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“arte” animal

Pigcasso e seus amigos: isso é arte?

A porca ‘Pigcasso’: quadros vendidos por mil euros | Reprodução/YouTube
A porca ‘Pigcasso’: quadros vendidos por mil euros (Foto: Reprodução/YouTube)

Uma busca rápida na internet revela milhares de telas pintadas por animais – de elefantes a porcos e chimpanzés – à venda. A maioria dessa “arte” animal não custa caro (e muitas vezes a receita é destinada a esforços de preservação da natureza), mas há exceções. Em 2005, três pinturas de autoria do chimpanzé Congo, oferecidas em leilão no Reino Unido, atraíram mais interesse do que um trabalho de Andy Warhol e do que uma escultura de Renoir. Congo, que morreu em 1964, representa um caso excepcional: diz a lenda que Pablo Picasso tinha uma das pinturas feitas pelo primata na parede de seu estúdio.

No mesmo ano em que o mundo perdeu Congo, o jornalista sueco Åke “Dacke” Axelsson conseguiu incluir, numa mostra de obras de pintores abstracionistas de diversas partes da Europa, algumas telas de um francês desconhecido, Pierre Brassau. Pelo menos um crítico declarou que o trabalho de Brassau era a melhor coisa da exposição, e revelava “a delicadeza de um bailarino”. “Pierre”, no entanto, era um chimpanzé de quatro anos, chamado Peter, e morava num zoológico.

A pegadinha de Axelsson fez história. Em 2005, tabloides europeus noticiaram que uma especialista alemã havia “identificado” uma tela pintada por um macaco como sendo obra do renomado artista Ernst Wilhelm Nay.

O objetivo desses exercícios, ridicularizar a arte moderna e a crítica que se propõe a validá-la e interpretá-la, apela à intuição popular sobre os rumos da arte: em 1961, três anos antes da estreia de Pierre Brassau, o italiano Piero Manzoni havia produzido sua obra “Merda d’Artista”, composta por 90 latas contendo, cada uma, 30 gramas das próprias fezes. Pelo menos uma dessas latas foi vendida por seu peso líquido em ouro. Se isso conta como arte, por que não os rabiscos de um animal?

Pollock

“Para haver arte, é preciso haver o mix de intencionalidade, acaso, projeto, racionalidade e expressão”, explica o professor, designer gráfico e pesquisador de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Octavio Aragão.

“O acaso vem quando você, por exemplo, precisa de uma área ‘gestual’ em seu trabalho. Você ‘joga’ a tinta e, claro, não tem controle sobre como ela vai esparramar sobre a tela, mas pega o resultado do ‘acaso’ e insere dentro do contexto, sob uma determinada ‘ordem’. Pollock, por exemplo, costumava dizer que seu trabalho não tinha nada de ‘acaso’, tudo estava ‘sob controle’”, completa Aragão, referindo-se ao americano Jackson Pollock, famoso pelas pinturas abstratas em que a tinta era derramada ou arremessada sobre a tela.

Enquanto não houver prova de que os animais pintores seguem um projeto, têm a intenção de criar uma obra e pretendem expressar algo com ela – em vez de estarem apenas brincando com pincéis e tinta – suas pinturas, mesmo se consideradas belas, ou até mais belas que os trabalhos de certos seres humanos, serão “obras da natureza” e não “obras de arte”, diz o pesquisador.

“Hoje é mais fácil aceitar que os animais apresentem algum tipo de representação mental, mas daí a dizer que aqueles chimpanzés e elefantes pintores estavam fazendo arte já é uma extrapolação grande”

Eduardo BessaProfessor de Comportamento Animal UnB

Mentes animais

Mas, afinal, há como saber se os animais têm – ou não têm – uma vida subjetiva que inclui a capacidade de planejamento e o desejo de expressar algo por meio de cores e imagens? “Entrar na mente dos animais está mais para paranormalidade do que ciência”, brinca o pesquisador Eduardo Bessa, professor de Comportamento Animal da Universidade de Brasília (UnB).

