidência Simone Tebet, falecido em 2006. Dora se limitou a dizer que não responderia às acusações de Calheiros porque “o que ele diz fala por ele".
Em 2017, Paulo Henrique Amorim ainda chegou a ser condenado por injúria racial, por ter chamado o jornalista Heraldo Pereira, da TV Globo, de "negro de alma branca". Amorim, que recebia dinheiro do PT em forma de patrocínio ao site chapa-branca Conversa Afiada, ainda disse que Pereira "não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”.