Os Estados Unidos são um país rico, mas incomum de diversas formas entre países ricos — por exemplo, têm uma maior taxa de pobreza que os outros. Uma nova análise publicada nesta segunda-feira (17) na revista da Associação Médica Americana (JAMA) indicou mais uma anomalia: a quarta maior razão para mortes prematuras entre os americanos é a pobreza, atrás somente de doenças cardíacas, câncer e fumo.
Os pesquisadores definiram “pobreza” como ganhar menos que 50% da renda mediana (a renda de quem está exatamente no meio da distribuição de todas as rendas), e a mediram pelo que era ganho pelos membros de cada lar e correlacionaram à quantidade de mortes. O que trouxeram de inovador nisso é que sua medida de renda é mais abrangente, levando em conta transferências de dinheiro e até isenção de impostos.
Falando à Gazeta do Povo, o líder do estudo, David Brady, professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Riverside, explicou que usou técnicas estatísticas “projetadas para separar as várias características” dos indivíduos, por exemplo obesidade e pobreza, “e estimar o efeito singular de uma dada variável”. Dessa forma, por mais que as duas estejam ligadas (como indicam outros estudos nos EUA, Reino Unido e Brasil), foi possível tratar características como a obesidade como “controle” para o qual o efeito da pobreza em si foi ajustado para ficar inconfundível. É como se houvesse uma associação bruta, que inclui pobreza e outros efeitos ligados a ela, e uma associação líquida, que isola o efeito específico da pobreza sobre as mortes.
Entre os cidadãos do país a partir dos 15 anos de idade, foram 183 mil mortes por pobreza no ano de 2019. Os autores estimam que problemas como obesidade, overdoses, suicídios, armas de fogo e homicídios são menos letais que a pobreza. Brady nota uma desproporção de atenção dada a cada uma dessas causas e sua real letalidade. “A pobreza mata tanto quanto a demência, acidentes, derrame cerebral, doença de Alzheimer e diabetes”, comentou o acadêmico, “dez vezes mais que o homicídio em 2019. Ainda assim, as armas de fogo e o suicídio ganham muito mais atenção”. Ao todo, foram incluídas quase 300 mil mortes na análise.
Outra descoberta do estudo foi que a diferença entre os mais ricos e os mais pobres nas taxas de mortalidade só aparece após os 40 anos de idade, o que sugere um papel do modelo americano de cuidados à saúde e previdência, além da postura dos indivíduos no planejamento de seu futuro. Uma pessoa atualmente pobre no país tem uma chance 42% maior de morte que uma pessoa mais abastada. Se a pobreza se estender aos dez anos anteriores ou por toda a vida e for comparada com a condição de quem nunca foi pobre, o aumento é de 71%.
O que é pobreza? Até isso é controverso
A definição de pobreza usada na análise é a relativa: quem tem menos recursos. A absoluta leva em conta quem não tem o suficiente para viver. Esta é uma fonte de tensão constante entre analistas mais inclinados à esquerda, que preferem a definição relativa de pobreza, e críticos do igualitarismo de resultados como o economista Thomas Sowell e o filósofo Harry Frankfurt, que preferem a definição absoluta.
Brady explicou que, embora sua definição de pobreza seja relativa, aqueles americanos que ganham abaixo do limiar escolhido “de fato passam por sérias dificuldades” e que “este estudo prova que este é o caso, afinal, mostramos que as pessoas abaixo de 50% da renda mediana têm maior probabilidade de morrer — o que certamente é uma medida objetiva de passar por dificuldades sérias”. O cientista assegura que os resultados são os mesmos se a pobreza for definida de forma absoluta, pois o estudo reproduziu os resultados usando duas dessas medidas de pobreza.
Oficialmente, o governo dos Estados Unidos calcula que o piso da pobreza no país, limiar abaixo do qual uma pessoa é considerada pobre, é o equivalente a um salário mensal de R$ 6.947 — isso é duas vezes e meia maior que a renda média habitual real do brasileiro calculada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em seu livro de 1995 “A Visão dos Ungidos” (“The Vision of the Anointed”, em tradução livre), Sowell critica muitas análises da pobreza por presumir que a categoria dos pobres é estática nos Estados Unidos. “Estudos que seguiram indivíduos ao longo do tempo mostraram que a maioria dos americanos não ficam em uma categoria de renda por toda a vida, nem mesmo por uma década inteira”, comenta o pensador. Os 20% mais ricos e os 20% mais pobres “representam um conjunto em constante mudança de indivíduos”.
No país, explica o economista, quase metade dos “pobres” definidos assim estatisticamente (ou seja, relativamente) têm ar-condicionado, mais da metade têm carro e, na época, mais de 20 mil lares “pobres” tinham piscina aquecida ou um ofurô.
Já o filósofo Harry Frankfurt, em seu livro “Sobre a Desigualdade” (“On Inequality”, trad. livre, 2015), defende que é um erro pensar na desigualdade como um problema em si: o real problema é a pobreza. Porém, essa pobreza deve ser definida de forma objetiva como não ter o suficiente para ter uma vida minimamente digna. Combater a pobreza é muito importante, e a liberdade econômica é um dos melhores instrumentos para isso.
Combater a desigualdade não é tão importante, especialmente se ela emerge naturalmente de diferenças inevitáveis entre as pessoas em sua produtividade e sua oferta de serviços e produtos que outros querem pagar para ter. Ironicamente, quanto mais os igualitários insistem em soluções estatais, mais cresce a desigualdade de fato injusta, pois a riqueza de altos funcionários públicos vem de impostos, não de dinheiro dado voluntariamente em trocas.
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