Em tempos de polarização e politização extrema da sociedade, até mesmo algo prosaico e, sinceramente, enfadonho como a Copa do Mundo de Futebol Feminino é capaz de despertar o furor revolucionário das pessoas. Houve quem dissesse, por exemplo, que assistir aos jogos da competição é um ato político. Houve quem reclamasse do adjetivo “feminino” em “futebol feminino”. Houve quem fizesse objeção ao uso do termo “meninas” para se referir às atletas. E há quem queira colar nas jogadoras uma pecha inexistente de heroísmo.
À primeira ideia, a de que assistir aos jogos da Copa do Mundo de Futebol Feminino é um ato político, reajo com uma mistura igual de estupefação e tristeza. Estupefação porque é inacreditável que, em pleno século XXI, haja pessoas que vejam o ato de se sentar confortavelmente no sofá de casa, bebericar uma cervejinha, comer um salaminho e assistir a uma partida de futebol feminino como uma manifestação política.
Não é.
Simplesmente porque, ao contrário do que algumas pessoas querem fazê-lo acreditar, a vida não é uma sucessão de posicionamentos políticos. E aí está o lado triste da coisa. Acordar, ir à feira, trabalhar, almoçar, tomar banho, escolher entre o futebol e a Fórmula 1 – nada disso é um ato político, embora tudo possa, sim, ser visto pelo melancólico prisma do que acreditam que viver é se fazer politicamente notado. As pessoas que adoram o Estado e tudo o que gira em torno do Estado têm disso: para elas o menor gesto cotidiano é um gesto não de rebeldia, e sim de obediência às regras que tornam o Estado o Ser Supremo que ele pretende ser.
Assistir a uma partida de futebol feminino é, na melhor das hipóteses, sinal de que a pessoa gosta muito de esportes e dispõe de tempo ocioso o bastante para ver vinte e duas pessoas (que, por acaso, são mulheres) correndo atrás de uma bola durante noventa minutos. Na pior das hipóteses, é sinal de tédio. Sabe aquela sensação de que você tem algo melhor para fazer, mas não sabe direito o quê e, por isso, não consegue se levantar de frente da TV? Então.
Futebol feminino, sim
Quanto a abolir o uso do adjetivo “feminino” para se referir ao futebol feminino, vale notar que a ideia estapafúrdia parte do pressuposto de que as pessoas em campo são todas mulheres, no caso do futebol feminino, ou homens, no caso do futebol de verdade. Parece uma obviedade, mas não é. Tanto no atletismo quanto no vôlei, por exemplo, há homens competindo como mulheres – e ganhando.
Diante desse fato, sugiro não só que continuemos a usar o adjetivo “feminino” como também que o reforcemos de alguma forma. Femininíssimo, feminilíssimo, hiper-feminino, ultrafeminino, FEMININO ou feminino. Qualquer solução lexical ou gráfica que deixe claro que se trata de um esporte disputado por pessoas com cromossomos XX.
O termo “meninas” também está sendo questionado. Ao que parece, as feministas o entendem como um termo infantil e condescendente. A solução, neste caso, me parece passar por um retorno ao tempo em que o futebol feminino era proibido no Brasil. Isto é, devemos voltar a usar os pronomes “senhora” e “senhorita” para nos referirmos às jogadoras. Vai ser lindo ouvir o narrador (ou narradora) dizer que a “Senhorita Cristiane marcou um tento” ou que a “Senhorita Formiga anuncia sua aposentadoria do escrete canarinho”.
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Por fim, há quem trate as jogadoras de futebol feminino como heroínas antes mesmo de elas entrarem em campo. E, sim, elas, como todo ser humano, são dignas de aplausos por vários motivos. Porque são batalhadoras, por exemplo. Porque treinam, dão seu melhor – aplausos entusiasmados. Porque aqui e ali fazem uma jogada bonita ou, acolá, marcam um gol – clap, clap, clap.
Mas nunca por serem apenas mulheres disputando o esporte de Pelé. As jogadoras de futebol feminino são atletas, não baluartes de uma causa à qual a maioria delas (e dos espectadores) está alheia.
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