O suicídio de um empresário em Sergipe, na presença do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e do governador daquele estado, Belivaldo Chagas (PSD), é uma imagem chocante por aquilo que não mostra. Pelo registro em vídeo, é possível ouvir apenas o tiro e os gritos de consternação das pessoas que participavam de um simpósio sobre gás natural. A tragédia pessoal de Sadi Gitz, contudo, foi usada politicamente pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).
Alguém pode argumentar que não há nada de mau nisso, que é até uma tradição política brasileira usar mortes, inclusive suicídios, para fins políticos. Afinal, o suicídio do ditador Getúlio Vargas é usado até hoje como símbolo da opressão das elites sobre o Pai dos Pobres – ou qualquer bobagem assim –, discurso que ignora o provável quadro de depressão e bipolaridade de Getúlio.
Recentemente, Lula também usou política e vergonhosamente a morte da esposa, Marisa Letícia. A ex-primeira-dama não só foi enterrada com a estrelinha do PT no vestido, como os presentes ao velório, realizado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, foram brindados com algumas das palavras mais canalhas já proferidas por um político brasileiro. Àquela altura, Lula insinuava que Marisa Letícia morreu triste por causa da “imbecilidade e a maldade que fizeram com ela”. Ele se referia à inclusão de Marisa na investigação das estripulias corruptas dele, Lula.
(E como não mencionar o assassinato da vereadora Marielle Franco, que há mais de um ano é usado para promover as mais diversas causas progressistas?)
Maria do Rosário, boa discípula de Lula que é, não hesitou em associar o suicídio do empresário Sadi Gitz, que estaria em dificuldades financeiras justamente por causa do alto preço do gás, tema do simpósio, ao governo de Jair Bolsonaro. “O governo é como cupim que corrói até os ossos os trabalhadores e empreendedores”, escreveu a deputada que parece não conhecer muito de entomologia e cujo apreço ao empreendedorismo é no mínimo questionável.
Em seguida, ela assassina a gramática e o bom-senso ao escrever “Solidariedade à dor da família. Repúdio ao governo q gera morte”.
Mesmo levando em conta que Maria do Rosário está apenas cumprindo seu papel de oposição radical e intransigente, usar o suicídio de um homem para dizer que “o governo gera morte” é supor que em todas as ações da administração federal há um desejo intrínseco de matar pessoas – ou de, no mínimo, induzi-las ao suicídio.
O que até Maria do Rosário deve concordar que é, na melhor das hipóteses, um despropósito e, na pior, uma sandice.
A reação do filho do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro, não foi menos grave. Reproduzindo a notícia do suicídio, Carlos ignorou completamente a essência da tragédia, isto é, o fato de um homem ter posto fim à própria vida diante de dezenas de pessoas, supostamente por estar enfrentando um quadro depressivo decorrente da situação financeira de sua empresa, para fazer um alerta quanto à falha de segurança do simpósio. “Seria bom a segurança do Presidente ficar mais atenta”, escreveu.
Assim como Maria do Rosário pode estar tão-somente interpretando a personagem que os líderes do seu partido criam para ela, Carlos Bolsonaro pode muito bem ter se manifestado sob efeito do trauma de ver o pai esfaqueado durante a campanha eleitoral de 2018. Mas como não notar a frieza daquelas poucas palavras que parecem tratar o suicida como um verdadeiro criminoso capaz de usar a arma com a qual tirou a própria vida para, talvez, atingir uma autoridade maior? Como não se indignar com tamanho pragmatismo?
Suicídio é um assunto sério. É a consequência de um sem-número de escolhas e reflexões (e interações químicas, vá lá) que culminam num gesto extremo. É tema que atrai teólogos e filósofos há séculos. É um mistério diante do qual somos impotentes.
Nenhum político, por mais indignado que esteja com o governo ou por mais preocupado que esteja com o pai, que por acaso é também o Presidente da República, tem o direito de usar um suplício individual para, de alguma forma, expressar suas convicções partidário-ideológicas. Ou melhor, eles até têm o direito de fazer isso. Mas, em agindo assim, correm o risco de ter seu caráter exposto ao escrutínio público – o que talvez não seja uma boa ideia.