“Temos muito poucas evidências que indiquem um mundo subjetivo, ou uma experiência subjetiva complexa, entre animais”, prossegue. “Alguns exemplos muito simples de modelos mentais em animais podem ser vistos nos simpáticos experimentos em que fazem truques de mágica para animais. Por que outro motivo o truque seria surpreendente, se o animal fosse incapaz de construir um modelo mental do que deveria acontecer?” Alguns desses experimentos podem ser vistos no YouTube.

“Enfim, hoje é mais fácil aceitar que os animais apresentem algum tipo de representação mental, mas daí a dizer que aqueles chimpanzés e elefantes pintores estavam fazendo arte já é uma extrapolação grande”, afirma Bessa. “Tem muitos casos em que os tratadores dão as tintas ou cores para os animais, e ainda demonstram como usá-las”.

Animais podem ser extremamente sensíveis às expectativas de seus tratadores. No início do século 20, um cavalo, apelidado de “Hans Esperto”, ficou famoso na Alemanha pela suposta capacidade de, entre outras tarefas mentais complexas, fazer aritmética: quando lhe perguntavam o resultado de uma soma, ele batia o casco no chão o número de vezes correspondente à resposta correta. Depois de algum tempo, ficou demonstrado que ele estava reagindo à linguagem corporal de seu treinador, começando e parando de bater o casco quando percebia que era isso o que o humano desejava.

Em 2008, o biólogo britânico e especialista em comportamento animal Desmond Morris (responsável, nos anos 50, por revelar ao mundo o talento do chimpanzé Congo) foi à Tailândia visitar um santuário de elefantes que produzem pinturas figurativas – imagens de vasos de flores, por exemplo. Em artigo para o jornal “Daily Mail”, Morris explica que descobriu que os elefantes não pintam por conta própria – na verdade, respondem a sinais dados pelo tratador.

“Investigando mais a fundo”, escreveu Morris, referindo-se aos elefantes tailandeses, “fica claro que os chamados animais artistas produzem sempre exatamente a mesma imagem, dia após dia”.

O brasileiro Bessa, por sua vez, teve uma experiência pessoal com arte símia. “Quando tentei fazer pinturas com os chimpanzés do Zoo de Brasília nos anos 90, os resultados não foram nada animadores: mais de 30 pedaços de crayon comidos, em geral pelos machos. Nunca conseguimos reaver uma folha rabiscada em condições mínimas de integridade”.

Passarinho

Em seu livro “Invented Worlds: The Psychology of the Arts” (“Mundos Inventados: Uma Psicologia das Artes”), a psicóloga americana Ellen Winner dedica uma seção a supostos animais-artistas. “Chimpanzés lembram crianças em seu senso notável de equilíbrio visual”, escreve. Tratando da obra de Congo, Winner conclui que “as pinturas não são, de modo algum, uma compilação de rabiscos aleatórios, mas revelam um senso de equilíbrio e relações espaciais”.

A autora dá especial destaque a Moja, uma fêmea de chimpanzé treinada para se comunicar com humanos por meio de linguagem de sinais. Esse tipo de pesquisa esteve em voga nos anos 60 e 70, até ser virtualmente abandonada por causa de preocupações éticas com o bem-estar dos animais e da ambiguidade dos resultados: até hoje se debate se os animais que se sobressaíram nesses programas realmente adquiriram uma linguagem, ou apenas foram condicionados a fazer determinados gestos para conseguir certas coisas – como o cão que aprende a dar a patinha para ganhar um biscoito – ou se exibiam uma sensibilidade exacerbada às expectativas de seus treinadores, como o cavalo “Hans Esperto”.

Num artigo publicado em 1978, os psicólogos Allen e Beatrice Gardner escrevem que Moja, aos três anos, desenhou uma linha curva e largou o crayon, recusando-se a continuar. Quando o tratador insistiu, ela fez com as mãos o sinal de “terminado”. Quando o tratador perguntou o que a curva era, Moja respondeu: “pássaro”. E ficou por isso mesmo.

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